Conheça a história de Suelen Michele, travesti que conquistou Messias, líder do pavilhão no Carandiru.
Suelen Michele tinha uma borboleta tatuada no pescoço e um morango em cada nádega. Na adolescência, começou a tomar hormônio e virou travesti.
Apaixonou-se por Messias, o líder do pavilhão, ao vê-lo, sozinho e desarmado, apartar uma briga de faca com mais de 20 participantes.
Veja também: Leia artigo sobre o massacre no Carandiru
Quando ia à enfermaria, nunca estava sozinha. Messias a acompanhava, mas não entrava, deixava-a aos cuidados de Faustino, estelionatário que fazia as vezes de enfermeiro.
O respeito de Faustino pelo outro vinha desde que aparecera na cadeia seu Xavier, um vizinho da Baixada do Glicério, ladrão de cabelos brancos, do tempo dos batedores de carteira.
Ao chegar ao pavilhão, seu Xavier contou para um amigo que, além dos cheques falsificados, Faustino estava condenado pelo estupro de uma enteada de 12 anos.
Assim que a notícia correu, um grupo do Capão Redondo pediu autorização para executar o enfermeiro. Messias se opôs, alegou haver outros estupradores que viviam em paz no pavilhão, e que Faustino aplicava injeção e arranjava remédio para os doentes a qualquer hora da noite.
Uma noite, depois da tranca, Suelen pediu para o carcereiro de plantão levá-la à cela de Faustino. Precisava com urgência de uma injeção para dor. Parece que demorou mais do que devia no xadrez do enfermeiro. Dizem que não era a primeira vez que o fazia.
A consulta médica era a única oportunidade para Suelen sair do xadrez. Passava os dias a portas fechadas, à espera de que o amante se dignasse a visitá-la. Queixava-se da prisão dupla, mas Messias insistia que lugar de mulher de cadeia casada era dentro do xadrez, para evitar derramamento de sangue.
Não viviam na mesma cela. Homens de respeito podem visitar travestis em seus xadrezes; morar com elas, entretanto, é colocar a masculinidade sob suspeita. Suelen era a primeira-dama do pavilhão. Não havia malandro que não abaixasse o olhar diante dela.
Um dia, uma travesti conhecida como Giovana chegou na cadeia, precedida pela fama de modelo na Itália, cobiçada em todos os presídios pelos quais passou. Mal entrou na cela, Giovana caiu num choro convulsivo diante das companheiras. Jurava que um ex-namorado iria matá-la naquela noite. Não tinha como escapar.
Diante do desespero, chamaram Messias para acalmá-la. Ele a encontrou na cama com o rosto escondido entre as mãos. As outras se retiraram e encostaram a porta. Ela, então, contou ter passado dois anos amasiada com um traficante na cadeia de Sorocaba, que acabou transferido para São Paulo. Depois de três meses, ela casou com outro. Agora viera parar na cadeia do ex-marido enciumado. Tinha certeza de que ele viria matá-la.
Messias garantiu que o malandro rejeitado jamais ousaria invadir o pavilhão sob seu comando. Giovana enxugou os olhos com um lencinho bordado e lhe revelou uma intimidade: na Itália, havia feito a operação de mudança de sexo. Na prisão, a cirurgia era o inferno da vida dela, os homens enlouqueciam.
Messias pediu para ver. Ela corou, envergonhada. Ele insistiu: se ia protegê-la, custava mostrar?
Dias mais tarde, uma travesti da cela vizinha contou para Suelen que Messias tinha um caso com a ex-modelo. Não saía do xadrez dela.
Suelen correu enlouquecida atrás da outra. Encontrou-a debruçada na pia tingindo o cabelo. As duas rolaram pelo chão com o frasco de tintura. A galeria ficou lotada de curiosos. Messias não estava entre eles. Avisado do tumulto, mandou dizer que não se metia em briga de mulher.
Uma noite, depois da tranca, Suelen pediu para o carcereiro de plantão levá-la à cela de Faustino. Precisava com urgência de uma injeção para dor. Parece que demorou mais do que devia no xadrez do enfermeiro. Dizem que não era a primeira vez que o fazia.
Pela manhã, Faustino recebeu recado para atender um asmático no terceiro andar. Quando entrou no xadrez com o frasco de inalação, não encontrou o doente acamado. Tentou sair depressa, mas percebeu que era tarde: oito ladrões lhe fechavam a passagem.
Faustino jazia na galeria rodeado por homens em silêncio, como costumam se comportar na presença da morte. Tinha o rosto congestionado e os olhos arregalados. No pescoço, a marca do laço fatídico.
Então, os cabelos brancos de seu Xavier abriram caminho entre os que contemplavam o falecido. Ajoelhou-se ao lado do corpo, cerrou-lhe os olhos, cruzou-lhe as mãos sobre o peito, fez o sinal da cruz e saiu de cabeça baixa pela galeria.