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Sexualidade

Machos exibicionistas, fêmeas seletivas | Artigo

Publicado em 27/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Nos animais, a maioria das fêmeas é seletiva, enquanto os machos são exibicionistas. Leia artigo sobre atração sexual. 

 

As fêmeas são seletivas, os machos exibicionistas, na maioria das espécies animais. Dos insetos aos primatas como nós, o macho passa a vida reprodutiva investindo energia para provar às fêmeas disponíveis que ele é a melhor das opções sexuais. Para ser convincente, lança mão de artifícios variados como a beleza do canto, a habilidade na caça, a força bruta ou a consistência da conta bancária.

As fêmeas são especialmente sensíveis a essas demonstrações, por razões evolutivas: machos mais saudáveis e competentes  geram filhos com maior chance de sobrevivência, herdeiros do patrimônio genético paterno. Os incompetentes não deixaram descendência.

Nos pássaros, por exemplo, a riqueza da plumagem é tão apreciada pelas fêmeas que em algumas espécies eles são coloridos, exuberantes, e elas pálidas e raquíticas.

Como as aparências são mestres na arte de enganar, os biólogos sempre encontraram extrema dificuldade para entender os mecanismos fisiológicos através dos quais o exibicionismo masculino obteve tanto êxito na seleção natural. Como as fêmeas podem estar tão certas de que determinado macho as protegerá e lhes dará filhos sadios, baseadas apenas em detalhes da aparência física ou em habilidades teoricamente inúteis para a sobrevivência da espécie como o canto melódico das aves?

 

Veja também: A imposição sexual

 

Dois grupos de pesquisadores publicaram na revista Science o resultado de pesquisas realizadas com um tipo de pássaro de penas totalmente pretas (Turdus merula), que nos permite compreender melhor esse mistério da alma feminina.

Nas fêmeas dessa espécie o bico é marrom, sem graça; no macho, adquire tonalidades que vão do amarelo claro ao alaranjado forte, avermelhado, reflexo da alta concentração local de carotenoides (vitaminas presentes na cenoura e no tomate, por exemplo). Estudos anteriores haviam demonstrado que quanto mais alaranjado o bico, maior o assédio feminino.

Cientes dessa preferência sexual, os machos residentes em determinado território são complacentes à aproximação de um invasor de bico amarelo claro, mas ficam enciumados e reagem agressivamente se ele tiver bico alaranjado. Como resultado, estes têm acesso a fêmeas em melhores condições físicas e geram maior número de filhotes do que os de bico mais pálido.

Bruno Faivre e colegas da Universidade de Bourgogne, na França, verificaram que ao injetar glóbulos vermelhos de carneiro na circulação de 50 desses pássaros pretos, eles produziam anticorpos para se defender e ao mesmo tempo a cor de seus bicos se tornava mais clara. A agressão provocada pela injeção das células estranhas mobilizava os carotenoides para atender às necessidades do sistema imunológico e reduzia suas concentrações no bico.

Em estudo separado, o grupo de Jonathan Blount, da Universidade de Glasgow, na Escócia, testou a hipótese de que os machos mais saudáveis dessa espécie seriam aqueles em que o sistema imunológico estaria menos ativado por agentes infecciosos ou parasitários e, portanto, requereria menor quantidade de carotenoides, vitaminas  essenciais para seu funcionamento. Neles, os carotenoides em excesso seriam depositados em maior quantidade nos bicos, conferindo-lhes a cor alaranjada.

Para tanto, separaram dez machos que permaneceram divididos em dois grupos, durante oito semanas: o primeiro bebia água destilada, o segundo, água com um suplemento de carotenoides. Depois de quatro semanas, os bicos dos que recebiam vitamina já estavam bem mais avermelhados. Colocados na presença das fêmeas, a preferência pelos de bico de colorido mais intenso foi nítida.

Os autores, então, estudaram a imunidade dos dois grupos e chegaram à mesma conclusão dos franceses: os pássaros de bico alaranjado eram portadores de sistemas imunológicos mais íntegros, livres do estresse causado por infecções ou parasitas. Selecionando o consorte pela cor do bico, a fêmea evita o acasalamento com machos doentes, reduz o risco de adquirir germes no contato sexual e aumenta a probabilidade de ter filhos que receberão cuidados paternos.

A fêmea sabe disso tudo ao se decidir pelo macho usando como critério a coloração do bico? Lógico que não! Não há evidência de que outros animais, além do homem, conheçam a fisiologia sexual nem a relação entre probabilidade de sobrevivência e integridade do sistema imunológico.

A escolha do parceiro é baseada simplesmente na atração sexual. Na evolução da espécie, as fêmeas que se sentiam atraídas por bicos alaranjados deixaram descendência mais numerosa do que as outras. Com o suceder de gerações, suas filhas foram selecionadas geneticamente para achar lindos os machos de bico avermelhado e desprezíveis os demais.

O que chamamos de atração sexual está longe de ser mera questão de gosto por determinadas particularidades físicas, é uma força da natureza selecionada no decorrer de milhões de anos pela propriedade de produzir descendentes que levaram vantagem na luta pela sobrevivência.

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