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Sexualidade

Câncer de garganta: a causa é o HPV, não o sexo oral

menino adolescente recebe vacina. Existe relação entre câncer de garganta e HPV, que pode ser transmitido pelo sexo oral e outras práticas sexuais
Publicado em 11/05/2023
Revisado em 11/05/2023

Câncer de garganta e HPV, que é sexualmente transmitido, têm relação. Sexo oral e outras práticas sexuais transmitem o vírus, mas existe vacina para preveni-lo. Leia na coluna de Mariana Varella.

 

“O que causa câncer de orofaringe é o HPV, não o sexo oral.” A frase é do infectologista Vinícius Borges, que faz um trabalho de conscientização em saúde nas redes sociais com o nome de “Doutor Maravilha”.

Na semana passada, a relação entre sexo oral e câncer de garganta (orofaringe) apareceu entre os principais assuntos nas redes. Muita gente desconhecia que o papilomavírus humano (HPV) é um dos fatores de risco para esse tipo de câncer, e se assustou ao tomar conhecimento do fato.

Veja também: Mais da metade dos jovens têm HPV no Brasil

O dr. Vinícius não fez a observação por preciosismo ou implicância. Quem trabalha com saúde sabe, ou deveria saber, que o estigmatizar práticas sexuais só reforça o preconceito e favorece a desinformação. Em resumo, aumenta a vulnerabilidade de indivíduos que adotam a prática sexual e também dos que não a adotam, ao gerar uma falsa sensação de segurança.

Isso ocorreu no início da pandemia de HIV/aids, na década de 1980. O estigma associado ao vírus fez com que homens que faziam sexo com homens fugissem dos serviços de saúde, onde poderiam aprender sobre prevenção e fazer exames para o diagnóstico precoce; criou uma sensação de segurança ilusória nas mulheres, tornando-as mais vulneráveis ao vírus; gerou uma série de preconceitos e violências contra usuários de drogas injetáveis e haitianos, por associá-los à infecção.

É comum associarmos o HPV ao câncer de colo de útero. De fato, o vírus, que é transmitido sexualmente, é responsável por 70% dos casos de câncer cervical, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). O que pouca gente sabe é que esse vírus pode ser prevenido por meio da vacinação. É isso que deve ser comunicado com clareza.

Os cânceres de orofaringe foram, durante muito tempo, associados ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool, mas hoje há estudos que demonstram que o HPV está diretamente relacionado a alguns tipos desse câncer.

De acordo com o Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC),  o tipo 16 do HPV é o principal responsável por esse tipo de tumor. 

Segundo pesquisadores da Cleveland Clinic, um dos principais centros de tratamento e pesquisa em câncer do mundo e localizado também nos EUA, mulheres têm menos risco de ter esse câncer porque a maioria já entrou em contato com o HPV por via sexual e desenvolveu resposta imunológica a ele.

O cigarro também aumenta o risco desse tipo de câncer, em especial para quem fuma ao menos um maço de cigarro por dia por dez anos.

Outro fator de risco é o consumo abusivo de álcool. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera uso abusivo de álcool o consumo de mais de 60 g ou mais de etanol em uma única ocasião dentro de 30 dias. Um copo de 330 ml de cerveja, uma taça de 100 ml de vinho e 30 ml destilado têm entre 10 g e 12 g de álcool.

Veja os cinco modos de ajudar a diminuir o risco de câncer de orofaringe relacionado ao HPV, segundo a Cleveland Clinic:

  1. Limite o número de parceiros sexuais. Ao praticar sexo oral, use camisinha ou uma espécie de barreira bucal feita de látex, usada nos consultórios odontológicos, conhecida como dental dam.
  2. Vacine crianças e adultos jovens contra o HPV.
  3. Faça o rastreamento do câncer. Por meio de exames simples, como palpar o pescoço e examinar a boca e a garganta, o médico pode detectar o câncer cedo, o que aumenta muito a chance de cura.
  4. Consulte um dentista regularmente. Os dentistas costumam ser os primeiros profissionais a notar anormalidades na língua e nas amídalas.
  5. Pare de fumar e reduza o consumo de álcool.

 

Sintomas mais comuns de câncer de garganta relacionado ao HPV

Não é fácil detectar o câncer de orofaringe relacionado ao HPV. Se você apresentar algum destes sintomas por mais de duas semanas, procure um clínico geral ou um otorrinolaringologista.

  • Massa ou edema (inchaço) no pescoço;
  • Dor de ouvido;
  • Dor ao engolir (como se houvesse algo preso no fundo da garganta);
  • Ronco que surge repentinamente e não está associado a nenhuma causa, como ganho de peso;
  • Dificuldade para comer;
  • Mudança na voz (rouquidão);
  • Dor de garganta;
  • Linfonodos (gânglios) aumentados;
  • Perda de peso sem motivo aparente.

 

Aumento do câncer de garganta em jovens

Por causas desconhecidas, os cânceres relacionados ao HPV se espalham com rapidez para os linfonodos. Graças à resposta imunológica do organismo, quando o tumor atinge os gânglios linfáticos, ocorre um edema perceptível no pescoço. Assim, o primeiro sinal desse tipo de câncer costuma ser o aumento dos linfonodos. Em geral, esses tumores já são diagnosticados em estágios avançados.

Um câncer de orofaringe relacionado ao HPV pode levar até 30 anos para aparecer, por isso é mais comum em adultos entre os 40 e 60 anos. No entanto, de acordo com dados do Inca, os cânceres de cavidade oral e orofaríngeo estão entre os dez tipos de maior incidência em homens brasileiros. E, mesmo que o cigarro e o álcool ainda sejam suas principais causas, o HPV tem a capacidade de causar câncer em menos tempo, o que pode justificar o aumento, apontado por especialistas do mundo todo, desse tipo de tumor em homens com menos de 40 anos.

No geral, o câncer de orofaringe responde bem à cirurgia e radioterapia. As taxas de sobrevida livre da doença por cinco anos, ou seja, a porcentagem de pessoas diagnosticadas com o câncer que vivem ao menos cinco anos sem a doença, varia de 90% a 95%.

 

Vacina contra o HPV 

A vacina quadrivalente, que protege exatamente contra os quatro tipos mais comuns do vírus, incluindo o tipo 16, principal responsável pelo câncer de orofaringe relacionado ao HPV, está disponível em duas doses, que devem ser tomadas com intervalo de seis meses, gratuitamente pelo SUS para:

  • Meninas e meninos de 9 a 14 anos;
  •  Pessoas imunossuprimidas, como pacientes com HIV/aids, em tratamento oncológico e transplantados também podem tomar a vacina gratuitamente. Nesse caso, o esquema é de três doses, e podem receber a vacina mulheres imunossuprimidas até os 45 anos de idade e homens imunossuprimidos até 26 anos. Esses pacientes precisam apresentar prescrição médica para a vacina.

Em clínicas particulares, a vacina quadrivalente é disponibilizada para:

  • Meninas e mulheres de 9 a 45 anos;
  • Meninos e homens de 9 a 26 anos.

Embora a vacina seja mais eficaz antes do início da vida sexual, a bióloga Luísa Lina Villa, uma das maiores especialistas em HPV do mundo, disse, em entrevista a este Portal, que adultos também se beneficiam da vacina. No entanto, pessoas acima de 15 anos devem tomar três doses da vacina, e não apenas duas.

Embora haja boatos envolvendo a vacina, ela é extremamente segura e vem ajudando a reduzir cânceres de colo de útero nos países com taxas altas de vacinação, e pode ser uma grande aliada na prevenção do câncer de orofaringe.

“A vacina é extremamente segura e protege contra os 4 tipos de vírus mais prevalentes. É fundamental que meninas e meninos sejam vacinados antes de iniciar a vida sexual, para evitar a disseminação do HPV”, explica o dr. Esper Kallás, médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Em vez de dizermos que o sexo oral causa câncer de garganta, que tal ensinarmos que existe uma vacina eficiente e segura contra esse vírus, que é transmitido sexualmente e responsável por milhares de casos de vários tipos de câncer no mundo todo?

 

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