Brasil vive epidemia de sífilis. Tratamento é barato e acessível, mas pouca gente se testa para a infecção. Leia na coluna de Mariana Varella.
Às vezes parece que o ser humano não aprende com a própria história.
No início da pandemia de aids, na década de 1980, acreditava-se que apenas os pertencentes aos chamados grupos de risco podiam contrair o HIV.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos chegou a lançar um alerta em que afirmava que a infecção atingia aqueles pertencentes aos “4Hs”: homossexuais, hemofílicos, usuários de heroína e haitianos.
A estratégia foi um fracasso: além de propagar o estigma às pessoas pertencentes a esses grupos, a recomendação passou a ideia de que quem estava fora não corria risco.
Logo o vírus mostrou que não escolhia gênero ou orientação sexual, muito menos endereço. Mulheres, crianças, pobres, ricos, todos que se expunham ao vírus por via sexual ou por sangue contaminado podiam adquiri-lo.
Décadas depois, parece que pouco aprendemos a respeito da prevenção de doenças infectocontagiosas.
Epidemia de sífilis
O Brasil vive uma epidemia de sífilis, embora poucos falem a respeito. De acordo com o Ministério da Saúde, entre janeiro e junho de 2022 foram registrados 122 mil novos casos da doença no país. Destes, 79,5 mil foram casos de sífilis adquirida, 31 mil de gestantes e 12 mil de sífilis congênita, que é transmitida da mãe para o bebê.
A sífilis é uma doença de notificação compulsória desde 2010, portanto o país tem dados dos casos diagnosticados, embora saibamos que nem todo profissional de saúde notifica as autoridades sanitárias. Em 2015, houve 34,1 casos por 100 mil habitantes, número que saltou para 75,8 em 2018.
Especialistas alertam para o fato de que há muita subnotificação de casos da doença, já que poucas pessoas se testam.
Longe de ser uma doença nova, a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível cujo agente causador, a bactéria Trepanoma pallidum, é conhecida desde o início do século 20.
Altamente transmissível (estima-se que o risco de transmissão chegue a 90% por relação sexual) e nem sempre sintomática, é uma doença que se espalha com rapidez.
Podemos separar a doença em três estágios:
- a sífilis primária, caracterizada por uma ferida indolor, em geral no local de entrada da bactéria (pênis, vagina, boca, ânus etc.), que surge entre 10 a 90 dias após o contágio e desaparece após algumas semanas. Algumas pessoas não manifestam esse sintoma, outras vezes, ele pode passar despercebido;
- a sífilis secundária, que se manifesta cerca de algumas semanas a seis meses depois do contágio com manchas avermelhadas pelo corpo, incluindo palma das mãos e planta dos pés, que não coçam e podem surgir acompanhadas de mal-estar, gânglios aumentados e febre durante quatro a 12 semanas;
- e a sífilis terciária, que surge anos após uma fase em que a doença se torna latente (silenciosa), e é caracterizada por lesões cutâneas, cardiovasculares e neurológicas, entre outras que podem levar à morte.
As gestantes também podem transmitir a doença para o feto durante a gravidez ou o parto, provocando a sífilis congênita, doença grave que pode causar surdez, cegueira, deficiência mental e morte fetal.
As pessoas podem contrair a bactéria da sífilis mais de uma vez. Em entrevista ao Portal, o infectologista Bruno Ishigami disse: “A sífilis é uma doença sexualmente transmissível, uma infecção sexualmente transmissível que tem cura, mas você pode se recontaminar várias e várias vezes, caso você continue a se expor com pessoas que estejam portando sífilis na ocasião”.
O tratamento da sífilis é barato, simples e acessível pelo SUS. Basta uma dose injetável do antibiótico benzilpenicilina benzatina para curar os casos de sífilis primária e secundária (a sífilis terciária exige um esquema um pouco mais longo). No entanto, para tratar a infecção, é preciso que as pessoas sexualmente ativas que tiveram relações sexuais desprotegidas ou apresentem sintomas façam o teste, também disponível pelo SUS.
Gestantes devem se testar em três momentos: no primeiro e no terceiro trimestre e no momento do parto. Isso porque o tratamento pode impedir a transmissão vertical (de mãe para filho).
A melhor maneira de se proteger contra a infecção é usar preservativos em todas as relações sexuais, principalmente com parceiros e parceiras ocasionais.
Aqueles que fizerem sexo sem proteção devem se testar e ficar atentos à manifestação da doença.
De fato, alguns comportamentos podem aumentar o risco de contágio, e as pessoas que os praticam devem receber informações a respeito. Contudo, isso não deve de forma nenhuma passar a falsa ideia de que somente algumas pessoas podem contrair ISTs.
“A gente tem que tirar essa mentalidade dos médicos de ‘ah, a pessoa é casada, [não precisa testar]´. Não importa [se é casada ou não], quem tem vida sexual ativa tem que fazer teste de infecção sexualmente transmissível com frequência”, reforçou o dr. Ishigami.
Se você tem vida sexualmente ativa, teste-se para as ISTs. Não tenha vergonha, todo mundo que faz sexo corre esse risco. Afinal, vírus e bactérias são bastante democráticos e não escolhem seus hospedeiros.