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Psiquiatria

Pressão estética pode afetar a saúde mental

médico desenha em rosto de mulher. veja a relação entre pressão estética e saúde mental
Publicado em 20/03/2023
Revisado em 19/05/2023

A valorização de um único padrão considerado bonito e socialmente aceito muitas vezes adoece as pessoas. Saiba mais sobre a relação entre pressão estética e saúde mental.

 

No Brasil, são realizados mais de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano. Além disso, o país é o líder em cirurgias plásticas entre os jovens. A decisão de fazer ou não uma intervenção com fins estéticos é algo muito pessoal, e os motivos são os mais variados. O problema é quando a motivação para a mudança parte de uma pressão estética que vem de terceiros e acaba gerando a necessidade de alcançar um padrão tido como o ideal.

Esse padrão de beleza estabelecido pela sociedade muitas vezes adoece as pessoas – física e, principalmente, mentalmente, conforme explica a psicóloga Letícia Souza. 

“Os parâmetros estéticos deliberados socialmente são elementos condicionantes para o adoecimento mental, visto que as pessoas necessitam das interações sociais e percorrem caminhos para assemelhar-se. Porém, o que é estabelecido socialmente como uma estética aceitável e desejável é incompatível com a pluralidade de corpos, sujeitos e subjetividades”, afirma. 

A pressão estética e a insatisfação constante com a própria imagem é o que leva muitas pessoas a buscarem intervenções estéticas, inclusive cirúrgicas, para modificar sua aparência. 

Segundo a dra. Abdulay Ezequiel, cirurgiã plástica, uma parcela grande dos procedimentos e cirurgias estéticas é buscada como uma tentativa da pessoa de se adequar aos padrões impostos pela sociedade. “Estamos vivenciando uma verdadeira padronização de resultados camuflada sob o nome de ‘harmonização’. Faces com volumizações exageradas, contornos marcados em demasia, procedimentos na região do nariz com potencial de complicações graves”, alerta a médica. 

“Como cirurgiã plástica, eu enxergo esse assunto com muita delicadeza, porque procedimentos estéticos também têm um grande papel no retorno da autoestima de muitas pacientes e não podemos ser simplistas e acreditar que a cirurgia plástica é algo supérfluo e fútil. De um lado, precisamos estar atentos às motivações que levam a busca por procedimentos e avaliar se realmente há a indicação solicitada pela paciente. Por outro lado, precisamos acolher nossas pacientes e compreender que a cirurgia plástica pode desempenhar um papel fundamental no ganho de bem-estar e autoestima”, completa. 

        Veja também: Transtornos alimentares: entenda como o padrão de beleza pode ser um fator de risco para anorexia e bulimia

 

Pressão estética e padrão de beleza

A pressão estética tem a ver com uma pressão social para que as pessoas se adequem, a qualquer custo, a um determinado padrão de beleza. Esse tipo de pressão pode afetar qualquer pessoa, mas é ainda mais pesado para as mulheres e, sobretudo, para as pessoas que não se parecem com esse padrão – que, em geral, privilegia pessoas brancas, magras, jovens, com olhos claros e traços finos.

Além disso, a pressão estética muitas vezes vem carregada de preconceitos como o racismo e a gordofobia. “Pessoas que não se enquadrem às normas sociais se tornam suscetíveis às diversas formas de preconceito e discriminação. Quando elementos como raça e corpo atravessam mutuamente as pessoas, a tendência é a internalização de percepções distorcidas, como por exemplo a inadequação, a insuficiência e rejeição. Sentimentos como culpa, medo, raiva e ódio se tornam comuns a quem vivencia episódios de racismo e gordofobia de forma contínua ou ocasional”, explica a psicóloga. 

Segundo a especialista, o resultado disso são sentimentos como autodepreciação, desvalorização de si e redução da autoestima, o que pode levar a atitudes como se esquivar de interações sociais que exijam exposição – quem não conhece uma pessoa que já deixou de ir à praia por sentir vergonha do próprio corpo de biquíni? –, compulsão por procedimentos estéticos que gerem mudanças na aparência, uso de substâncias psicoativas para amenizar o sofrimento e a busca infindável por aceitação social. 

Essa pressão muitas vezes também leva as pessoas a buscarem procedimentos de maneira pouco segura. “A sensação de não pertencimento faz com que muitas pessoas, ditas fora do padrão, desejem mudanças no corpo e no rosto com o objetivo de fazer parte do coletivo, de grupos, da sociedade. Isso pode gerar uma busca desenfreada e exagerada por procedimentos [feitos] por profissionais pouco habilitados e em locais com baixa infraestrutura”, alerta a cirurgiã. 

        Veja também: Quando a mulher envelhece: pressão estética e a busca por cirurgias íntimas

 

O impacto das redes sociais

Não há como negar o impacto que as redes sociais têm na maneira como as pessoas se enxergam e no que elas consideram como o ideal de beleza. O uso de edições e dos diversos filtros às vezes mostram uma versão tão diferente do rosto que chegam a distorcer a percepção da pessoa sobre si mesma, de forma que sua imagem “real” passa a não satisfazê-la.

“A minha grande ressalva é o fato de filtros que são propostos inicialmente para camuflar pequenas imperfeições – como uma olheira num dia mais cansativo ou ajudar com a adição de maquiagem – também fazem mudanças mais amplas, como mudar o formato do nariz e das maçãs dos rostos. Mudanças que inicialmente nem seriam buscadas pelos usuários. O uso rotineiro desses filtros ‘embelezadores’ a longo prazo pode distorcer a nossa percepção e nos direcionar à busca de procedimentos que possam nos deixar com o rosto do tal filtro”, opina a dra. Abdulay. 

Além disso, a ideia do “corpo ideal” muitas vezes é difundida nas redes sociais fundamentada em um discurso que preza pela saúde e enfatiza a importância de ter um corpo saudável, ativo e produtivo. “Mas essa projeção é unilateral e desconsidera as diversas formas e corpos que são saudáveis mesmo não estando dentro da imagem construída”, afirma Letícia. 

Em geral, as pessoas mais jovens são as mais impactadas pela pressão estética nas redes sociais. “Os jovens são ainda mais suscetíveis por estarem em um momento de construção da autoestima, por serem mais vulneráveis a pressões externas e por usarem de forma mais frequente essas redes sociais”, diz a médica. 

Quando falamos especificamente do público adolescente, essa questão tende a ser ainda mais sensível, principalmente nesse período após o isolamento social, em que eles se acostumaram a interagir com colegas e amigos de forma online, e agora estão de volta ao mundo “real”, muitos com uma aparência diferente daquela de antes da pandemia. São muitas as questões dessa fase da vida que normalmente é conturbada, cheia de descobertas e incertezas. Por isso, é importante que os pais estejam atentos para dar suporte aos filhos. 

“É preciso estar disposto a construir, sistematicamente, um lar afetuoso e acolhedor que seja favorável à aceitação da diversidade, das mudanças e da singularidade de cada um. Para isso, o diálogo é essencial para compreender os processos sociais e individuais experienciados pelos adolescentes e jovens. Também é valoroso estreitar relações com a escola e torná-la um espaço de partilhas e aprendizado, pois é um ambiente em que existem mais possibilidades de exposição a preconceitos e violências, fazendo-se necessária a participação ativa das famílias e corpo docente. Conjuntamente, construir trocas constantes com as pessoas que esse adolescente convive, respeitando e estando atento à privacidade e espaço de cada um”, recomenda a psicóloga. 

        Veja também: Campeãs mundiais de cirurgia plástica

 

Como fazer procedimentos de forma responsável

A dra. Abdulay orienta sobre pontos importantes a serem seguidos antes da decisão de fazer uma intervenção cirúrgica para fins estéticos: 

  • Inicialmente, fazer uma reflexão sobre as motivações que o levaram a pensar na cirurgia e avaliar se é o momento adequado, considerando tempo, repouso e condições de saúde;
  • Verificar se o cirurgião é um especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) – essa busca pode ser realizada no site da entidade; 
  • Procurar saber como é a conduta do especialista, como funciona o acompanhamento pós-operatório e o seguimento depois do procedimento;
  • Realizar o procedimento em ambiente adequado, lembrando que procedimentos cirúrgicos devem ser feitos em ambiente cirúrgico, com infraestrutura adequada.

Para a médica, para conscientizar as pessoas de que procedimentos estéticos devem ser feitos visando o próprio bem-estar e não para atender pressões ou julgamentos alheios, precisamos entender que a saúde física e mental andam de mãos dadas e que cirurgia plástica não é futilidade. 

“Porque a falta de acolhimento de amigos e familiares quando uma pessoa decide buscar um procedimento também dificulta o processo de escolha por um procedimento adequado e realizado por profissionais bem habilitados. Certamente a principal motivação deve ser sempre a busca pelo próprio bem-estar e não para agradar parceiros ou pessoas ao redor. Ter um cirurgião plástico criterioso certamente contribuirá para avaliação das motivações que levaram a paciente à consulta, o ajuste de expectativas e definição de estratégias adequadas para o bem-estar da paciente”, explica a cirurgiã. 

 

Conteúdo produzido em parceria com Afrosaúde 

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