Como se recuperar após um burnout?

A síndrome de burnout exige ajuda psicológica e o afastamento temporário ou definitivo do ambiente de trabalho. Saiba como tratar.


Equipe do Portal Drauzio Varella postou em Psiquiatria

mulher sentada à frente do computador, com mão na cabeça em sinal de cansaço e burnout

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Publicado em: 4 de outubro de 2023

Revisado em: 6 de outubro de 2023

A cura para o esgotamento profissional passa por uma nova relação do indivíduo com o trabalho. Saiba mais sobre a síndrome de burnout.

 

Marina começou a se sentir muito cansada no início deste ano. Não conseguia desfazer as malas de uma viagem que tinha acabado de fazer para o Canadá. Não saía da cama, não escrevia, e sofria de lapsos de memória. Tudo dava angústia e ansiedade. Ela já tinha passado por algo parecido em outros momentos, mas não nessa intensidade.

Em um certo dia do segundo semestre de 2022, Thomás se sentiu estranho. Mas passou. E veio de novo, e dessa vez não sabia onde estava, esqueceu como fazer o básico e tinha milhões de pensamentos ao mesmo tempo sem chegar a nenhuma conclusão. Na volta do trabalho, não sabia dizer como conseguiu chegar em casa. Outras crises vieram: de choro, de agressividade, e quase sempre com lapsos de memória. Ele também experimentou sensações parecidas em outros momentos, mas assim como Marina, não nessa intensidade…

Tanto Marina Cruz, 44, quanto Thomás Levy, 38, sofreram de burnout e foram devidamente diagnosticados por psiquiatras. Também conhecida como “doença do esgotamento profissional”, a síndrome de burnout passou a ser considerada, desde o início de 2022, como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, ela já havia sido mencionada a mais de 40 anos atrás, em 1974, quando o psicólogo Herbert J. Freudenberger a descreveu como um “estado de exaustão física e mental causado pela vida profissional”. Dois anos depois, a psicóloga social Christina Maslach ampliou o conceito da síndrome ao avaliar o indivíduo e sua relação com o ambiente de trabalho.

 

Caminho de excessos 

Formada em biologia, Marina Cruz passou a trabalhar com turismo educacional a partir de uma experiência como estagiária em monitoria ambiental no Parque Estadual da Cantareira, em São Paulo. Por 20 anos tem sido guia de escolas, invariavelmente particulares, em roteiros educacionais por todo o país e até no exterior. “Trabalho desde os pequeninos, até o ensino médio e faculdade também. Mas o grosso é fundamental 2 e ensino médio. Existe um mercado grande de escolas cujas viagens fazem parte da grade escolar”, explica Marina.

O dia a dia no trabalho sempre foi puxado, mas a variedade de destinos e roteiros, e, consequentemente, o cotidiano nada monótono não dava pistas sobre o que podia acontecer. Então, em 2020, veio a pandemia. “A gente ficou parado dois anos porque turismo é a primeira coisa que para em qualquer crise. E quando voltou, ano passado, achamos que ia voltar aos poucos, porque também estava rolando uma crise financeira, mas não, voltou com tudo. A gente saiu de ficar em casa o tempo todo, para nunca mais voltar pra casa. Só que acompanhando crianças que também tinham ficado dois anos fora da escola e estavam dessocializadas. Foi muito difícil. As crianças ficavam muito doentes, era complicado fechar os grupos, tudo muito caótico”, relembra.

Mas Marina não tinha alternativa. Autônoma, ela precisou se reerguer financeiramente após dois anos sem ganhar absolutamente nada. Rejeitar trabalho nessa conjuntura não era uma opção. “Pensando agora, talvez tenha sido um erro. Porque a partir de março do ano passado, se eu fiquei dez dias em casa foi muito. Fiz as contas e a mala que arrumei em março só foi desfeita em janeiro, pouco antes da viagem ao Canadá que foi a gota d’água. E no meio disso tudo ainda peguei covid-19, fiquei de cama, e sem parar de trabalhar um minuto, pois a demanda era grande.”

A princípio, Marina achou que o extremo cansaço que sentiu inicialmente, os lapsos de memória e todo o resto eram sequelas da covid-19. Mas logo viu que era mais que isso e decidiu ir ao psiquiatra. “Fui a dois, na verdade. Ambos foram categóricos no diagnóstico de burnout, só que o primeiro me deu uma medicação que me deixou mais abatida. Tenho enxaqueca crônica e faço tratamento com CBD, então quando procurei o segundo eu precisava que não tivesse preconceito com CBD e que me receitasse também. Foi uma consulta muito boa, longa. Ele ajustou a medicação, pediu exames, manteve o CBD”, e Marina começou a se sentir ligeiramente mais aliviada.

Mudou algumas coisas na vida: passou a viajar menos, tem dormido melhor e está se alimentando bem. “Essa desaceleração das viagens foi uma das principais recomendações médicas. Realmente não dava pra ficar daquele jeito, mas, por outro lado, não consigo me imaginar em outro trabalho. Sinto que já me recuperei, só que não no mesmo patamar. Ainda sinto muito cansaço em viagens mais longas. Agora vou começar a investigar se tenho TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) ou algum grau de autismo, porque tem umas coisas sensoriais que me pegam muito e isso pode ser um dos gatilhos para o burnout. Dependendo dos resultados, terei que ir por outro caminho de tratamento”, diz enquanto procura construir uma nova vida que não a faça sacrificar tanto a sua saúde. 

 Veja também: Burnout: como reconhecer os sinais? | Animação #40

 

Uma forma de opressão

Jornalista de formação, Thomás Levy começou a trabalhar com comunicação logo no início de sua vida profissional. Começou no Museu de Arte Sacra de São Paulo e rapidamente entrou em uma agência de relações públicas, onde ficou por 13 anos. Foi contratado como executivo, depois gerente e, nos últimos sete anos, liderou uma das marcas mais importantes do grupo. Dois anos atrás, quando ainda estava na agência, foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA), nível 1. Foi uma resposta para uma vida toda de inadequações.

“Sou autista sem TDAH, o que é raro, então é relativamente fácil fazer a gestão do meu próprio tempo. Funciono bem sozinho, sempre fui muito operacional, nunca dei trabalho para os meus chefes. Na minha cabeça é mais fácil fazer do que explicar para alguém e acho que isso foi parte do problema do burnout”, afirma sobre a gênese de seu processo de acúmulo de funções. No entanto, a situação só se agravou quando Thomás virou líder da equipe.

“Passei a gerenciar pessoas, mas não deixei de lado minha parte executora. Comecei a me envolver mais com as práticas de gestão, ver mais coisas de RH, de financeiro, junto com todas as minhas responsabilidades como líder, tais como conteúdo de redes sociais, triangulação com o pessoal de fora, prospecção de novos negócios, seleção de talentos, treinamento das equipes, atendimento dos clientes, relatórios, contabilidade das contas. 100% da operação era minha responsabilidade”. 

Então veio a pandemia e tudo piorou. Começaram a pipocar licenças médicas e pedidos de demissão, enquanto ele trabalhava de 12 a 14 horas por dia em casa. Pediu novas contratações, melhores condições para sua equipe, e só ouvia desconversas, com desculpas como “agora não dá”, “já veremos isso” ou “o ano está difícil”. O diagnóstico de TEA, em 2021, foi devidamente anunciado para a empresa. “Falei de coisas que podiam mudar, como por exemplo não participar mais de reuniões porque pra mim sempre foram gatilhos de ansiedade. Quando falei que precisava desse suporte, desse acolhimento, não tive retorno. Isso começou a me incomodar muito e fui chegando ao meu limite. Foi aí que, no segundo semestre do ano passado, começaram as crises,”

Thomás não se sentia no próprio corpo e precisava lembrar a todo tempo como fazer coisas básicas. Eram sinais de despersonalização e desrealização, respectivamente. “Fui ao psiquiatra que me diagnosticou o TEA e foi ele que me falou ‘ou você para agora o que tá fazendo ou a gente vai começar a te tratar com remédio’. Mas isso leva tempo, tem que ir vendo dosagens, experimentando. E você tem que ter ciência que a gente não está resolvendo nada, só estamos segurando um negócio que pode piorar ou não, mas que não vai sumir de uma hora para outra.”

Foi então que se deu conta da gravidade e da complexidade de seu sofrimento psíquico. “Burnout é uma forma de opressão, porque a empresa responsabiliza o indivíduo pelo que ele está sofrendo. Vem com aqueles papos de saúde mental, de avisar se você está sobrecarregado, se está sofrendo, mas quando avisei, não tive suporte nem para trocar a luz fria que me incomodava no trabalho. A grande crueldade disso tudo é que o preço que paguei só descobri depois que já tinha pagado. O diagnóstico então é meio agridoce porque foi por causa dele que pedi demissão e mudei minha vida, mas também foi a partir dele que descobri que o preço que paguei foi mais alto.” Thomás confessa que atribui também ao burnout, pelo menos parcialmente, o seu divórcio de uma relação de 17 anos.

Existe um mal entendido de achar que burnout é um problema que se resolve com força de vontade. Thomás descobriu na pele que não é bem assim. “Agora tenho consciência de que minhas crises continuam e continuarão, mas estou em um lugar de trabalho com acolhimento e isso foi muito importante. É um espaço que consegui para ressignificar minha relação com o trabalho”, e é isso que tem feito ao chefiar a comunicação de uma deputada estadual. 

 

Desgaste e fortalecimento

“Em dado momento, um profissional se submete a um regime de trabalho que o desgasta, por demandas do próprio trabalho, às vezes da chefia, ou até por investimentos de energia que ele mesmo põe ali de uma maneira indevida. Isso tudo leva a um esgotamento. Tem também pessoas que se envolvem excessivamente com suas atividades, seja por questões de personalidade, de querer aprovação, ou de ser muito centralizador(a). Pessoas assim também estão mais expostas ao burnout”, explica o psiquiatra Marcelo Ribeiro. “Mas é bom deixar claro que ter burnout não significa que a pessoa é mais fraca, muito pelo contrário. Entra em burnout a pessoa que se desgasta. Um exemplo – entre os residentes de cirurgia metade já teve algum tipo de burnout, e 10% desses evolui para um quadro depressivo. Aliás, se é burnout, não pode ser nem ansiedade, nem depressão. Mas burnout é um fator de risco para ansiedade e depressão.”

Marina e Thomás não se sentem curados, mas em processo, pois a cura para síndrome de burnout passa por muitas variáveis. “Existe sim uma possibilidade de cura na medida que a gente fortalece o indivíduo e muda a relação dele com o trabalho. Sendo assim, a gente pode ‘curar’, ou seja, resolver essa situação. Mas isso depende da mudança dessa relação do indivíduo com o trabalho. Cada caso depende da análise desses fatores”, diz Mauro Victor de Medeiros Filho, psiquiatra de Thomás.

“Existem várias formas de atuar, mas as duas mais básicas são o afastamento temporário ou definitivo do indivíduo do trabalho ou uma reorganização dele com o trabalho (mudar de área, mudar de funções, diminuir as demandas). Já no lado individual podemos usar medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, mas também algo para melhorar o sono, melhorar energia, atividades físicas, criar hábitos de boa alimentação e de lazer. Uma segunda frente de tratamento são as psicoterapias feitas por psicólogos ou psicanalistas para dar um apoio e ajudar a entender essa relação de estresse, a diminuir os gatilhos, a se organizar”, conclui o dr. Mauro Victor.

O dr. Marcelo Ribeiro completa que é preciso focar no presente, esquecer a culpa, não criar expectativas. “É preciso, mais do que nunca, voltar a se arejar. E se perguntar: você está mais sintonizado com sua saúde? Com as pessoas? Com aquilo que te faz bem?”

 Veja também: Esgotamento mental nem sempre é burnout

 

Sobre o autor: Dafne Sampaio é jornalista e analista de mídias sociais. Interessa-se por cultura, ciências, saúde, comunicação e, acima de tudo, pessoas.

 

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