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Pediatria

Mais de 80% dos bebês consomem ultraprocessados

Bebê come sorvete de casquinha. consumo de ultraprocessados vem aumentando entre as crianças
Publicado em 23/05/2024
Revisado em 22/05/2024

Crianças brasileiras consomem muitos ultraprocessados, o que aumenta o risco de obesidade, doenças cardiovasculares, câncer e morte precoce nos adultos.

 

O alto consumo de alimentos ultraprocessados entre as crianças brasileiras preocupa pediatras e especialistas em nutrição. Isso porque esses produtos estão associados a uma série de doenças, como obesidade, diabetes, alguns tipos de câncer e hipertensão, que levam à morte prematura cerca de 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos no país.

Os dados são de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de Santiago de Chile e publicado no “American Journal of Preventive Medicine” em 2022. 

Veja também: Alimentos ultraprocessados aumentam o risco de câncer?

De acordo com os pesquisadores,  reduções entre 10% e 50% no consumo de ultraprocessados poderiam reduzir de 5.900 a 29.300 mortes por ano.

“Alimentos ultraprocessados não são propriamente alimentos, mas sim formulações de substâncias derivadas de alimentos, frequentemente modificadas quimicamente e de uso exclusivamente industrial, contendo pouco ou nenhum alimento inteiro e tipicamente adicionadas de corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros aditivos cosméticos para que se tornem palatáveis ou hiperpalatáveis”, afirmou Carlos Augusto Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) em entrevista ao Portal.

Alguns exemplos desses produtos são refrigerantes e outras bebidas saborizadas artificialmente, biscoitos recheados, salgadinhos, barras de cereais, macarrão instantâneo, sopas de pacote, sorvetes e refeições congeladas prontas para consumo. 

Os resultados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), que ouviu 15 mil famílias de todo o país entre 2019 e 2020, mostram que as crianças pequenas também consomem enormes quantidades desses produtos.

De acordo com o Enani, a prevalência de consumo de produtos ultraprocessados entre crianças de 6 a 23 meses de idade é de 80,5%. Aproximadamente 25% das calorias consumidas por crianças com menos de 5 anos vêm dos ultraprocessados. Entre as crianças com 2 a 5 anos, esse número sobe para 30%.

“Esse consumo não tem efeito agudo, mas de médio e longo prazo. Uma criança com obesidade tem cerca de 80% de risco de se tornar um adulto obeso. O consumo desses produtos está associado ao aumento de doenças cardiovasculares, de obesidade infantil, câncer, à redução da amamentação e ao desmame precoce”, explica o dr. Paulo Telles, pediatra pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

 

Motivos para o alto consumo de ultraprocessados entre as crianças

Nas últimas décadas, houve mudanças significativas no comportamento dos brasileiros.

Primeiro, as mulheres passaram a ser parte importante do mercado de trabalho, sem que ocorresse, em contrapartida, uma divisão mais justa dos afazeres domésticos. Assim, a alimentação da família continuou a cargo das mulheres, embora elas hoje tenham menos tempo disponível para a função.

Com isso, as famílias passaram a optar por refeições rápidas, feitas com produtos ultraprocessados, fora e dentro de casa.

Outro fator que favorece o consumo de ultraprocessados é o preço e a facilidade de acesso a esses produtos. Por outro lado, os alimentos in natura não são acessíveis a toda a população. A maior parte dos brasileiros vive nas periferias das grandes cidades e nos locais mais afastados das áreas rurais, nas regiões conhecidas como desertos alimentares, áreas em que há pouca oferta de alimentos in natura, como frutas, legumes e verduras.

Veja também: Rita Lobo ensina a identificar um produto ultraprocessado

O dr. Telles aponta outro problema que leva ao aumento dos ultraprocessados por parte das crianças: a propaganda apelativa desses produtos, voltada para o público infantil, sem que haja ações de marketing equivalentes que estimulem o consumo de alimentos saudáveis entre as crianças.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende o fim da publicidade de alimentos não saudáveis para as crianças, como forma de reduzir a obesidade infantil.

Embora vários dispositivos da legislação brasileira, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Autorregulamentação Publicitária (CAP), o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente (Conanda), estipulem normas para a publicidade que visam a proteger as crianças de propagandas abusivas, são inúmeros os exemplos de marketing da indústria alimentícia voltado para esse público.

Com os adultos fora de casa a maior parte do tempo e a facilidade de acesso aos ultraprocessados, fica mais difícil garantir que crianças fiquem longe desses produtos.

“Crianças que consomem altas taxas desses produtos têm o paladar modificado. É mais difícil introduzir alimentos in natura para essas crianças”, diz o dr. Telles. 

 

Guia Alimentar para a População Brasileira

O Ministério da Saúde elaborou o Guia Alimentar para a População Brasil, que traz diretrizes para uma alimentação saudável.

O guia define quatro categorias de alimentos de acordo com o tipo de processamento empregado na sua produção:

 

  1. alimentos in natura ou minimamente processados: alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza. Alimentos minimamente processados são alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos incluem grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.
  2. produtos extraídos de alimentos in natura ou diretamente da natureza e usados pelas pessoas para temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias. Exemplos desses produtos são: óleos, gorduras, açúcar e sal. 
  3. produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães.
  4. produtos cuja fabricação envolve diversas etapas e técnicas de processamento e vários ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial. Exemplos incluem refrigerantes, biscoitos recheados, “salgadinhos de pacote” e “macarrão instantâneo”.   

O documento, elogiado por especialistas do mundo todo, afirma que os alimentos in natura ou minimamente processados devem ser a base da alimentação diária, enquanto deve-se evitar ao máximo os ultraprocessados.

“A cultura alimentar do brasileiro é diferente da de outros países que enfrentam altas taxas de obesidade e de doenças associadas a ela, como os Estados Unidos. Nesse sentido, temos vantagem, e o Guia Alimentar traz boas orientações”, finaliza o dr. Telles.

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