Incidência de obesidade em crianças é grave e pode causar consequências irreversíveis.
Enquanto seis milhões de pessoas morrem de fome todos os anos, o mundo mergulha na obesidade. A Organização Mundial da Saúde calcula que existam 800 milhões de desnutridos, contra 1,3 bilhão de pessoas com excesso de peso.
Nos últimos quinze anos, as taxas de obesidade dispararam no mundo inteiro. Mesmo em países da Ásia e da África que convivem com o flagelo da fome, parte significante da população engordou mais do que devia.
Os mexicanos constituem exemplo característico: em 1990, menos de 10% estavam acima do peso saudável; em 2006, cerca de 66% dos homens e de 71% das mulheres apresentavam sobrepeso ou obesidade. Diabetes do tipo 2, enfermidade rara naquela época, hoje aflige 13% dos adultos no México.
No Egito, mais de 60% dos habitantes está com excesso de peso. Na China, esse número saltou de 13% para cerca de 30% em pouco mais de uma década. No Brasil da Copa de 1970, havia menos de 20% de pessoas nessa condição; hoje beiramos 50%.
As crianças não foram poupadas pela epidemia. Pacotes de biscoitos e salgadinhos, refrigerantes à vontade e as horas sedentárias na frente da TV e dos computadores tornaram-nas bem mais rechonchudas do que nas gerações anteriores.
Em editorial na revista The New England Journal of Medicine, David Ludwig, professor da Harvard Medical School, descreve as quatro fases da epidemia de obesidade pediátrica.
A fase 1 começou nos anos 1970 na América do Norte e se disseminou pelos quatro cantos. O peso médio das crianças aumentou paralelamente ao dos adultos tanto na cidade como no campo, em todas as regiões e grupos étnicos. Uma em cada três crianças americanas apresenta sobrepeso ou obesidade; proporção que chega a um para dois nas negras e nas latino-americanas. Nessa fase, o impacto sobre a saúde pública é pequeno, porque crianças obesas permanecem relativamente saudáveis por muitos anos.
A fase 2, na qual acabamos de entrar, é caracterizada pela emergência de problemas mais graves. A incidência de diabetes do tipo 2, enfermidade que acometia apenas adultos, aumentou 10 vezes entre os adolescentes americanos. Esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), ausente da literatura pediátrica antes de 1980, hoje ocorre em uma de cada três crianças obesas.
Excesso de peso é causa de problemas ortopédicos, reumatológicos e psicológicos: crianças obesas tendem a desenvolver ansiedade, distúrbios alimentares, depressão e a isolar-se socialmente.
Daqui a alguns anos entraremos na fase 3, na qual surgirão as doenças cardiovasculares e metabólicas que colocarão a vida em perigo.
Estudos canadenses sugerem que adolescentes obesos, com diabetes do tipo 2, correrão mais risco de sofrer amputação de membros, transplante de rim e morte prematura. Parte significante dos que apresentam esteatose hepática evoluirá para cirrose.
David Ludwig estima que, em 2050, a obesidade pediátrica terá encurtado em dois a cinco anos a expectativa de vida nos Estados Unidos – efeito igual ao de todos os casos de câncer combinados. Na ausência de intervenções eficazes, entraremos na fase 4, caracterizada pelo aumento da velocidade de disseminação da epidemia.
Acumular excesso de gordura nas fases iniciais da vida pode provocar alterações metabólicas irreversíveis no equilíbrio hormonal, nas células adiposas e nos circuitos que controlam a fome e a saciedade. Adultos obesos têm maior probabilidade de ter filhos gordos, por causa de influências não-genéticas, fenômeno conhecido como programação perinatal. É o caso das mulheres que apresentam hiperglicemia na gravidez: seus filhos costumam chegar aos seis ou sete anos com excesso de peso.
O autor termina com uma série de indagações. Por que as crianças devem ser bombardeadas com comerciais de “junk food”? Por que são submetidas às tentações das lanchonetes escolares? Por que não lhes é oferecida a oportunidade diária de exercitar o corpo na escola?