Acidentes de moto são um sério problema de saúde pública e impedem que o Brasil cumpra objetivo firmado com as Nações Unidas de reduzir pela metade os acidentes até 2030. Leia na coluna de Mariana Varella.
Os jovens que tiram carteira de habilitação para conduzir automóveis e motocicletas nas grandes cidades brasileiras têm um desafio que gerações passadas não enfrentavam: eles precisam aprender a dirigir em meio a milhares de veículos, motocicletas, bicicletas e pedestres que disputam espaço nas ruas diariamente.
É um problema porque as vias urbanas e rodoviárias brasileiras e as regras de trânsito foram feitas com base em outra realidade, quando havia muito menos veículos em circulação.
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De acordo com o IBGE, em 2012 a frota de automóveis era de cerca de 42 milhões de automóveis e aproximadamente 17 milhões de motocicletas. Em 2022, havia pouco mais de 60 milhões de veículos e aproximadamente 26 milhões de motocicletas.
Com o aumento da frota de motos, impulsionado pelo surgimento dos aplicativos de transporte e de delivery, cresceu a taxa de acidentes: segundo um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), divulgado em maio, houve um aumento de 53% na taxa de mortalidade de motociclistas no país no período de 29 anos analisado pelos pesquisadores.
O estudo analisou os índices de violência e mortalidade no trânsito entre 1990 e 2019 e concluiu que embora o Brasil ainda seja um dos países com mais mortes no trânsito, houve uma queda de 43% nos índices gerais de mortalidade nas ruas e rodovias brasileiras. A redução coincide com a vigência do Código de Trânsito Brasileiro, que adotou medidas como o uso obrigatório de cinto de segurança.
No entanto, se pegarmos apenas os acidentes envolvendo motos, a tendência é oposta.
Em 2015, o Brasil se comprometeu a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Um dos ODS é justamente reduzir pela metade as mortes no trânsito até 2030, objetivo que, a julgar pelos números, o país dificilmente irá cumprir.
De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), que utilizou dados do Ministério da Saúde, entre março de 2020 e julho de 2021 o SUS registrou 308 mil internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito em todo o país. Os acidentes de moto representaram 54% desse total. Em 2020, o gasto público com internações de motociclistas chegou a 171 milhões de reais.
As vítimas em geral são homens, negros, jovens (20 a 49 anos) e com perfil socioeconômico baixo que quando não perdem a vida, enfrentam, muitas vezes, sequelas que lhes impedem de trabalhar por longos períodos.
Os traumas mais frequentes nesse tipo de acidente, de acordo com a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), são, além de escoriações, as fraturas nos membros inferiores, principalmente fraturas expostas da tíbia, fraturas no fêmur e no pé. Lesões nas mãos e nos ombros também são comuns.
O cirurgião Dario Birolini, um dos maiores especialistas em trauma do país, disse em entrevista a este Portal que as lesões pélvicas também ocorrem frequentemente: “Essas lesões são gravíssimas. O motoqueiro cai com as pernas abertas, fratura a bacia, rasga os órgãos genitais e o reto“.
Geralmente, devido à alta velocidade, as vítimas apresentam várias lesões, que requerem cirurgias complexas e fisioterapia prolongada.
Além do aumento da frota de motocicletas, a falta de habilitação, de equipamentos de segurança e o desrespeito às regras de trânsito estão entre as causas de acidentes que, segundo o Ministério da Saúde, matam cerca de 11 mil motociclistas no Brasil anualmente.
Para o país, além dos altos gastos com internações e reabilitação pelo SUS, há o custo com a perda de milhares de vidas de jovens no auge da produtividade.
Os aplicativos de entrega têm sido cobrados pelos entregadores a assumirem a responsabilidade por acidentes e a atuarem na prevenção, fornecendo equipamentos de segurança cujos preços são altos para os bolsos da maioria dos condutores de motocicletas brasileiros.
A Federação Brasileira dos Motociclistas (Febramoto) e outros sindicatos de motociclistas exigem a regulamentação do trabalho de entregadores junto ao governo federal. Entre as reivindicações estão o fornecimento de equipamentos de segurança e o estabelecimento de jornadas de trabalho menos extensas.
Os dados nos mostram a necessidade de políticas públicas que discutam a adoção de medidas de segurança e fiscalização no trânsito e que cobrem responsabilidade dos empregadores que utilizam a força de trabalho dos motociclistas.