Além dos efeitos físicos, especialistas apontam custos social e emocional da perda de peso rápida. Leia na coluna de Mariana Varella.
Cada vez mais estudos vêm demonstrando que a obesidade está associada a vários problemas de saúde, como diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, osteoartrose, infertilidade, entre muitos outros.
Apesar disso, o número de pessoas com obesidade no mundo aumenta a cada ano, assim como vem se tornando consenso entre os especialistas que a obesidade é um problema multifatorial, que envolve fatores genéticos, metabólicos, sociais, ambientais e psicológicos.
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Embora não exista bala de prata contra a obesidade, os medicamentos classificados como agonistas do receptor GLP-1, usados inicialmente no controle da glicemia em pessoas com diabetes tipo 2, estão sendo vendidos como a cura para a obesidade.
São drogas que estimulam a liberação de insulina pelas células pancreáticas, diminuem a velocidade de esvaziamento gástrico, promovem e prolongam a ação dos sinais de saciedade enviados do intestino para o cérebro.
A semaglutida é a mais conhecida e, apesar do preço elevado, se tornou uma febre entre aqueles que querem emagrecer rápido. O medicamento pode levar à perda de até 20% do peso corporal em pouco tempo, o que justifica a alta procura.
Esta semana, a revista “Nature” publicou um artigo de duas antropólogas dos Estados Unidos, país em que quase 2% da população utilizou a semaglutida em 2023, chamando a atenção para o fato de que a perda de peso não é apenas um fenômeno médico, mas também social.
De acordo com Alexandra Brewis e Sarah Trainer, um emagrecimento drástico e rápido pode remodelar de forma positiva a vida social e trazer bem-estar emocional às pessoas, mas também pode causar impactos negativos na vida de quem perde muito peso.
Esse fenômeno pôde ser observado em indivíduos submetidos a outro método que causa perda rápida de peso, a cirurgia bariátrica. As pesquisadoras acompanharam, durante três anos, mais de 300 pessoas que realizaram essa cirurgia e concluíram que perder peso de forma intensa e abrupta não traz só benefícios.
Nesses pacientes, a perda de peso levou a uma melhora significativa na autoconfiança e na saúde, mas também trouxe efeitos físicos indesejáveis. Além disso, os indivíduos que optaram pela cirurgia sofreram julgamento daqueles que defendem a perda de peso por meio da “força de vontade” e do esforço pessoal.
Na maioria das culturas ocidentais, a magreza é associada à saúde, mesmo que isso nem sempre seja verdadeiro. O índice de massa corpórea (IMC), apontado como um dos parâmetros para avaliar a obesidade, não pode ser considerado como uma medida absoluta, que define saúde.
Por outro lado, a obesidade é um fenômeno cercado de estigma e preconceito, causando problemas nos relacionamentos afetivos e diminuição de oportunidades de emprego. Isso ocorre inclusive entre os próprios profissionais de saúde, o que afasta os pacientes dos serviços de saúde.
O mito de que para manter-se magro são necessários apenas exercícios físicos e controle alimentar faz com que as pessoas com obesidade sejam vistas como preguiçosas e indisciplinadas.
A mídia e, mais recentemente, as redes sociais reforçam estereótipos relacionados à obesidade e à magreza, enquanto vendem a ideia de que, para alcançar o corpo dos sonhos, basta comer pouco e se exercitar.
Assim, aqueles que recorrem a medicamentos e a cirurgias para reduzir o peso muitas vezes são encarados como indivíduos sem força de vontade, que apelam para saídas “fáceis” em vez de adotarem a virtuosa dupla exercícios e dieta.
As pesquisadoras norte-americanas ressaltam que manter o peso por um longo tempo depois de uma perda excessiva é extremamente difícil. Em suas pesquisas, as antropólogas disseram que 36% dos entrevistados enfrentaram carência de vitaminas e 47% sofreram de intolerância a algum tipo de alimento após a cirurgia. A náusea, efeito adverso também causado pelos medicamentos, foi observada entre muitos pacientes submetidos à cirurgia. Outros efeitos da perda de peso rápida e excessiva incluem flacidez da pele do rosto e do corpo.
Além disso, muitos podem se sentir frustrados ao não conseguirem chegar ou manter o peso idealizado, e isso precisa ser considerado antes de recomendar tratamentos que levam ao emagrecimento rápido.
Para Brewis e Trainer, as novas drogas para tratar a obesidade não são apenas a solução para um problema médico, mas também uma resposta ao medo e à ansiedade em relação ao peso corporal. Não à toa, foram recebidas com entusiasmo no mundo todo.
O estigma e o receio de ser rotulado como gordo pode levar ao uso de medicamentos para perder peso, na esperança de uma vida melhor e maior aceitação social. Porém, como mostram as pesquisas feitas com pessoas submetidas a cirurgias bariátricas, a trajetória de quem quer perder peso não é fácil.
Assim, é essencial que as farmacêuticas e os médicos levem em consideração aspectos emocionais antes de recomendarem medicamentos anti-obesidade.
Saídas
As pesquisadoras sugerem caminhos nesse sentido. Primeiro, os laboratórios que produzem os medicamentos devem evitar vender a ideia de que perder peso é algo simples, sem reveses. Os efeitos físicos da perda de peso excessiva e rápida devem ficar claros na comunicação acerca das novas drogas usadas para tratar a obesidade.
Também é importante que pesquisadores e a própria indústria farmacêutica compreendam e comuniquem as consequências físicas, emocionais e sociais da perda rápida de peso.
Para isso, será necessário acompanhar as pessoas que utilizam medicamentos anti-obesidade para entender sua trajetória na perda e na manutenção do peso, levando em conta, também, aspectos emocionais e sociais da experiência desses indivíduos.
Por fim, os pacientes devem ser acompanhados por médicos e outros profissionais de saúde antes, durante e após a perda de peso, pois, de acordo com as antropólogas, o apoio depois da cirurgia é um dos fatores que afetam a satisfação no pós-operatório.
Essas medidas, segundo as autoras do artigo, podem ajudar as pessoas a compreenderem os benefícios e prejuízos físicos e emocionais do uso de medicamentos para perder peso, reduzindo, assim, os efeitos sociais e emocionais negativos que podem ocorrer com as milhões de pessoas que tomarão os medicamentos anti-obesidade nos próximos anos.