Ciência tenta compreender o funcionamento dos hormônios e outros mediadores químicos envolvidos na obesidade.
Aos médicos faltam o conhecimento e os incentivos para combater a ameaça à saúde representada pela obesidade. Os sistemas biológicos que coordenam a frequência das refeições e a quantidade de alimentos que ingerimos são altamente complexos e mal esclarecidos. Assim começa o editorial de uma revisão sobre obesidade publicada pela revista “Science”, em fevereiro de 2003.
Recentemente, foram descritos diversos mediadores químicos envolvidos na regulação do apetite e do peso corpóreo. Anos atrás, foi identificado o primeiro deles: um hormônio liberado pelo intestino em resposta à chegada do bolo alimentar, a colecistoquinina, que nos indica a hora de sair da mesa.
Veja também: Obesidade, uma doença?
No ano 2000, pesquisadores da Universidade de Osaka descobriram a grelina, um potente estimulador do apetite liberado pelo estômago vazio uma ou duas horas antes das refeições. Injeções de grelina em voluntários causam aumento significativo do apetite. Naqueles que fazem regime para emagrecer, os níveis de grelina na circulação sobem, explicando em parte as queixas de apetite exacerbado dos que se submetem a essas dietas.
Em 2002, na Universidade de Oregon, foi descrito outro hormônio produzido pelo intestino – batizado de PYY – e dotado de ação oposta à da grelina. Injeções de PYY em voluntários provocam perda de apetite. Dietas gordurosas parecem estimular maior produção de PYY do que as ricas em carboidratos, explicando talvez por que ficamos saciados por mais tempo depois do almoço na churrascaria do que depois da macarronada do domingo.
Colecistoquinina, grelina e PYY fazem parte de um sistema de mediadores encarregados de regular o peso corpóreo no dia a dia. As ações desses hormônios, produzidos pelo aparelho digestivo nos centros cerebrais que controlam o equilíbrio ajustado entre apetite e saciedade, são responsáveis pela quantidade média de calorias que nos sentimos compelidos a ingerir nas refeições diárias.
Ao lado desse mecanismo subjacente às necessidades energéticas imediatas, entretanto, existem outros encarregados de acompanhar as variações do peso corpóreo a longo prazo: a insulina, secretada pelo pâncreas, e, principalmente, a lepitina, hormônio produzido pelas células do tecido gorduroso, descoberto em 1994, por Jeffrey Friedman, na Universidade Rockfeller.
Os sinais biológicos que deveriam surgir em resposta ao acúmulo de peso são extremamente discretos. Não há aumento da energia gasta em repouso, diminuição do apetite ou estímulo para aumentar a energia gasta em atividade. Ao contrário, sobrecarregados pelo peso da gordura, ficamos mais sedentários.
Quando as reservas de tecido gorduroso diminuem, a produção de lepitina cai. Receptores localizados em neurônios reguladores do apetite detectam a redução de seus níveis na corrente sanguínea e tomam duas providências imediatas: estimulam o apetite e reduzem o metabolismo, isto é, diminuem a quantidade de energia que o organismo gasta para exercer as funções de rotina.
Infelizmente, o efeito oposto, que seria a diminuição do apetite e o aumento do gasto energético em resposta ao acúmulo de tecido gorduroso, é insignificante. Ao corpo interessa manter a integridade de todas as células, exerçam elas a função mais nobre ou estejam meramente agrupadas em depósitos pouco estéticos ao redor da cintura.
Tal ação da lepitina explica por que os regimes alimentares de baixo conteúdo calórico provocam perda significativa de peso nas primeiras semanas e dificuldade progressiva de mantê-la daí em diante. Explica ainda por que, ao desistirmos dessas dietas, recuperamos em poucos dias os quilos que penosamente perdemos ao longo de meses.
A liberação dos mediadores que estimulam o apetite envia sinais que serão captados por uma circuitaria de neurônios específica, que os conduzirá para um centro cerebral localizado nas imediações do hipotálamo (importante para o funcionamento da memória). Os mediadores responsáveis pela saciedade, por sua vez, agirão no mesmo centro, mas serão conduzidos através de outros circuitos neuronais.
As características individuais dessas interações neuronais de alta complexidade são geneticamente controladas. Além de lamentar a sorte, nada podemos fazer contra a tendência à obesidade ou à magreza herdada de nossos antepassados.
No decorrer de milhões de anos, a espécie humana enfrentou a fome e a competição com predadores. O corpo humano foi obrigado pela seleção natural a sofrer adaptações em virtude da ameaça permanente da fome. Desenvolveu mecanismos para garantir a ingestão do maior número de calorias disponíveis com o objetivo de armazená-las sob a forma de gordura, destinada a suprir as necessidades energéticas nos períodos de vacas magras.
Ao detectar a perda dessas reservas, o organismo reage ativamente para recuperá-las: faz cair dramaticamente a energia gasta no metabolismo basal e dispara estímulos inexoráveis para consumirmos a maior quantidade possível de calorias.
Como o desafio enfrentado por nossos antepassados era a falta, e não o excesso, de comida, a seleção natural não levou em conta o mecanismo oposto: aumentar o gasto energético e diminuir o apetite em caso de excesso de gordura. Os sinais biológicos que deveriam surgir em resposta ao acúmulo de peso são extremamente discretos. Não há aumento da energia gasta em repouso, diminuição do apetite ou estímulo para aumentar a energia gasta em atividade. Ao contrário, sobrecarregados pelo peso da gordura, ficamos mais sedentários.
Como consequência da adaptação ao longo processo de competição e seleção natural, o cérebro humano tende a proteger os reservatórios de gordura e a forçar o corpo a retornar ao peso mais alto já atingido. O que representou sabedoria extrema em tempos de penúria virou insanidade diante da geladeira cheia.