Estudo acrescenta evidências a outros recentes, que não conseguiram atribuir ao consumo de gordura nem de carboidratos o aumento da incidência de doenças cardiovasculares.
Carnes e açúcares geram discussões apaixonadas.
Desde os anos 1960, os serviços de saúde da maior parte do mundo recomendam que a ingestão de gorduras seja limitada a menos de 30% das calorias diárias. No caso daquelas de origem animal, esse número deveria ficar abaixo de 10%.
As pirâmides alimentares construídas nessa época colocavam em sua base os carboidratos, em relação aos quais o consumo estava liberado; no topo, as carnes.
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A justificativa veio de estudos epidemiológicos dos anos 1950, que atribuíram ao colesterol contido nas carnes papel crucial na incidência de doenças cardiovasculares.
Análises mais recentes, no entanto, têm questionado a metodologia empregada nesses estudos antigos. Cada vez é mais consistente a literatura que considera essas conclusões equivocadas e enganosas. Não são poucos os que as acusam de estimular o consumo de carboidratos e, por conseguinte, contribuir para a globalização da epidemia de obesidade.
Acaba de ser publicado, na revista “The Lancet”, o estudo PURE apresentado num congresso europeu como a avaliação mais abrangente da influência dos macronutrientes na mortalidade das populações.
No período de 2003 a 2013, foram incluídos 135.335 indivíduos de 35 a 70 anos, residentes em 18 países, dos cinco continentes, acompanhados por um período médio de 7,4 anos.
Suas refeições devem conter, no mínimo, três a quatro porções de frutas, legumes e vegetais, de preferência crus. Consuma carboidratos com parcimônia; as carnes, com moderação.
Periodicamente, os participantes responderam questionários padronizados para a descrição dos alimentos contidos na dieta. Com base nas quantidades ingeridas de carboidratos, gorduras (saturadas e insaturadas) e vegetais, eles foram divididos em subgrupos.
Os principais resultados foram os seguintes:
- No decorrer do estudo, ocorreram 5.796 óbitos e 4.784 eventos cardiovasculares (infartos, derrames cerebrais etc.).
- O consumo mais elevado de carboidratos teve relação direta com a mortalidade. Entre os 20% com dietas mais ricas em carboidratos, a mortalidade foi 28% mais alta, do que aquela entre os 20% com dietas mais pobres nesse nutriente.
- A ingestão de carboidratos, no entanto, não interferiu com a incidência ou a mortalidade por doenças cardiovasculares.
- Ao contrário, a presença de gordura na dieta guardou relação inversa com a mortalidade geral. Os 20% de participantes com dietas mais ricas apresentaram mortalidade 23% mais baixa do que os 20% com dietas mais pobres.
- Quando analisados em separado, o total de gordura nas refeições e o tipo de gordura (saturada ou insaturada), o resultado se manteve: quanto mais gordura, menor a mortalidade, independentemente de se tratar de origem animal ou não.
- Como ocorreu com os carboidratos, o consumo de gordura não alterou a incidência nem a mortalidade por doenças cardiovasculares.
- O benefício das frutas, legumes e vegetais atinge o pico com três ou quatro porções diárias. Quantidades acima dessas não reduzem a mortalidade.
- Comparados com os que ingerem menos do que uma porção por dia, a mortalidade dos que comem em média duas foi 19% mais baixa. Com três ou quatro porções, a mortalidade caiu 23%.
Publicado numa revista médica de primeira linha e divulgado amplamente pela imprensa leiga, o PURE traz com ele um viés estatístico mal discutido. Se dietas ricas em gordura ou em carboidratos não provocam aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares, de que morreram as pessoas?
Podemos pensar que refeições com muito carboidrato e pouca carne são características de populações mais pobres, com dificuldade de acesso ao saneamento básico e à assistência médica de qualidade. O oposto seja dito a respeito dos que têm à mesa mais carnes e menos carboidratos.
De qualquer forma, o PURE acrescenta evidências a estudos recentes, que não conseguiram atribuir ao consumo de gordura o aumento da incidência de doenças cardiovasculares.
Você, leitor, perguntará: O que comer, então?
Suas refeições devem conter, no mínimo, três a quatro porções de frutas, legumes e vegetais, de preferência crus. Consuma carboidratos com parcimônia; as carnes, com moderação.
Se minha avó não tivesse partido desta para o nada, diria: “Gastam tanto dinheiro nesses estudos, para concluir o que sempre recomendei: coma de tudo um pouco, sem exageros”.