Cirurgia bariátrica de Capella | Entrevista

O objetivo da cirurgia bariátrica de Capella é dividir o estômago em duas câmaras, uma das quais não receberá comida. Conheça o procedimento.

Dr. Arthur Garrido é médico, cirurgião especialista em obesidade e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. postou em Entrevistas

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Publicado em: 16 de outubro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Nos dias de hoje, a obesidade constitui uma epidemia mundial. O tratamento dos casos mais graves é complexo, especialmente aqueles classificados como obesidade grau 3, pode envolver a cirurgia bariátrica de Capella.

 

Toda a vez que nos alimentamos, o estômago se distende e os alimentos começam a passar para o intestino. Esse processo de distensão do estômago e passagem dos alimentos para o intestino libera uma série de substâncias ativas que vão agir sobre o cérebro e sobre os centros que controlam a saciedade, indicando a hora de parar de comer. Simultaneamente, o cérebro envia outras substâncias mensageiras que atuam no aparelho digestivo. Além disso, o tecido gorduroso, que não é inerte mas um tecido endócrino, produz hormônios que também desempenham papel importante no controle do equilíbrio entre fome e saciedade.

O controle do peso corpóreo é feito pelo cérebro. Cabe a ele regular a quantidade de alimentos que ingerimos e garantir o aporte energético para que as células do organismo se mantenham vivas. Para ele, não faz diferença se elas são neurônios que controlam a inteligência humana ou células adiposas localizadas no abdômen ou nas nádegas.

Um desequilíbrio qualquer nesse mecanismo delicado pode gerar aumento excessivo ou perda de peso corpóreo. Nos dias de hoje, a obesidade constitui uma epidemia mundial. O tratamento dos casos mais graves é bastante complexo especialmente o dos casos classificados como obesidade grave ou grau 3 (nomenclatura que substituiu a denominação obesidade mórbida).

 

CIRURGIA DA OBESIDADE: MÉTODO RADICAL

 

Drauzio – Muita gente considera a cirurgia da obesidade agressiva demais e que as pessoas poderiam perder peso se tivessem boa vontade e espírito de luta.

Arthur Garrido – Os métodos cirúrgicos para tratar da obesidade são, na verdade, muito radicais e só podem e devem ser usados em situações extremas. Seria absurdo indicá-los para alguém com cinco ou dez quilos a mais ou que está infeliz com sua estética corporal. A cirurgia da obesidade só se aplica aos casos extremos e graves em que o excesso de peso causa sérios danos à saúde e implica risco de morte. Só nesses casos cabe fazer uma interferência tão radical sobre o aparelho digestivo, que o torne menos capaz de receber alimentos e de oferecer energia ao organismo.

 

TRATAMENTO CLÍNICO PARA OS OBESOS GRAVES

 

Drauzio — As pessoas obesas que chamam a atenção na rua e que os médicos enquadram, de acordo com a fórmula do índice de massa corpórea, nos casos mais graves de obesidade, conseguem perder peso por conta própria?

Arthur Garrido – Os grandes obesos não conseguem perder peso nem que empenhem enorme boa vontade nem com a ajuda de tratamentos médicos conservadores. A experiência mundial demonstrou que, a partir de certo limite mais ou menos determinado numericamente pela proporção entre peso e altura, raramente o obeso tem sucesso com qualquer tratamento clínico à base de dietas, medicamentos, psicoterapia, exercícios físicos, nem mesmo com aqueles que envolvem internação hospitalar ou em spas para manter jejum ou semijejum prolongado. É especificamente para essas pessoas que faz sentido indicar a cirurgia da obesidade.

 

Veja também: Cirurgia plástica da obesidade grau 3

 

AVALIAÇÃO FÍSICA E DAS CONDIÇÕES EMOCIONAIS

 

Drauzio – Como vocês esclarecem as pessoas que vão ser operadas a respeito da cirurgia e das limitações e riscos a que estarão expostas?

Arthur Garrido – Em geral, hoje as pessoas que nos procuram já têm alguma informação a respeito da cirurgia no tratamento da obesidade. No entanto, é necessário verificar se o paciente se enquadra nos casos em que a cirurgia deve ser indicada, porque se trata de um obeso grave que apresenta doenças decorrentes da obesidade excessiva. Além disso, é preciso avaliar se ele tem condições pessoais e emocionais para enfrentar as grandes transformações que uma intervenção dessa envergadura pressupõe. É importante deixar claro principalmente os aspectos negativos, porque eles existem, para conscientizá-lo dos riscos e benefícios a que estará se expondo. Nesse momento, a relação médico/paciente deve ser franca e aberta.

 

PRINCIPAIS METAS DA CIRURGIA DA OBESIDADE

 

Drauzio – Basicamente, o princípio geral dessa cirurgia é reduzir a capacidade de o aparelho digestivo receber alimento em demasia?

Arthur Garrido – O objetivo visado é diminuir a eficiência do aparelho digestivo. A pessoa se torna obesa, porque ingere mais calorias do que as necessárias para manter seu organismo ativo. Grande parte dessas calorias excedentes é estocada, isto é, armazenada no tecido adiposo. Essa situação precisa ser revertida. Para tanto, a pessoa deve ingerir menos calorias do que gasta. No final do processo de emagrecimento, é indispensável ter alcançado um ponto de equilíbrio entre o consumo e a ingestão de alimentos. Esse grau de equilíbrio, no entanto, foi sendo estabelecido nas diferentes técnicas por ensaio e erro, porque uma das peculiaridades dessa cirurgia é não existirem animais obesos mórbidos para teste. Embora haja animais muito gordos, essa gordura é importante para sua sobrevivência. Se o urso não tiver uma camada considerável de tecido gorduroso, morrerá no primeiro inverno. O homem, ao contrário, morrerá por causa do excesso de tecido adiposo.

 

CIRURGIA DE CAPELLA

 

Drauzio — Quais as técnicas cirúrgicas empregadas para atingir esse objetivo? 

Arthur Garrido — A técnica cirúrgica mais divulgada no Brasil, e provavelmente no mundo inteiro, por sua eficiência e relativa benignidade, é a cirurgia de Capella, que recebeu o nome de seu criador, dr. Capella, um cirurgião colombiano que vive em Nova Jérsei.

Em linhas gerais, divide-se o estômago em duas câmaras. A maior fica em repouso para o resto da vida. Se for necessário, por algum motivo, reconstituir a integridade do aparelho digestivo, ela poderá ser reativada. A menor, mais próxima do esôfago, é o pedacinho de estômago que permanece funcionando.

O passo seguinte é emendar esse estômago novo com a porção inicial do intestino delgado.

Por fim, aplica-se um anel de silicone na saída da pequena câmara (em vermelho na figura) a fim de que ali só caibam 20 ml, o equivalente a uma xícara de café de cada vez.

Como esse anel torna a passagem mais estreita, funciona como um funil e os alimentos passam bem devagarinho, mantendo a sensação de estômago cheio. A operação, de certa forma, engana o cérebro, que recebe essa mensagem de saciedade. Depois de terem assimilado todo o processo, o máximo que as pessoas conseguem comer em meia hora é 200 g, quantidade suficiente para se sentirem alimentadas. O surpreendente é pensar que os grandes glutões obesos chegavam a comer duas pizzas ou três frangos numa única refeição antes da cirurgia.

É ainda interessante observar que a emenda do estômago com o intestino faz com que os alimentos passem pelo anel e caiam diretamente no intestino sem serem diluídos pelo suco gástrico. Isso diminui a possibilidade de falhas no processo de emagrecimento a longo prazo. Doces líquidos, por exemplo, passam com facilidade pela câmara pequena, mas, no intestino causam sensação desagradável, conhecida como síndrome de DEP.

 

PERDA DE PESO APÓS A CIRURGIA

 

Drauzio – Quanto de peso corpóreo uma pessoa perde se submetida a esse tipo de cirurgia?

Arthur Garrido – Há variações individuais, mas em média entre 85% e 90% dos pacientes perdem de 35% a 40% do peso corpóreo e permanecem nesse patamar de emagrecimento. Aí está a grande vantagem dos tratamentos cirúrgicos eficientes: eles impedem a recidiva da obesidade o que nem sempre acontece com os outros tipos de tratamento. Uma pessoa obesa, se ficar alguns meses num spa ou numa clínica, consegue perder de 50 a 80 kg. No entanto, esse peso não se mantém quando ela volta ao ritmo de vida habitual.

 

Drauzio – Isso quer dizer que alguém com 150 kg antes da cirurgia pode passar a pesar 90 kg e a tendência é manter-se nessa faixa de peso?

Arthur Garrido – A tendência é essa. O acompanhamento de pacientes tem demonstrado que esse tipo de cirurgia, pelo menos em 95% dos casos, apresenta resultados muito bons.

 

PADRAO ALIMENTAR DEPOIS DA CIRURGIA

 

Drauzio – O que a pessoa pode comer depois da cirurgia?

Arthur Garrido – Pode comer praticamente de tudo. A alimentação deve ser bastante variada e pode incluir até doces desde que não sejam muito concentrados. A grande mudança, depois da cirurgia, ocorre nos hábitos de vida do obeso que deixa de ter na comida o maior, e talvez o único, prazer de sua vida. O excesso de peso representa uma limitação para outras atividades e prazeres, uma vez que fica difícil sentar numa cadeira comum, passar por determinadas portas, fazer exercícios, namorar, ter relações conjugais e conseguir trabalho.

 

Drauzio – Como o paciente se adapta a essa nova situação?

Arthur Garrido – É uma adaptação difícil que vai sendo conseguida aos poucos. Logo nos primeiros meses ocorre uma perda expressiva de peso que se reverte em melhor disposição física e aumento da autoestima. Frequentemente, doenças associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão, dores nas articulações sobrecarregadas pelo peso, dificuldade para respirar, infertilidade, também melhoram assim como melhora a libido. As novidades são tantas que algumas pessoas operadas atravessam uma fase de euforia por um ano ou dois depois da operação. Devagar elas descobrem que nem tudo mudou. Essencialmente são as mesmas pessoas de sempre e precisam enfrentar os problemas agora sem a desculpa de ser um grande obeso.

 

BALÃO INTRAGÁSTRICO

 

Drauzio –  As técnicas endoscópicas com balões intragástricos funcionam no tratamento da obesidade?

Arthur Garrido – Elas têm o seu papel. Esse procedimento endoscópico, em geral, é feito no hospital por segurança, mas não na sala de operações. O endoscopista introduz um balão murcho no estômago da pessoa que está sob sedação, enchendo-o depois com meio litro de líquido. Isso provoca uma relativa sensação de saciedade e diminui o apetite do paciente. Em certos aspectos, é uma outra forma de enganar o cérebro. O balão ocupa mais ou menos um terço do estômago. Como em média sua capacidade é de um litro e meio, seu uso não impede a ingestão de alimentos.

 

Drauzio – O balão pode ser usado como técnica intermediária para preparar o obeso diabético ou hipertenso descompensado para a cirurgia definitiva?

Arthur Garrido – Essa é a melhor indicação para o balão. Até porque seu efeito é temporário. Depois de seis meses deve ser removido, pois pode causar erosões e sangramentos, murchar parcialmente ou provocar uma obstrução intestinal que demanda cirurgia de urgência.

A perda de peso com o uso do balão, em geral, fica em torno dos 10%, o suficiente para melhorar as doenças associadas. Ele não representa solução de intensidade adequada nem definitiva. No entanto, como preparo para uma cirurgia, qualquer que seja ela, ajuda a diminuir o risco excessivo que correm os obesos.

 

RISCO INERENTE AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

 

Drauzio – Toda a cirurgia, por mais insignificante que seja, representa um fator de risco. Qual o risco associado ao procedimento cirúrgico da obesidade?

Arthur Garrido – No grupo de 4 mil doentes que acompanhamos, submetidos à cirurgia de Capela, a taxa de mortalidade foi em torno de 0,3%, ou seja, em cada mil pacientes, três faleceram em consequência de complicações que podem ocorrer em qualquer operação desse porte. Esse índice de mortalidade é semelhante ao das cirurgias de úlcera e menor do que o encontrado nos casos de câncer gástrico localizado, porque nossos pacientes são, de certa forma, mais saudáveis.

Existe, porém, a possibilidade de complicações graves não mortais como o vazamento de um ponto no estômago o que pressupõe nova intervenção cirúrgica e maior tempo de hospitalização. É por isso que a indicação da cirurgia da obesidade deve ser restrita a pacientes obesos graves com risco de morrer precocemente.

Estatísticas mostram que, na faixa dos 25 aos 35 anos, a taxa de mortalidade dos grandes obesos com o dobro ou mais do peso ideal é 12 vezes maior do que na população em geral. Essas pessoas morrem mais cedo, porque acabam desenvolvendo quadros patológicos decorrentes da obesidade. É muito raro encontrar um grande obeso que chegue aos 70 anos.

 

REDUÇÃO DO ESTÔMAGO E ESTILO DE VIDA

 

Drauzio – Em muitos casos, a cirurgia de redução do estômago é só a primeira de uma série de mudanças a serem enfrentadas pela pessoa que emagreceu 60 kg, 70kg, não é mesmo?

Arthur Garrido – Na verdade quem se propõe fazer uma cirurgia para tratamento da obesidade grave tem de entender que está começando um longo processo de readaptação que só termina dois ou três anos depois. A enorme transformação física por que passa ao perder 40% do peso corpóreo implica várias intervenções para a retirada do excesso de pele que sobrou nas mamas, abdômen, coxas e braços.

 

Drauzio – E a readaptação não se resume às cirurgias plásticas para a retirada de pele excedente depois da perda de peso.

Arthur Garrido – É verdade. É preciso adaptar-se a um novo estilo de vida, a uma nova forma de ser. Nada é tão simples quanto parece. Emagrecer não é o suficiente para tornar a pessoa mais satisfeita e feliz. Ter-se transformado num indivíduo comum que não chama mais atenção em todos os lugares por onde passa, se traz benefícios, traz também inconvenientes. A gordura excessiva deixou de ser desculpa para não encontrar trabalho, companhia ou para os insucessos da vida.

Essa busca por um novo espaço nem sempre é automática. Na maioria das vezes ocorre espontaneamente. Algumas pessoas, porém, precisam de ajuda psicológica e psiquiátrica para vencer essas dificuldades.

 

QUEM NÃO DEVE FAZER A CIRURGIA

 

Drauzio – Você é procurado por pessoas que estão um pouco acima do peso e que querem ser operadas para emagrecer mais depressa?

Arthur Garrido – Muito, e são as consultas mais difíceis. Em geral, sem conhecer os detalhes da indicação cirúrgica, as pessoas vão ao consultório em busca de solução para algo que está sendo interpretado como obstáculo que as incapacita e põe em risco suas vidas. Algumas, porém, que não se encaixam nos padrões da obesidade grave, também desejam submeter-se a esse tipo de cirurgia. Isso acontece especialmente com as mulheres que, mais do que os homens, sofrem forte pressão social do ponto de vista estético. Além disso, a obsessão pela magreza tornou-se uma constante entre elas.

Por isso, não é raro atender uma senhora com 10 kg a mais de peso, insatisfeita com a vida e infeliz no casamento, que quer submeter-se a uma cirurgia de redução do estômago. É uma tarefa difícil convencê-las de que seu caso não é cirúrgico e que graus menores de obesidade podem responder bem a tratamentos mais conservadores. Não se justifica a indicação de uma cirurgia tão radical para alguém que não está correndo nenhum risco.

 

RECOMPENSA PARA MÉDICOS E PACIENTES

 

Drauzio – Com toda essa experiência profissional acumulada e apesar das ressalvas que você fez, é compensador operar um obeso grave e acompanhar as transformações que esse paciente sofreu?

Arthur Garrido – Acredito que seja uma das experiências mais gratificantes que o médico possa ter. Transformar uma pessoa física, emocional e socialmente marginalizada, numa criatura comum e igual às outras, traz muita satisfação para o médico e para o paciente. É como assistir a um renascimento. É claro que há exceções, que podem e devem ser contornadas. Contudo, como regra geral, vencer a obesidade grave, tratando-a cirurgicamente, é motivo de grande prazer.

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