A obesidade depende de causas intrínsecas e extrínsecas. Entenda a fisiologia da obesidade no artigo do dr. Drauzio Varella.
No passado, a obesidade era atribuída aos excessos à mesa. Uma espécie de punição divina aos que se entregavam à gula, um dos sete pecados capitais.
Essa visão prevaleceu até as últimas décadas do século 20. Nos anos 1960, os professores de endocrinologia na USP nos ensinavam que eram gordos aqueles que comiam muito e se movimentavam pouco, ainda que afirmassem o contrário.
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O conceito estava em consonância com a tradição milenar de atribuir ao doente a culpa de seus problemas de saúde. Na Idade Média contrairiam hanseníase os ímpios que haviam ofendido Deus; no século 19, teriam tuberculose os de vida devassa; nos anos 1980, a aids seria um castigo de Deus imposto à promiscuidade sexual.
Passo a passo, a ciência procurou entender essa condição que se tornaria pandêmica no século 21.
A primeira estratégia foi definir o que deveria ser considerado obesidade. A preferência caiu sobre o índice de massa corpórea (IMC), calculado pela fórmula peso em quilogramas dividido pela altura elevada ao quadrado ((IMC = Peso/altura x altura).
O critério inicial para estabelecer a linha de corte foi o de considerar obesos os adultos com IMC acima de 27. Mais tarde, as estatísticas mostraram que no mundo ocidental IMCs iguais ou acima de 30 guardavam mais relação com agravos de saúde. A faixa de 25 a 29,9 passou a ser considerada sobrepeso.
Essa classificação, no entanto, não leva em conta fatores raciais nem a compleição física, caracterizada pela estrutura osteomuscular. Ela é apenas um critério estabelecido para dar alguma objetividade à abordagem de fenômeno fisiológico muito complexo.
Na seleção natural da nossa espécie, levaram vantagem os indivíduos capazes de armazenar gordura para consumi-la em épocas de vacas magras. Por outro lado, foram selecionados mecanismos fisiológicos destinados a manter o acúmulo dentro de limites que não ameaçassem a sobrevivência. Eles incluíram hormônios e mediadores para regular o equilíbrio entre a fome e a sociedade, diversas adipocinas, citocinas e o tecido adiposo termogênico (parte da gordura cujo metabolismo produz a energia necessária para manter a temperatura interna do corpo em 37º C).
Qualquer alteração na produção ou na ação desses mediadores pode alterar o balanço energético e levar ao emagrecimento ou à obesidade, condição que deve ser entendida como resultante de um desequilíbrio no balanço energético.
A obesidade depende de causas intrínsecas e extrínsecas. As intrínsecas se referem ao balanço energético desregulado, por características fisiológicas ou comportamentais que predispõem o organismo a armazenar energia em excesso. Como os genes têm grande influência nas funções cerebrais e no comportamento é evidente que a herança genética desempenha papel importante na regulação do peso corpóreo.
A genética sozinha, entretanto, não é capaz de explicar o fenômeno da obesidade, há fatores externos que interagem com os genes para facilitar o ganho de peso: a ingestão de alimentos altamente calóricos, de paladar agradável, baixos níveis de atividade física e a presença de tecido adiposo termogenicamente ativo.
Por exemplo, pessoas magras têm tecido adiposo ativo em maior quantidade do que as obesas. Comer exageradamente aumenta a energia gasta em repouso, aquela que o organismo consome para se manter em funcionamento em repouso absoluto. Esse tipo de energia varia de uma pessoa para outra: organismos econômicos ganham peso com mais facilidade, enquanto os perdulários que desperdiçam energia mesmo sem se mexer têm mais dificuldade em engordar.
Vários estudos demonstraram que a resposta metabólica ao ganho de peso varia entre as pessoas mesmo que o balanço energético seja idêntico. Camundongos alimentados com o mesmo número de calorias diárias já apresentam pesos desiguais depois de poucas semanas. Há mecanismos individuais para resistir ao ganho excessivo e à perda de peso, mas eles podem ser subvertidos na presença de balanços energéticos positivos ou negativos.
Em editorial sobre o tema no International “Journal of Obesity”, Nikhil Dhurandhar, da Universidade do Texas, escreveu: “Nas pesquisas sobre as causa da obesidade não é mais aceitável concluir que se trata de excessos alimentares, mas de defeitos na fisiologia que precisam ser esclarecidos”.