A gestação gemelar tem características particulares e implica seguimento mais cuidadoso por parte do médico e da própria gestante. Leia a entrevista sobre gêmeos.
Como será nascer com uma cópia idêntica a si mesmo, mesmo que aos poucos ela vá se modificando, porque essas pessoas aparentemente iguais e fruto da mesma gestação reagem de forma diferente diante dos estímulos recebidos e desenvolvem personalidades distintas?
Como se sentirão os gêmeos dizigóticos, aqueles gerados por dois óvulos e dois espermatozoides, portanto com carga genética distinta, que não são necessariamente parecidos, mas que estiveram juntos desde o útero materno?
Gêmeos sempre despertam curiosidade, especialmente os univitelinos que são monozigóticos, isto é, formados a partir da divisão de um único óvulo fecundado por um só espermatozoide.
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A gestação gemelar tem características particulares e implica seguimento mais cuidadoso por parte do médico e da própria gestante. Dificilmente atinge as quarenta semanas previstas, já que a capacidade de distensão do útero vai até certo ponto e a maioria dos partos é feita por via alta, ou seja, por cesariana.
GÊMEOS IDÊNTICOS E NÂO IDÊNTICOS
Drauzio – Como se formam os gêmeos iguais, univitelinos, e os gêmeos diferentes ou dizigóticos?
Maria de Lourdes Brizot – Em 2/3 das gestações gemelares, os gêmeos são bivitelinos, portanto não são idênticos; em 1/3 são univitelinos, portanto idênticos.
Os gêmeos não-idênticos são formados pela fecundação de dois óvulos por dois espermatozóides. Na verdade, podem ou não ter o mesmo sexo e equivalem a duas gestações que se desenvolvem ao mesmo tempo e no mesmo ambiente.
Já os univitelinos ou idênticos formam-se quando um único óvulo, fecundado por um só espermatozóide, sofre posteriormente uma divisão. Logo, gêmeos idênticos têm necessariamente mesma carga genética e mesmo sexo.
Drauzio – Faz diferença a gestação de gêmeos idênticos ou não idênticos?
Maria de Lourdes Brizot – O que faz diferença nas gestações gemelares é o número de placentas. Quando são duas placentas, uma para cada feto, a gestação é menos complicada, mas será mais complicada se houver apenas uma placenta para os dois fetos.
Gêmeos não-idênticos obrigatoriamente têm duas placentas. Entretanto, somente de 10% a 15% dos gêmeos idênticos têm placentas separadas.
POSSÍVEIS CAUSAS
Drauzio –O normal é a mulher liberar apenas um óvulo que será fecundado por um único espermatozóide e dará origem a um só feto. Por que algumas mulheres eliminam dois óvulos ao mesmo tempo ou um óvulo que depois de fecundado dá origem a dois embriões?
Maria de Lourdes Brizot – Existem várias teorias para explicar o caso dos gêmeos não idênticos. Uma delas defende que a elevação de certos hormônios estimula a liberação dos óvulos e por isso as gestações gemelares são mais frequentes entre os 30 e 37 anos da mulher. Outra levanta a possibilidade de que essa elevação hormonal esteja associada a alguns tipos de alimentos. Já se constatou também que a frequência dessas gestações é pequena entre os orientais e um pouco menor entre os brancos do que entre os negros.
Quanto à gestação de gêmeos idênticos provenientes de um único óvulo, as teorias são muitas, mas nada de muito concreto foi encontrado para explicar por que isso acontece. Parece não haver dúvida, porém, de que não há componente genético envolvido, ao contrário do que acontece com os gêmeos não idênticos.
Drauzio – Quer dizer que certas famílias podem concentrar número maior de gêmeos não-idênticos?
Maria de Lourdes Brizot – Quando existem gêmeos não idênticos numa família, a chance de acontecer um novo caso é dez vezes maior do que em famílias sem história de gestações gemelares.
Drauzio – Pesa mais a família do lado paterno ou materno?
Maria de Lourdes Brizot – Para gêmeos não idênticos, parece que a influência maior é exercida pelo lado materno; já para os idênticos, não se observa a mesma relação.
DIAGNÓSTICO: SÃO GÊMEOS
Drauzio – Em geral, as gestações começam todas da mesma maneira: um atraso menstrual, sonolência, às vezes enjoo ou uma sensação de cansaço inexplicável. A partir de que momento é possível fazer o diagnóstico de uma gravidez gemelar e como ele é feito?
Maria de Lourdes Brizot – Existe o conceito de que o nível da gonadotrofina coriônica é mais elevado na gestação gemelar e que a gestante têm enjoos mais intensos. Se isso é verdadeiro em alguns casos, não o é em muitos outros. Por isso, o diagnóstico definitivo depende do exame ultrassonográfico. O ideal é que seja feito no início da gravidez, nos primeiros três meses, quando se consegue definir, no caso dos gêmeos idênticos, se cada um terá sua própria placenta, o que facilitará muito o acompanhamento posterior da gestação.
Drauzio – A partir de quantas semanas o ultrassom detecta a gestação gemelar?
Maria de Lourdes Brizot – Já a partir de cinco ou seis semanas, o ultrassom consegue detectar gêmeos não idênticos, porque existem duas bolsas e duas placentas separadas. Gêmeos idênticos, com uma placenta só, são diagnosticados mais tarde, com seis ou sete semanas. Mesmo assim, é arriscado cometer um erro de diagnóstico: imagina-se que se trata de uma gestação única e depois se descobre que são dois bebês.
IMPORTÂNCIA DA PLACENTA
Drauzio – Qual a importância de existirem uma ou duas placentas?
Maria de Lourdes Brizot – Nas gestações de gêmeos não idênticos existem sempre duas placentas. Portanto, não seria exagero dizer tratar-se de duas gestações independentes, embora simultâneas e ocorrendo no mesmo ambiente e que, por isso, os bebês podem apresentar diferença de peso, altura, sexo, etc.
Quanto aos idênticos, em 90% dos casos, há só uma placenta, o que pode acarretar maiores complicações, pois, além de dividirem os nutrientes necessários para seu desenvolvimento, a circulação sanguínea de ambos se comunica através dessa placenta. Nos 10% restantes, em que cada um tem a sua placenta, a probabilidade de ocorrer um problema é sempre menor.
Drauzio – Nessa divisão, um dos gêmeos univitelinos pode levar vantagem sobre o outro?
Maria de Lourdes Brizot – Pode e isso explica que, em determinada fase da gestação, um seja muito menor do que o outro. Mas a diferença não fica só no peso. Se acontecer alguma complicação e um deles for a óbito, o outro poderá sofrer consequências uma vez que a circulação dos dois passa pela mesma placenta, na maioria dos casos.
Drauzio – O que acontece quando no comecinho da gestação, ainda no primeiro trimestre, morre um dos embriões e o outro fica vivo?
Maria de Lourdes Brizot – No caso de uma única placenta, na maioria das vezes, o embrião que morreu vai diminuindo de tamanho, é reabsorvido e, a partir de determinado momento, não será mais identificado. Quando isso acontece em fase precoce, não repercute de forma alguma na gestação do sobrevivente. Se as placentas são independentes, então, o que ocorre com um não interfere no desenvolvimento do outro.
Drauzio – E se o óbito ocorrer quando os fetos forem maiores?
Maria de Lourdes Brizot – Tudo depende do número de placentas. Se cada um tem a sua, a gestação continuará normalmente para o feto que permanecer vivo.
Drauzio – Existe risco de o feto que morreu ser eliminado através do colo uterino?
Maria de Lourdes Brizot – Existe o risco, mas não é grande. Na maioria das vezes, a gestação evolui bem, sem risco de abortamento nem de parto prematuro ou mais complicado. Dependendo da fase da gestação em que ocorreu o óbito, ele pode nem ser percebido na hora do parto.
CUIDADOS COM A GESTAÇÃO GEMELAR
Drauzio – A gestação gemelar pode apresentar mais problemas do que a gestação de um só bebê. Que tipo de medidas devem adotar o obstetra que acompanha o caso e a mãe que está gestando dois bebês?
Maria de Lourdes Brizot – Nesse sentido, cuidados, preocupações e alegrias são proporcionais ao número de bebês. Como consequência, os cuidados com a gestante que vai ter gêmeos têm de ser maiores, porque as modificações em seu organismo são diferentes do que as que ocorrem numa gestação única.
Na gestação gemelar, o volume do útero e do sangue aumenta quase o dobro e, em termos de nutrição, as necessidades serão muito maiores. Além disso, a grávida de gêmeos corre maior risco de apresentar hipertensão, diabetes e parto prematuro. Consequentemente, as visitas ao obstetra assim como os exames ultrassonográficos precisam ser mais frequentes.
No que se refere ao feto, como já dissemos, as complicações estão mais relacionadas ao número de placentas. Gêmeos idênticos com uma única placenta são mais vulneráveis do que os que possuem placentas independentes e do que os não idênticos.
Drauzio – Há maior risco de malformação congênita em gravidez gemelar?
Maria de Lourdes Brizot – Não é que isoladamente cada feto corra maior risco. A gestação em si é que pode apresentar algum tipo de problema, porque na verdade são dois fetos que se desenvolvem no mesmo momento.
Drauzio – Isso indica avaliações mais frequentes das condições fetais?
Maria de Lourdes Brizot – Tudo o que se faz na gestação única, faz-se também na gestação de gêmeos. O exame de translucência nucal, por exemplo, é importante tanto nas únicas quanto nas múltiplas. A grávida de gêmeos, porém, faz mais ultrassons para averiguar o crescimento dos fetos, a quantidade de líquido e as condições em que se encontra cada um deles, porque do bem-estar de um pode depender o bem-estar do outro.
Drauzio – Qual a rotina dos exames de ultrassom na gravidez de gêmeos?
Maria de Lourdes Brizot – Sempre se costuma pedir um ultrassom por volta da sétima ou oitava semana para firmar o diagnóstico de gêmeos. Depois, na 12ª semana, é feito o de translucência nucal, que revela também quantas placentas existem.
A seguir, os exames de ultrassom são repetidos mais ou menos uma vez por mês para quem tem duas placentas e, eventualmente, num intervalo menor quando a placenta é só uma.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Drauzio – O que justifica a incidência aumentada das gestações gemelares nos casos de fertilização in-vitro?
Maria de Lourdes Brizot – A reprodução assistida provocou aumento grande de gestações gemelares ou múltiplas. O ideal nesses tratamentos – pelo menos, o que o especialista e a maioria dos casais desejam – é que tenha sucesso a gestação de um único bebê, de dois no máximo, porque assim a gravidez estará sujeita a menos complicações. No entanto, é difícil obter esse resultado implantando apenas um ou dois embriões. Na maioria das vezes, transferem-se três ou quatro para assegurar o sucesso do tratamento.
Drauzio – Na verdade, esses embriões são fertilizados fora do organismo materno e depois transferidos para o útero da mulher. Pelo que você está explicando, implantam-se três ou quatro embriões com o intuito de que pelo menos um deles sobreviva e leve a gravidez até o final.
Maria de Lourdes Brizot – Sabe-se que nem todos os embriões transferidos irão se desenvolver normalmente. Às vezes, transferem-se quatro e nenhum se torna viável; às vezes, os três que foram transferidos evoluem sem problemas e, ainda, pode acontecer que um deles se divida em dois.
Drauzio – Para haver controle desse processo, precisaria enxertar apenas um embrião.
Maria de Lourdes Brizot – Transferir um embrião apenas poderia aumentar as chances de controle, mas diminuiria as de conseguir uma gestação.
Drauzio – Como cabem três ou quatro fetos na barriga de uma mulher?
Maria de Lourdes Brizot – Cabem, porque o útero vai se adaptando até atingir certo limite de distensão. Por isso, quanto maior o número de bebês, mais precoce o nascimento. A idade gestacional de quadrigêmeos é, em média, de 31 semanas; a de trigêmeos, aproximadamente 34 semanas e os gêmeos nascem por volta da 36ª semana, ou seja, quando a mãe está entrando no nono mês de gravidez. Esse adiantamento do parto explica algumas complicações que advêm de gestações múltiplas.
TIPO DE PARTO
Drauzio – Quais são as complicações que podem ocorrer na hora do parto?
Maria de Lourdes Brizot – A maioria dos partos de gestações múltiplas é por via alta, isto é, por cesariana. No caso de gêmeos, o parto normal é possível dependendo da posição em que estejam os bebês. O ideal é que os dois estejam de cabeça para baixo, o que acontece em 40% dos casos. Nos outros 40%, o número 1 está de cabeça para baixo e o número 2, numa posição diferente. Isso dificulta a realização do parto normal, mas mesmo assim ele pode ser feito, porque existem algumas manobras que facilitam o nascimento do segundo bebê. Quando nenhum dos dois está com a cabeça para baixo, a cesária é o procedimento indicado. Em se tratando de trigêmeos ou quadrigêmeos, o indicado é sempre o parto por via alta.
Drauzio – No caso de gêmeos, qual tem o parto mais difícil?
Maria de Lourdes Brizot – Na maioria das vezes, a complicação é maior no segundo gemelar. Às vezes, ele não está em posição favorável ou as contrações não são suficientes para expulsá-lo.
RESPEITANDO AS DIFERENÇAS
Drauzio – Quando os gêmeos univitelinos começam a manifestar diferença de personalidades?
Maria de Lourdes Brizot – Já no intraútero, os gêmeos apresentam diferença de resposta ao meio ambiente ou a qualquer tipo de agressão, tanto que um problema pode manifestar-se apenas num deles. Diria também que nos exames de ultrassom é possível observar, por exemplo, que um é mais agitado e o outro, mais calmo.
Essas diferenças acentuam-se no pós-natal. É sempre bom lembrar que mesmo os gêmeos idênticos são pessoas diferentes, com personalidades diferentes apesar de geneticamente iguais. Daí, a importância de os pais individualizarem a forma de tratar, vestir e educar essas crianças.
Drauzio – É interessante notar que, muitas vezes, gêmeos idênticos vão perdendo a semelhança com a passagem dos anos.
Maria de Lourdes Brizot – Isso acontece porque cada um desenvolveu suas próprias características. Há, porém, outros que se parecem muito ao longo da vida, e até colaboram para perpetuar essa semelhança. Há dois gêmeos americanos, um é médico e o outro é físico, que cuidam de uma fundação nos Estados Unidos e fazem questão de manter a semelhança física. Na verdade, entre eles existe algo que vai além da convivência e, embora o lado genético tenha influência muito forte nessa ligação, eles se esforçam por mantê-la intensa a ponto de o físico, por exemplo, participar dos congressos médicos sobre gêmeos. Obviamente, há gêmeos que querem diferenciar-se e essa é a conduta mais habitual.
AMAMENTAÇÃO
Drauzio – A tarefa de amamentar uma criança já não é muito fácil. Como as mães dão conta de amamentar dois ou mais bebês que podem chorar de fome ao mesmo tempo?
Maria de Lourdes M. L. Brizot – A mãe pode amamentar um bebê enquanto o outro dorme, ou pode amamentar os dois concomitantemente, colocando um em cada mama. Se desse modo consegue diminuir as horas que passa dando de mamar e estabelecer um horário para a amamentação, por outro tem de repartir a atenção entre as duas crianças enquanto as alimenta.
Drauzio – Quando a mãe tem três ou quatro filhos gêmeos, amamentar torna-se uma tarefa difícil de cumprir?
Maria de Lourdes Brizot –A tendência é que as mães de múltiplos, com três ou quatro filhos amamentem menos do que as que tiveram gestações únicas. Isso acontece não porque o leite seja necessariamente insuficiente, mas porque o trabalho é muito maior e requer ajuda de profissionais.