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Mulher

O papel do médico ao receitar um anticoncepcional

Cartelas de pílulas anticoncepcionais espalhadas.
Publicado em 28/07/2015
Revisado em 11/08/2020

Exame cuidadoso é fundamental para prescrever o anticoncepcional mais seguro. Descuidos podem ter resultados graves. Leia mais sobre o assunto.

 

Pergunta rápida: alguma vez seu ginecologista mediu sua pressão antes de te indicar um método anticoncepcional? Infelizmente, muitos nem mesmo perguntam o histórico familiar, comportamento que não é indicado pela OMS. “A organização recomenda que seja feita uma ótima anamnese do paciente, ou seja, que sua história seja bem detalhada – quais foram as doenças da família, quais doenças essa paciente tem, quais são seus hábitos, se é fumante ou se é sedentária – e que seja medida a pressão da paciente, pois dependendo do tipo de hipertensão a paciente não pode  tomar hormônios combinados”, explica  a  doutora Cristina Aparecida Falbo Guazzelli, ginecologista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Cerca de 25% das mulheres brasileiras são hipertensas, e nem todas sabem disso. Esse é um risco real e muito grave e que não vem sendo considerado pelos ginecologistas no momento de receitar o método contraceptivo. Do mesmo modo, é papel do médico alertar quanto aos sintomas da trombofilia, a doença de quem tem tendência a ter trombose. “Como usuária de anticoncepcionais com hormônios combinados, a mulher deve se ater a alguns sinais que podem indicar a trombose. O mais comum é que se observe alteração na região da panturrilha (batata da perna). Ela fica inflamada, inchada, vermelha e quente. Normalmente é de um lado só. O tromboembolismo pulmonar causa falta de ar repentina, associada a uma dor no tórax. Esses são sinais de emergência que não podem ser ignorados. A paciente tem que correr para o médico”, alerta Eduardo Zlotnik, ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Um aspecto importante que deve ser analisado pelo médico é o que diz respeito ao risco genético de apresentar trombofilia. Qualquer mulher que tenha mutação no gene V de Leiden, no gene da Protrombina (fator II) ou no MTHFR tem por si só de 7 a 8 vezes mais risco de ter trombose venosa profunda. Se ela faz uso de anticoncepcional com hormônio combinado, esse risco pode chegar a 30 vezes mais. E a  mutação não é rara: atinge uma em cada dez mulheres brasileiras. Se a mulher infelizmente possuir mutação em dois genes ao mesmo tempo e fizer uso de anticoncepcional, o risco dela ter AVC isquêmico é 149 vezes maior do que na população em geral. O teste para detectar esse tipo de alteracão custa cerca de 300 reais, é coberto pela maioria dos planos de saúde e pode ser feito com uma simples coleta de saliva.

“Fazendo o teste, que tem 100% de segurança, e dando resultado positivo para a mutação, não significa que a mulher vai ter a doença. Significa apenas que ela pode tomar algumas medidas ao longo da vida para não ter nenhum tipo de complição, para não correr um risco desnecessário. Através da genética, você previne o acontecimento da doença”, esclarece Ciro Martinhago, diretor da Chromosome Medicina Genômica e membro da equipe de genética do Hospital Albert Einstein. Ele defende que o teste seja aplicado ao menos nas mulheres que têm antecedentes na família com trombofilia e que desejam tomar anticoncepcional com hormônio combinado. Mas mesmo pessoas que não têm casos na família podem estar sujeitas à mutação, porque nem sempre ela se manifesta.

Por outro lado, muitos médicos ainda consideram o exame genético desnecessário. “A incidência dessa mutação tem uma porcentagem pequena. Mesmo que os exames sejam negativos, eu não posso afirmar que a paciente não vai ter trombose. São muitos fatores que levam a essa doença. Fazer esse exame não está na recomendação de nenhuma entidade médica”, defende Cristina Guazzelli. Para Martinhago, há uma grande resistência de seus colegas a recomendar o exame porque as novidades da área de genética demoram para chegar a eles.

 

Tromboses por prescrição inadequada de anticoncepcional são comuns

 

Carla Simone Castro, 41, é um exemplo importante de como o teste genético pode fazer diferença. Ela é professora universitária e em setembro de 2014 teve fortes dores de cabeça enquanto dava aula em Brasília. Foi levada de volta para Goiânia por sua família e teve uma convulsão na sala do neurologista. Foi internada imediatamente. Ela sofreu uma trombose cerebral, causada provavelmente pelo uso da pílula de hormônio combinado Yasmin e pela mutação genética, que ela só viria a descobrir depois de usar o método.

A trombose lhe provocou três AVCs e, cerca de um ano depois do acontecido, ela ainda tem de enfrentar cirurgias para corrigir as sequelas das fístulas que se formaram em seu cérebro, um procedimento delicado e com risco de morte. “Se eu soubesse dos riscos, talvez eu não tivesse tomado o hormônio. Talvez eu tivesse usado outro método. É um empoderamento para as mulheres o de poder escolher o que é melhor para o corpo delas.” Carla começou a tomar a pílula para tratar miomas. Não fumava, não era obesa, não tinha casos de trombose na família. Quando sua ginecologista receitou o remédio, Carla aparentemente não integrava nenhum grupo de risco. Aparentemente.

Assim como Carla, muitas outras mulheres tiveram graves sequelas pelo uso de anticoncepcionais com hormônios combinados. Depois de ter seu caso divulgado através de um vídeo no Facebook, mulheres com histórias parecidas a procuraram. Juntas, criaram na rede social a página “Vítimas de Anticoncepcionais – Unidas a Favor da Vida”, com mais de 53 mil curtidas. Não é nada difícil encontrar casos parecidos. Uma das internautas conta sobre a experiência de sua filha com o medicamento Elani 28, receitado pela ginecologista. Depois de 32 dias de uso, começou a sentir dores nas costas e na cabeça. Ao fazer uma ressonância magnética, descobriu uma trombose cerebral. Outra mulher conta que depois de tomar o mesmo medicamento, sob prescrição médica, acordou com desconforto no ombro e no abdômen. Depois de idas e vindas no médico, descobriu um tromboembolismo pulmonar.

Muitas dessas complicações poderiam ter sido evitadas se as mulheres tivessem sido bem instruídas nos consultórios e soubessem os benefícios e riscos que essas medicações oferecem. Para quem depende do SUS, a situação é ainda pior: “O governo tem melhorado a disponibilidade de métodos anticoncepcionais, mas atualmente temos na rede pública apenas um tipo de pílula, uma injeção mensal, uma trimestral e, em alguns lugares, o DIU de cobre. Faz muita falta a opção de outros métodos, principalmente os de longa duração. Precisamos falar mais sobre eles e os paciente têm que conhecer mais esses métodos”, diz Guazzelli. Existem mais de 150 tipos de pílulas de hormônios combinados. No entanto, há pelo menos outros 10 tipos de métodos anticoncepcionais, que podem ser mais indicados para determinada mulher do que a pílula. Será que não está na hora de rever o modo como você evita gravidez?

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