Riscos do uso indiscriminado da pílula anticoncepcional

Por que as mulheres não escolhem o método anticoncepcional como escolhem um vestido ou um carro? Conhecer e comparar as opções é essencial.


Tarima Nistal postou em Mulher

Cartela com 21 pílulas anticoncepcionais.

Compartilhar

Publicado em:

Revisado em:

O principal risco do uso indiscriminado da pílula anticoncepcional é a trombose. Saiba como se prevenir.

 

Imagine que você vai escolher um carro novo. Comparar preços, descobrir vantagens, visitar concessionárias e pesquisar muito sobre um assunto são essenciais para esse grande investimento. E por que com a nossa saúde não é assim? Meninas de doze anos logo que menstruam vão à farmácia desprovidas de qualquer orientação médica, instruídas apenas por suas mães, e compram pílulas anticoncepcionais. O objetivo varia. Pode ir desde diminuir cólicas e controlar o ciclo menstrual até se prevenir de um dos maiores males do país: a gravidez precoce (para se ter uma ideia, 13 milhões de adolescentes se tornam mães anualmente). O que poucas mulheres sabem é que o uso indiscriminado desse tipo de medicamento traz riscos graves, que podem levar à morte. A maioria vai direto para as pílulas sem conhecer outros métodos.

“No Brasil, temos essa ideia de que a pílula [feita com a hormônios combinados, o tipo mais usado no mundo] é ótima. Você vai em qualquer farmácia e eles te dão, sem receita. Todo mundo tem horror a gravidez na adolescência, porque isso é uma epidemia no Brasil. E por isso aceitaram-se todos os riscos da pílula, sem que as pessoas sequer entendam adequadamente os riscos”, afirma o doutor Eduardo Zlotnik, ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Veja também: Contraceptivos de longo prazo

O hábito é o que melhor explica o consumo desse tipo de método. Ele está em terceiro lugar entre os países latino-americanos que mais a utilizam. Tanto as pacientes quanto os médicos já estão acostumados. “É uma sensação de conforto, de terreno conhecido, além de já tratar outros problemas ginecológicos, como a regulação do fluxo”, diz a doutora Patrícia de Rossi, ginecologista do Hospital Mandaqui . “Eu não acho que a pílula seja ruim. Mas acho que tem uma série de métodos que também são bons. Infelizmente, as pessoas não têm esse leque de opções na cabeça. Geralmente o exercício de escolha é feito em relação ao tipo de pílula, e não ao tipo de método”, finaliza.

Veja também: O papel do médico ao receitar um anticoncepcional

Camisinha, DIU, implante, cirurgia, pílulas com um hormônio ou com hormônios combinados, adesivo, anel vaginal. Cada um deles possui benefícios, riscos, facilidades e restrições (confira no infográfico todas as informações). É essencial que a mulher, junto com o ginecologista, faça uma escolha consciente e adequada às suas condições. A pílula de hormônios combinados é um composto de estrogênio e progestagênio (hormônio sintético derivado da progesterona). Basicamente, essas substância bloqueiam a ovulação e impedem que o colo do útero dilate, dificultando a passagem de espermatozoides. O adesivo cutâneo e o anel vaginal possuem o mesmo princípio. O maior risco comprovado desses anticoncepcionais está na ação do estrogênio, que é capaz de provocar trombose, quadro em que uma espécie de coágulo (trombo) é formado.

 

Risco de trombose

 

Sempre que nos machucamos, nosso organismo ativa um mecanismo que isola o local ferido e forma esse “curativo”, o trombo. Trata-se de uma função extremamente importante, porque impede que sangremos sem parar quando temos um simples corte no dedo, por exemplo. No entanto, em alguns indivíduos e em algumas situações, o trombo se forma sem necessidade. O risco é que esse trombo — geralmente formado na perna — pode se desprender, cair na circulação sanguínea e viajar até locais vitais como o coração, o pulmão ou o cérebro, provocando uma trombose.

Ao chegar no pulmão e dependendo de seu tamanho, o trombo pode bloquear a passagem do sangue que está com oxigênio, impedindo sua distribuição para o resto do corpo, ou do sangue que está sem oxigênio, impedindo que ele seja oxigenado. Eis uma tromboembolia pulmonar: a pessoa fica sem oxigênio no organismo, com alto risco de morte. Os mecanismos do AVC e do infarto seguem o mesmo princípio e também podem estar relacionados à trombose.

Para chegar a esse quadro, muitos fatores estão envolvidos, entre eles:

  • Risco genético: “uma a cada dez mulheres possui mutação nos genes V de Leiden, Protrombina (fator II) e MTHFR. A mutação em apenas um desses genes já aumenta entre sete e oito vezes o risco de ela ter trombose venosa profunda”, explica o geneticista Ciro Martinhago, diretor da Chromosome Medicina Genômica e membro da equipe de genética do Hospital Albert Einstein;
  • Gravidez: quando uma mulher está grávida, a quantidade de estrogênio aumenta em seu corpo, aumentando o risco de trombose. Na fase de amamentação, alguns cuidados ao tomar pílula precisam ser observados;
  • Uso de anticoncepcionais com hormônios combinados: pelo mesmo motivo acima, o estrogênio contido nas pílulas favorece a coagulação;
  • Cirurgias de grande porte e viagens de longa distâncias: quando ficamos muito tempo parados, a circulação do sangue diminui e favorece a formação dos trombos.

Associados a uma vida sem exercício físico e com má alimentação, esses fatores podem, separadamente ou combinados, causar a doença. O risco de uma mulher ter trombose é de 5 em cada 10 mil mulheres. O de uma mulher que usa pílula anticoncepcional está entre 10 e 15 a cada 10 mil mulheres, dependendo da dose e do tipo de hormônio que está na pílula. Já o de uma mulher grávida é de 40 em 10 mil.

“O principal benefício dos anticoncepcionais com hormônios combinados é o de evitar gravidez e, por consequência, abortos. Outra vantagem é que, além de regularizar, ela diminui o fluxo menstrual, num país em que cerca de 30% de sua população têm anemia. Com a pílula, a pele fica menos oleosa, a TPM melhora, o risco de ter câncer de ovário, de útero e de intestino diminuem, entre outros benefícios”, explica a doutora Cristina Aparecida Falbo Guazzelli, ginecologista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Seus benefícios são muito maiores que os malefícios. A paciente que não quer usar esses tipos de anticoncepcionais tem esse direito, mas deve ficar sabendo que não vai ter todos os benefícios. Se ela tem ideia das coisas boas e ruins de cada opção, vai conseguir fazer uma escolha mais saudável”.

Em suma, de acordo com organizações médicas (incluindo a própria Organização Mundial da Saúde, OMS), a pílula e os demais métodos com hormônios combinados não apresentam riscos maiores que seus benefícios. No entanto, nem mesmo isso quer dizer que todas as mulheres precisam utilizá-los.”Seguir a manada” e fazer o que a maioria faz é extremamente prejudicial quando o assunto é saúde, já que cada organismo funciona de forma diferente. Em outros países, com outras culturas, contraceptivos que não possuem hormônios combinados e que são de longa duração são muito mais utilizados que aqui. A brasileira precisa saber que há muitos outros métodos disponíveis, com benefícios e riscos variáveis dependendo da mulher.

Veja mais

Sair da versão mobile