Por que injeções doem?

Diferença entre pH (nível de acidez) do organismo e da solução aplicada é um dos principais motivos, mas há mais fatores. Entenda por que as injeções doem.

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Publicado em: 16 de setembro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Diferença entre o pH (nível de acidez) do organismo e o da vacina é a explicação de por que as injeções doem.

 

Uma noite, a analista de Recursos Humanos Otávia Mônaco, de 28 anos, começou a sentir uma sensação incômoda na garganta, como se a saliva arranhasse a mucosa toda vez que engolia. Ela acreditou que se tratava de um sintoma passageiro que seria facilmente resolvido com pastilha de menta.

Apesar de amenizar o desconforto naquele momento, as pastilhas não foram suficientes para combater a progressão dos sintomas que ela começou a sentir ao longo da madrugada: febre alta, desconforto intenso na garganta e dores musculares. No dia seguinte, até tentou trabalhar, mas os sintomas ficaram mais fortes. Foi quando decidiu ir para o hospital.

 

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Após ser examinada, saiu o diagnóstico: amidalite. O médico lhe ofereceu duas opções: ou tomava injeção de benzilpenicilina benzatina (antibiótico) administrada com dipirona e anti-inflamatório, ou dez dias de antibiótico por via oral associado com outros dois medicamentos. A diferença seria o tempo que demoraria para Otávia se sentir melhor. Os medicamentos injetáveis têm efeito mais rápido, já que caem quase imediatamente na corrente sanguínea, ao contrário dos comprimidos, que precisam dissolver no estômago e ser absorvidos pelo intestino delgado, para que só então caiam no sangue e façam efeito, o que leva cerca de 30 minutos.

A benzilpenicilina é uma injeção em forma de depósito, ou seja, misturado no líquido, contém um pó medicamentoso que é absorvido aos poucos pelos músculos (local em que é aplicada) até que a terapia seja concluída. A professora Vladi Olga Consiglieri, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, explica que essa é a forma mais prática e barata de tratamento com antibiótico. “A pessoa não precisar administrar medicamento todos os dias e não corre o risco de esquecer, o que pode atrapalhar a terapia e até tornar a bactéria mais resistente”, diz Consiglieri.

A falta de disciplina para tomar remédios fez com que Otávia não pensasse duas vezes e optasse pela injeção. “Era a escolha mais fácil, mas o arrependimento veio depois que tomei. Comecei a sentir dor aguda e muito ardor no local. Essa sensação foi se alastrando, como se o líquido oleoso precisasse arranhar o músculo por dentro para passar”, relembra a analista.

 

Por que injeções doem?

 

É fato: em geral, as injeções costumam doer. Intuitivamente, muitos pensam que a dor está relacionada à viscosidade do líquido, como Otávia, que descreve a dor atribuindo-a a um líquido oleoso. Na verdade, o desconforto causado por todas as injeções, inclusive vacinas, vem da diferença entre sua composição e o tipo de substância a que o organismo está habituado.

“O corpo tem um pH (medida do nível de acidez) que varia entre 7,2 e 7,4 (índice levemente básico). Geralmente os fármacos são mais ácidos (índice abaixo de 6) que isso. Até o pH do organismo neutralizar o outro diferente que chegou ali demora um tempo, o que pode acarretar sensação de dor e queimação. Quando a vacina é intramuscular acaba doendo mais, já que nos músculos há pouca água, o que dificulta a neutralização”, explica Consiglieri.

Infelizmente, não há como alinhar os dois pHs, mesmo com toda tecnologia utilizada nas vacinas. Por mais que durante o desenvolvimento da injeção haja preocupação em manter o pH próximo ao do corpo, chega um momento em que não há como seguir adiante. “Para evitar a decomposição do produto, o farmacêutico é obrigado a baixar o pH. Primeiro, são tirados os metais das substâncias, aplicados antioxidantes e agentes estabilizantes, mas tem um hora em que não há mais o que fazer a não ser mexer no pH”, explica Consiglieri.

Otávia chegou a achar que a dor fosse por conta da agulha, mas o incômodo permaneceu mesmo quando ela foi retirada. “É impressionante. Você acha que a agulha está lá, mas não, o que dói mesmo é o líquido que fica ali”, ressalta.

No caso da benzilpenicilina, há outro fator além do pH do líquido. A gerente médica dra. Maria das Graças Dantas explica que a vacina é composta de penicilina benzatina, um sal pesado que mesmo diluído é capaz de romper as fibras musculares, irritando o local em que foi aplicado (geralmente nos glúteos). “A benzilpenicilina não é muito solúvel exatamente por conta da sua forma de depósito. Ela fica concentrada naquela região que foi aplicada, deixando-a dolorida por alguns dias, depois vai se dissolvendo lentamente”, explica Dantas.

Outro motivo que torna as injeções dolorosas é que a pressão osmótica (força que o líquido aplica para atravessar as membranas do organismo) da solução injetada é maior que a dos fluidos biológicos do organismo. “A pressão é maior porque todo medicamento precisa romper as barreiras de proteção do organismo, que são feitas geralmente por membranas, para alcançar a corrente sanguínea. Por isso, quanto maior o volume de medicamento, maior a pressão sobre os músculos para penetrar nessas membranas”, explica Consiglieri.

Mas não há como negar a eficiência das injeções. Elas agem muito mais rápido que qualquer outra terapia, por isso são as maiores aliadas no tratamento de urgências e de casos mais graves. “A injeção levou dois dias pra fazer efeito por completo, mas em 24h apresentei melhora e consegui voltar ao trabalho já no dia seguinte”, lembra Otávia.

Apesar de haver várias terapias disponíveis, a benzilpenicilina é a mais indicada em caso de infecções como sífilis, doenças reumáticas e amidalite bacteriana. Anualmente, são vendidas 155 mil ampolas nas farmácias e drogarias do país, e mais de 225 mil são usadas nos hospitais brasileiros.

 

Tipos de injeções

 

Por mais que causem a mesma sensação de dor e ardor quando são aplicadas, as injeções não são iguais. Existem três tipos, que devem ser injetados em lugares específicos: as intradérmicas, as subcutâneas e as intramusculares.

As intradérmicas são aplicadas na derme. A agulha não entra em camadas profundas, fica quase rente à pele. Por ser uma região extremamente delicada, o maior número de acidentes pérfuro-cortantes durante a vacinação ocorre com esse tipo. Um exemplo de vacina intradérmica é a BCG.

Já as subcutâneas são aplicadas na hipoderme, camada mais profunda da pele. Alguns medicamentos e substâncias, como insulina, adrenalina, vacinas contra o saramporubéolafebre amarela e a vacina tríplice viral, costumam ser administrados dessa forma.

A intramuscular é a via apropriada para soluções mais irritantes, pois essa região tem menos sensibilidade que outras partes do corpo em que as vacinas são geralmente aplicadas. Como atinge camadas ainda mais profundas, essa injeção é usada quando há necessidade de rápida absorção. A DTP (vacina tríplice bacteriana) e a vacina contra a hepatite B são exemplos de injeções aplicadas nos músculos.

 

Tamanho da agulha

 

As agulhas com espessura mais fina causam menos dor, mas não podem ser escolhidas para qualquer tipo injeção. “Depende do tecido que você quer alcançar. Para injeção intradérmica e subcutânea, a agulha deve ser fina, pois vai atingir  uma região superficial. Já nas intramusculares a agulha precisa ser mais grossa para chegar à musculatura”, explica Consiglieri.

Além disso, existe um volume máximo de medicamento que pode ser administrado em cada tecido: as intradérmicas não podem passar de 0,1 ml; as subcutâneas devem ter volume máximo de 1,5 ml; e as intramusculares podem conter dose maior, variando entre 5 e 10 ml.

 

Nas nádegas ou no braços?

 

A escolha do local em que a injeção vai ser aplicada também não é baseada na preferência do paciente. O que determina é a quantidade de medicamento que vai ser administrado e o tipo de injeção.

As intradérmicas são aplicadas no braço, pois a pequena quantidade medicamentosa não precisa de grandes áreas para se dissolver. Já as subcutâneas podem ser aplicadas no braço, antebraço e coxa. As intramusculares devem ser aplicadas nas nádegas ou nas coxas, regiões com mais tecido muscular e mais espaço para que o medicamento se espalhe.

A técnica de enfermagem Maria Mere Rodrigues lembra de um detalhe extremamente importante: bebês com menos de 3 anos não devem tomar injeções e nem vacinas nas nádegas, apenas nos braços e nas pernas. “Nessa faixa etária, o nervo ciático pode ser atingido e a criança corre até risco de ficar paraplégica”, explica.

 

Velocidade da aplicação

 

A habilidade e experiência do aplicador também pode interferir. Cada medicamento tem uma indicação de como deve ser aplicado. Alguns precisam ser injetados de forma lenta, outros mais rapidamente. Se a orientação não for seguida, pode haver mais dor. “As injeções com maior pressão osmótica devem ser aplicadas lentamente, pois podem lesionar as paredes dos vasos devido ao pH diferente. Como o sangue naturalmente tem um sistema tampão (que diminui a variação do pH, mantendo-o quase constante), ele consegue se adaptar aos poucos e diminuir o impacto do pH ácido, mas para isso a vacina tem que ser aplicada lentamente, para o corpo ir se acostumando”, explica Consiglieri.

No caso da  benzilpenicilina benzatina, Dantas ressalta que o tempo total de aplicação é de, aproximadamente, 10 segundos, para evitar cristalização dos sais presentes na vacina.

 

Como aliviar a dor

 

A ação, quase que mecânica, de massagear a região em que foi aplicada a injeção tem fundamentos que vão além das crendices populares. A técnica de enfermagem explica que a massagem auxilia o líquido da injeção ou da vacina a se espalhar mais rapidamente pelo corpo, aliviando a sensação de queimação. “Outra técnica que pode ser usada é fazer compressa de água quente, que também ajuda a alastrar a vacina e aliviar a dor”, ensina.

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