Portadores de doenças raras sofrem com falta de profissionais preparados

Dificuldade para realizar o diagnóstico correto e para ter acesso ao tratamento adequado são alguns dos obstáculos de quem tem alguma doença rara.

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Publicado em: 14 de março de 2018

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Doenças raras são aquelas que têm baixa prevalência (menor que 65 casos em 100 mil habitantes). Conheça os problemas enfrentados pelos portadores de alguma condição rara.

 

Quem tem uma doença rara (doenças cuja prevalência seja menor que 65 casos em 100 mil habitantes) no Brasil precisa enfrentar muitos problemas, entre eles a dificuldade em receber um diagnóstico correto, graças ao despreparo de profissionais de saúde que não têm familiaridade com essas doenças, e em conseguir o tratamento adequado.

A dra. Ana Maria Martins, geneticista do Instituto de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (IGEIM), afirma que os estudantes da grande maioria das faculdades de medicina do Brasil dificilmente entram em contato com o assunto, pois não há sequer uma disciplina específica sobre o tema durante o curso. “O que vemos por aí são profissionais que não conseguem fazer o diagnóstico correto.”

A médica explica que as doenças raras de cunho genético, na maioria das vezes, são causadas por erros inatos do metabolismo (EIM), um “defeito” genético que torna o organismo incapaz de degradar, sintetizar, transportar ou armazenar determinada molécula.

 

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As manifestações clínicas das doenças raras costumam ocorrer logo após o nascimento e até os dez anos de idade. O problema, na verdade, é que essas doenças acometem vários órgãos e sistemas ao mesmo tempo e seus sintomas em geral são muito parecidos com os de outras enfermidades, dificultando ainda mais o diagnóstico.

Algumas doenças, como a de von Gierke, que impede o organismo de armazenar glicogênio para depois liberar glicose (usada como fonte de energia primária pelo organismo) e afeta 1 em cada 3 milhões de indivíduos, exigem dietas restritas rigorosas pelo resto da vida.

Há condições que, por serem raras, passam despercebidas pelos médicos generalistas, mas são muito características e perceptíveis para o médico geneticista.

A dra. Martins relata ainda diversos casos encontrados na prática clínica que servem para ilustrar a odisseia pela qual passam esses pacientes, como o de uma mãe cujo filho pequeno sentia dores fortíssimas nas mãos e nos pés, associada à queimação, e que precisou passar por vários médicos e exames desnecessários para, depois de muito tempo, receber o diagnóstico correto de doença de Fabry.  

Diagnóstico de doenças raras pode levar anos

 

Um paciente com uma doença rara pode esperar cinco, dez anos para receber o diagnóstico correto, isso no cenário mais otimista.  “O problema desses pacientes é que, muitas vezes, eles procuram especialistas diferentes. Se sentem dor nas costas, procuram um ortopedista, por exemplo. Assim, cada médico cuida de um sintoma, o que torna mais difícil concluir o diagnóstico”, diz a dra. Dafne Horovitz, geneticista do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz (IFF/Fundação Oswaldo Cruz) .

Nos Estados Unidos, ⅔ dos diagnósticos são feitos pelo site dinamarquês “Find Zebra”, que possui um rico banco de dados (com mais de 30 mil artigos científicos) e um espaço para os médicos escreverem sobre os sintomas. A página de busca do Google aparece em segundo lugar como fonte de consultas. “É importante que os médicos discutam entre eles, perguntem e se informem para diminuir o risco de esses pacientes perambularem de consultório em consultório, sem um diagnóstico”, enfatiza a dra. Martins.

Para a dra. Horovitz, muitas vezes diagnosticar doenças raras requer que os profissionais escutem com calma o paciente. É importante ouvi-los para que aspectos físicos e comportamentais sejam considerados e, assim, seja possível montar sua história clínica, como se fosse um jogo de quebra-cabeças.

Há condições que, por serem raras, passam despercebidas pelos médicos generalistas, mas são muito características e perceptíveis para o médico geneticista“, afirma a dra. Horovitz.

Ela cita como exemplo um paciente com síndrome de Williams, uma desordem genética do cromossomo 7 que atinge crianças de ambos os sexos e que pode levar a problemas de desenvolvimento. Pessoas com essa síndrome possuem algumas características físicas e comportamentais, como lábios volumosos, íris (parte colorida dos olhos) azul ou verde, mesmo que não tenham parentes com olhos dessas cores, e estrelada e dentes pequenos. Entre as características comportais, destacam-se o riso frequente e a habilidade para música e ritmos. “E são muito falantes também. Então só de abrir a porta do consultório e ver um paciente com a síndrome eu já consigo fazer uma suposição. Mas eu preciso que esses pacientes cheguem até mim”, explica.

Depois do longo percurso para conseguir um diagnóstico, inicia-se a busca pelo tratamento, embora 95% das doenças raras não tenham tratamento específico. Das 5% que podem ser tratadas, várias necessitam de medicamentos órfãos (remédios destinados à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças raras e que, por isso, despertam pouco interesse na indústria farmacêutica e são muito caros) e não são atendidas por políticas públicas.  “O tratamento de doenças raras em geral engloba várias modalidades, que vão desde medicamentos específicos a dietas restritas”, diz Dafne. 

Desde o diagnóstico até o tratamento, a jornada contra o tempo de quem tem doenças raras não só é longa como cheia de percalços e preconceitos. Por isso, a disseminação de informação é uma ferramenta fundamental não só em direção a um diagnóstico precoce e assertivo, como para que haja a desconstrução de mitos em relação a essas doenças.

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