Estudos mostram que varicocele, processos infecciosos e disfunções hormonais são praticamente as únicas causas reversíveis da infertilidade masculina.
* Edição revista e atualizada.
Estatísticas mundiais a respeito da infertilidade mostram que mais ou menos 15% dos casais que desejam engravidar apresentam algum tipo de infertilidade. Durante muito tempo, os empecilhos eram todos atribuídos às mulheres e só recentemente passaram a fazer parte do universo masculino. Talvez seja essa a razão de se saber tão pouco sobre a infertilidade no homem. Por isso, atualmente, a conduta é encaminhar o casal para avaliação. A dificuldade pode estar tanto num quanto no outro, ou nos dois parceiros.
Estudos mostram que varicocele, processos infecciosos e disfunções hormonais são praticamente as únicas causas reversíveis da infertilidade masculina. Ninguém sabe como aumentar o número e a qualidade dos espermatozoides, nem sabe explicar os casos de infertilidade idiopática ou de infertilidade sem causa aparente, pois, apesar de homem e mulher preencherem totalmente as condições necessárias para a gravidez, ela pode não acontecer. Outra constatação indiscutível é que os anabolizantes podem acabar com a produção dos espermatozoides, e maconha, cocaína e álcool comprometem sua qualidade.
Infertilidade masculina não significa a impossibilidade definitiva de ter filhos, depois que surgiram a inseminação artificial e a fertilização in vitro. Diagnóstico bem feito é fundamental para a escolha do método mais indicado para superar essa dificuldade.
AVALIAÇÃO INICIAL
Drauzio – Qual é o primeiro passo a dar quando um casal procura o médico porque há dois anos está tentando sem sucesso uma gravidez?
Sidney Glina – Nesses casos, é importante lembrar que o problema é do casal. O ideal, portanto, é que a mulher seja investigada pelo ginecologista e o homem, pelo urologista.
A avaliação começa pelo levantamento da história para verificar se o casal mantém relações sexuais regularmente. Sabe-se que para conseguir a gravidez é preciso que elas aconteçam, em média, três vezes por semana em dias alternados. Não resolve ter três relações no domingo, porque o período ovulatório da mulher não ocorre apenas nos fins de semana.
Depois, procura-se identificar algum possível problema que esteja atrapalhando a gravidez, como dificuldade de ereção e para ejacular, e pede-se um espermograma, para determinar a quantidade e a qualidade dos espermatozoides ejaculados.
Drauzio – Para que a gravidez ocorra, em que período a mulher que ovula no 14º dia depois do início da menstruação, o casal deve manter relações?
Sidney Glina – O ideal para uma boa cobertura do período ovulatório é que tenha relações no 10º, 12º, 14º, 16º e 18º dia, ou seja, dia sim, dia não, começando no 10º dia e indo até o 18º.
Há quem pergunte se não pode ser todos os dias. Pode. O problema é que, quando o casal recebe a ordem para ter relações sexuais todos os dias, elas se tornam uma obrigação, que interfere no prazer.
ESPERMOGRAMA
Drauzio – Que tipo de informação o médico procura obter com a análise do espermograma?
Sidney Glina – A primeira informação é a respeito do número de espermatozoides que o homem ejacula. Segundo os últimos dados da Organização Mundial da Saúde 15 milhões de espermatozoides por mililitro de esperma e que 42% deles sejam móveis, isto é, que tenham a capacidade de sair da vagina e chegar à trompa para encontrar o óvulo. Pelo menos, é isso que ocorre em cerca dos 95% dos homens que são férteis.
Drauzio – Qual é o volume normal de esperma em cada ejaculação?
Sidney Glina – Varia entre 1,5 ml e 5 ml.
Drauzio – Vamos imaginar um homem que ejacule, em média, 3ml e produza 20 milhões de espermatozoides por mililitro. Não bastaria que produzisse um milhão para engravidar a parceira?
Sidney Glina – Na verdade, bastaria um, mas parece que eles precisam trabalhar em grupo para que alguns cheguem à tuba uterina e um deles fertilize o óvulo.
De qualquer forma, 15 milhões não é um número absoluto. Muitos homens com número menor de espermatozoides conseguem engravidar a mulher, se ela for jovem e tiver boa fertilidade, o que seguramente compensa a deficiência masculina. Como depois dos 35 anos, a fertilidade feminina começa a cair, aí, sim, o homem tem de produzir espermatozoides em quantidade e qualidade adequadas.
Drauzio – À medida que passa o tempo, a mulher vai se tornando menos fértil. Com o homem acontece a mesma coisa?
Sidney Glina – Não acontece. A mulher nasce com a quantidade exata de óvulos que utilizará durante a vida. Ela chega à menopausa, porque a produção de óvulos esgotou. Já o homem começa a produzir espermatozoides na puberdade e continua produzindo até morrer.
É óbvio que algumas doenças e o uso de certos medicamentos podem atrapalhar, mas um homem com saúde tem todas as condições de continuar fértil aos 85 anos. Recentemente, surgiram trabalhos a respeito de alterações genéticas nos espermatozoides dos homens mais velhos, mas isso não impede que tenham filhos saudáveis. Há muitos exemplos no mundo de homens com 80, 85 anos que tiveram filhos com mulheres mais jovens.
PRODUÇÃO DE ESPERMATOZOIDES
Drauzio – Qual é a relação entre os hormônios masculinos e a produção de espermatozoides?
Sidney Glina – A hipófise, uma glândula situada no cérebro, produz dois hormônios que são mandados para os testículos: o LH com a função de produzir testosterona e o FSH, com a função de estimular a produção de espermatozoides. Havendo equilíbrio na liberação desses hormônios, serão normais os espermatozoides e os níveis de testosterona.
Sabe-se que a existência do FSH é fundamental para a produção de espermatozoides, mas não se sabe como nem onde funciona esse hormônio dentro dos testículos. Essa é a razão de existirem tão poucos tratamentos para a infertilidade masculina. É possível estimular os ovários da mulher para produzirem mais óvulos, mas nada pode ser feito para aumentar a produção de espermatozoides.
Por isso, até os anos 1990, o tratamento da infertilidade masculina era bastante empírico, sem base científica. Foi a partir dessa década, com a possibilidade da fertilização in vitro e do bebê de proveta, que mudou a maneira de abordar o problema dos casais que querem ter um filho e não conseguem.
CAUSAS
Drauzio – É incrível a diferença entre as fisiologias sexuais masculina e feminina. A mulher responde ao tratamento e produz uma quantidade grande de óvulos. No que se refere aos homens, nem sequer se conhece uma forma de aumentar o número de espermatozoides.
Sidney Glina – Muitas vezes, o marido me pergunta como os ginecologistas podem fazer a mulher produzir vários óvulos e eu nada consigo fazer para aumentar o número de espermatozoides. O fato é que até hoje os urologistas não sabem como interferir na fisiologia testicular. A única terapêutica de que dispõem para melhorar a produção de espermatozoides é administrar os hormônios LH e FSH, se o problema estiver na hipófise.
Acontece que, apesar de produzirem espermatozoides em quantidade insuficiente e de qualidade inadequada para a gravidez, a maioria dos homens não tem alteração hormonal, nem infecções, nem varicocele. São essas as três causas conhecidas de infertilidade masculina que permitem reverter o quadro.
Quando não se sabe por que o homem é infértil, dizemos que é portador de infertilidade idiopática e só a reprodução assistida, seja por inseminação, seja por fertilização in vitro, possibilitará a gravidez.
Drauzio – A primeira causa de infertilidade masculina é a baixa produção ou a produção inadequada de espermatozoides. Outra causa possível é a disfunção hormonal. Existem outras causas?
Sidney Glina – Além dessas, as mais frequentes são a varicocele e os processos inflamatórios. Quadros de disfunção hormonal, varicocele e processos inflamatórios, conseguimos reverter com tratamento.
Drauzio – Por que a varicocele interfere na fertilidade masculina?
Sidney Glina – Varicocele são varizes que aparecem no cordão espermático e podem atrapalhar a produção de espermatozoides. Essas varizes fazem com que a pressão testicular e a temperatura intratesticular aumentem. Entretanto, 60% dos portadores da doença não apresentam nenhuma alteração da fertilidade. Os outros 40%, em geral, são inférteis.
Drauzio – Como explicar, então, que homens com espermatozoides em quantidade normal e boa mobilidade e mulheres sem obstrução nas trompas ou qualquer outra barreira anatômica não consigam ter filhos?
Sidney Glina – Você está se referindo a um fenômeno raro que chamamos de infertilidade sem causa aparente. Os dois parceiros são absolutamente normais, mantêm relações no período adequado e não conseguem ter filhos, provavelmente, porque algum fator desconhecido interfere na interação dos dois gametas, ou seja, impede a fertilização quando o óvulo e o espermatozoide se encontram. É possível, ainda, que o espermatozoide fertilize o óvulo, mas o embrião não consiga fixar-se no útero. Em geral, essas situações são mais frequentes nas mulheres acima de 35 anos.
SUBSTÂNCIAS PREJUDICIAIS
Drauzio – Algum tipo de medicamento pode diminuir o número de espermatozoides?
Sidney Glina – Os anabolizantes têm esse efeito. Sua ação é parecida com a da testosterona em doses altas, uma vez que ambos bloqueiam o funcionamento da hipófise e, consequentemente, a produção de espermatozoides nos testículos. Em 20% dos casos, esse bloqueio é definitivo, irreversível.
Há também um medicamento muito usado para combater a queda de cabelo – a finasterida – que provoca diminuição do número de espermatozoides, principalmente naqueles que têm fatores de risco associados, como obesidade e varicocele, por exemplo, mas é um efeito colateral reversível.
Drauzio – Atualmente, é grande o número de jovens que tomam anabolizantes nas academias, às vezes em doses altíssimas. Fazem isso sem se importar com a redução no número de espermatozoides e a infertilidade.
Sidney Glina – Durante o uso dos anabolizantes, todos têm queda na produção de espermatozoides. Em 20%, o quadro é irreversível, porque acaba condicionando um ambiente intratesticular que leva à fibrose do testículo e interrompe definitivamente a produção de espermatozoides. Apesar de o risco ser enorme, aos 18 anos o jovem não está muito preocupado com os filhos que quer ter quando tiver 30 anos.
Drauzio – Enquanto tomavam anabolizantes, eles realmente sabiam que isso poderia acontecer?
Sidney Glina – Alguns até sabiam, mas reagiram com leviandade: “Tenho 16 anos. Meu treinador disse que, se eu tomar hormônio de cavalo, vou ficar mais forte e mais bonito. Não estou muito preocupado agora com o que possa acontecer, quando eu tiver 32 anos”.
Drauzio – Você nota que o número de pessoas que tomam anabolizantes está aumentando?
Sidney Glina – Sem dúvida, aumentou o número de homens que tomam anabolizantes ou, pelo menos, que dizem ter tomado. Quando lhes faço essa pergunta, a resposta-padrão é: “Já usei, mas não uso mais”. O fato é que todos os meses recebo pacientes com alteração de espermograma e história de uso de anabolizantes.
Drauzio – Existe alguma maneira de proteger os testículos enquanto o indivíduo toma anabolizantes?
Sidney Glina – Nada, absolutamente nada. Se a pessoa está tomando, tem de parar e esperar para ver o que acontece. Aliás, ninguém tem necessidade de tomar anabolizantes para ter massa muscular. O problema é que falta paciência para aguardar o resultado dos exercícios físicos que exigem dedicação e regularidade. Para deixar as coisas mais fáceis e mais rápidas é que muitos homens tomam remédio.
Drauzio – Além dos anabolizantes, alguma outra substância altera a produção de espermatozoides?
Sidney Glina – Maconha altera a motilidade dos espermatozoides e a cocaína, mesmo nos usuários sociais, pode provocar um comprometimento irreversível no túbulo seminífero, região do testículo onde são produzidos os espermatozoides. Vários trabalhos mostram esse efeito em animais induzidos a usar cocaína nos finais de semana.
Drauzio – O cigarro também compromete a fertilidade masculina?
Sidney Glina – Com certeza ele atrapalha a ereção e é uma das causas da disfunção erétil, mas não está provado ainda que provoque diminuição da fertilidade.
DIAGNÓSTICO E REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Drauzio – O que você diz para o homem que quer ter um filho, quando o resultado de todos os exames é normal?
Sidney Glina – Digo que ele é potencialmente fértil. Digo também que o espermograma não revela se a dificuldade para engravidar está na interação do óvulo com o espermatozoide, nem serve para diagnosticar a infertilidade sem causa aparente.
Drauzio – O que pode ser feito para reduzir o grau de infertilidade masculina?
Sidney Glina – É muito importante começar pelo diagnóstico correto. O espermograma é um exame cuja precisão depende muito de como foi feita a coleta do esperma. Muitos indivíduos ficam ansiosos na hora de colher o material, não conseguem ejacular adequadamente e o resultado dá bastante alterado. Para evitar conclusões equivocadas, pede-se que repitam o exame num laboratório que ofereça boas condições de coleta para ver se a alteração de fato existe. Se existir, torna-se necessário investigar sua causa.
Para diagnosticar a varicocele, o exame é físico. O indivíduo fica em pé, assopra a mão com força e o médico apalpa as veias que, pela própria anatomia do testículo, ficam mais dilatadas do lado esquerdo. Descartada também a presença de infecções e a disfunção hormonal, as três causas que, como dissemos, podem ser tratadas, estuda-se qual o tipo de reprodução assistida mais indicado para aquele caso. Por exemplo: a inseminação, se o espermograma revelou que existem 10 milhões de espermatozoides móveis e, provavelmente, a fertilização in vitro, quando existe um milhão.
Drauzio – Qual é a diferença entre os dois métodos?
Sidney Glina – Para a inseminação ser viável, o homem precisa ter acima de seis milhões de espermatozoides. Se assim acontece, o ginecologista estimula a ovulação da mulher e, no dia em que dois ou três óvulos estão prontos, por processo bioquímico relativamente simples, separam-se os espermatozoides férteis, que são colocados dentro do útero.
Para realizar a fertilização In vitro, a mulher precisa ser estimulada a produzir mais óvulos, em geral, dez óvulos que serão retirados no dia da ovulação. Enquanto isso, é feita a coleta dos espermatozoides, que são preparados no laboratório e, a seguir, colocados numa plaqueta junto com os óvulos. Vinte e quatro horas mais tarde, é possível avaliar se houve fertilização. Se tiver ocorrido, depois de 48 horas, os embriões são transferidos para o útero da mulher.
REAÇÃO DIANTE DA INFERTILIDADE
Drauzio – Como reagem os homens ao saber que não produzem espermatozoides em quantidade suficiente ou com a qualidade adequada para a gravidez?
Sidney Glina – O comportamento dos homens mudou um pouco. Há vinte anos, quando comecei a atuar nessa área, o homem chegava ao consultório dizendo não saber por que estava ali, se era a mulher que não conseguia engravidar. Sua reação era negar qualquer responsabilidade no problema.
Atualmente, aumentou muito o número de indivíduos que busca ajuda do médico, faz espermograma e participa do tratamento com vontade muito grande de conseguir a gravidez. De qualquer modo, quando descobrem estar com eles a causa da infertilidade, o baque é muito forte. Sentirem-se incapazes de ter um filho repercute na autoestima e na sexualidade. Muitos ficam ansiosos a tal ponto que não conseguem ter relações sexuais.
Drauzio – O número de espermatozoides é o requisito fundamental na escolha de um ou de outro método?
Sidney Glina – Quando a causa é masculina, é o número de espermatozoides: mais de 6 milhões, a inseminação é o método indicado; abaixo de 5 milhões é a fertilização in vitro.
PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL
Elisabete Batista de Oliveira – Contagem/MG — Homem com estreitamento de canal é infértil?
Sidney Glina – Se for estreitamento do canal da uretra, depende da quantidade de espermatozoides que consiga ejacular. Agora, se ele consegue urinar, também consegue ejacular. Se for estreitamento do canal deferente, o que leva espermatozoides do testículo para a uretra, ele poderá ser infértil. Dependendo do grau, o estreitamento pode funcionar como se fosse uma vasectomia.
Drauzio – Quanto maior o tempo ocorrido depois da vasectomia, maior a dificuldade de revertê-la com sucesso nos indivíduos que querem ter um filho?
Sidney Glina – A vasectomia pode ser revertida sempre. Teoricamente, é possível fazer com que, depois de 20 anos, 70%, 80% dos indivíduos que fizeram a cirurgia voltem a ejacular espermatozoides. No entanto, a fertilidade dos vasectomizados vai diminuindo com o tempo, porque os espermatozoides represados morrem e são absorvidos pela corrente sanguínea. Nesse momento, o indivíduo começa a produzir anticorpos contra os próprios espermatozoides. A reversão da vasectomia, portanto, não garante que os espermatozoides funcionem como antes.
Veja também: Entrevista sobre vasectomia
Pode-se dizer, então, que três anos depois dessa cirurgia, a fertilidade do homem cai para 70% e, quinze anos depois, para 30%.
No entanto, volta a ter importância a idade da mulher. Por exemplo, minha experiência mostra que, em média, oito anos transcorridos entre a vasectomia e a reversão, o índice de gravidezes é de 70%, se a mulher for mais jovem.
Como a tendência do homem brasileiro, quando se separa, é casar-se com mulher por volta dos 24, 25 anos, ela compensa a subfertilidade masculina. Por isso, sempre discuto que a reversão da vasectomia deve levar em consideração a idade da parceira.
Alexandre Basílio Vasconcelos – Taubaté/SP – Qual é a relação entre uso de álcool e nicotina?
Sidney Glina – Não temos nenhuma prova de que a nicotina afete a fertilidade. O álcool, porém, em maior quantidade pode provocar problemas hepáticos, diminuir a produção testosterona e, consequente, tornar mais difícil a gravidez. Além disso, pode levar à neuropatia, isto é, a uma lesão das terminações nervosas que altera o volume do líquido espermático eliminado na ejaculação, comprometendo a fertilização.