HPV (papilomavírus humano) | Entrevista

Muitas mulheres, quando recebem o diagnóstico ficam assustadas imaginando que vão ter câncer. Saiba mais sobre as características do HPV nesta entrevista.

Dra. Maricy Tacla é médica ginecologista, professora do Departamento de Ginecologia do Hospital das Clínicas de São Paulo e trabalha no Laboratório Fleury de São Paulo. postou em Entrevistas

Representações digitais de vírus do HPV em corrente sanguínea.

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Publicado em: 17 de novembro de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Muitas mulheres, quando recebem o diagnóstico de HPV (papilomavírus humano), ficam assustadas, imaginando que vão, necessariamente, ter câncer, o que não é verdade. Veja aqui entrevista sobre características do HPV.

 

O HPV, vírus do papilom,a pode ser responsável por vários problemas no corpo humano. Essas verrugas comuns que acometem as crianças, por exemplo, são provocadas por ele que também pode instalar-se nas cordas vocais e provocar o aparecimento de papilomas que causam um quadro de rouquidão progressiva exigindo, às vezes, intervenção cirúrgica para a sua retirada.

Do ponto de vista humano, porém, a doença mais importante provocada pelo papilomavírus são as infecções genitais, porque esse micro-organismo é transmitido predominantemente por via sexual. As características anatômicas dos órgãos sexuais masculinos permitem que as lesões sejam mais facilmente reconhecíveis. Nas mulheres, porém, elas podem espalhar-se por todo o trato genital e alcançar o colo do útero, uma vez que, na maior parte dos casos, só são diagnosticáveis por exames especializados.

Quando o papilomavírus entra em contato com o aparelho reprodutivo humano, as reações são diversas. A mais comum é a pessoa infectar-se e nunca desenvolver qualquer patologia, pois elimina o vírus espontaneamente.

Em situações um pouco mais sérias, especialmente nas mulheres, o HPV pode provocar uma alteração discreta, perceptível apenas no exame de Papanicolaou, um teste de rotina para controle ginecológico. Se as alterações forem mais graves, as células atingidas pelo vírus começam a ficar bizarras indicando que não se trata de uma infecção simples. Alguns desses casos, felizmente muito poucos, acabam evoluindo para um comportamento mais agressivo. As células perdem os controles naturais sobre o processo de multiplicação, invadem os tecidos vizinhos, formando um tumor maligno: o câncer do colo do útero.

Muitas mulheres, quando recebem o diagnóstico de papilomavírus, ficam assustadíssimas, imaginando que vão ter esse tipo de câncer, o que não é verdade. Apenas um pequeno grupo corre o risco de desenvolver essa doença maligna.

 

TRANSMISSÃO DO PAPILOMAVÍRUS HUMANO

 

Drauzio – Existe uma estimativa sobre quantas mulheres poderiam estar infectadas pelo papilomavírus atualmente?

Maricy Tacla – Considero importante divulgar alguns dados sobre esse tema polêmico para não assustar as pessoas nem minimizar a importância da infecção. Do ponto de vista epidemiológico, a Organização Mundial de Saúde fala que até 40% das mulheres sexualmente ativas podem estar infectadas pelo HPV no trato genital e é bom lembrar que os homens não estão livres do problema. Esse número pode perecer assustador, se considerarmos que, em cada dez mulheres, quatro estariam infectadas. No entanto, é preciso ressaltar que esse índice diz apenas que 40% das mulheres tiveram contato com o papilomavírus. Não quer dizer, porém, que todas vão evoluir para um quadro de câncer.

A importância desse dado reside no fato de que a presença do vírus vem sendo relacionada, como fator etiológico (causal), ao desenvolvimento de câncer do trato genital inferior, isto é, do colo uterino, vagina, vulva e ânus.

 

Drauzio – Como se processa a transmissão do HPV?

Maricy Tacla — A principal via de transmissão é a sexual. Não se pode afirmar categoricamente que seja a exclusiva, mas ninguém duvida de que seja a predominante. Existe também a possibilidade de transmissão vertical, ou seja, a transmissão da mãe para o feto durante a gravidez ou da mãe para o recém-nascido através do canal de parto, o que justificaria a eventual contaminação das cordas vocais da criança no futuro.

Não se descartam, ainda, a autoinoculação – a própria pessoa contamina seus genitais quando manipula lesões localizadas em outras regiões do corpo – e a inoculação através de toalhas ou objetos alheios que poderiam albergar o vírus e infectar quem os usasse inadequadamente.

 

Drauzio – Relações orogenitais pode transmitir o vírus?

Maricy Tacla – Podem, uma vez que as mucosas são muito suscetíveis à contaminação. Estudos epidemiológicos reconhecem que o papilomavírus humano (HPV) constitui um grupo formado por mais de 100 tipos diferentes. Alguns contaminam com facilidade a pele, as mãos, os pés. Outros contaminam preferencialmente as mucosas, por isso o ginecologista deve estar atento à parte oral das pacientes, porque sexo oral pode transmitir o HPV.

 

CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO HPV

 

Drauzio – Verrugas são comuns em crianças. Que precauções as mães devem tomar quando elas aparecem em seus filhos?

Maricy Tacla – Geralmente as verrugas que aparecem nas crianças não têm implicação com o desenvolvimento de lesões genitais. Conforme já foi dito, o papilomavírus humano é constituído por diversos tipos, que se diferenciam pela estrutura genética e têm atração por determinados tecidos. A probabilidade daqueles que contaminam a pele e provocam o aparecimento de pequenas verrugas nas crianças serem os mesmos que atacam os genitais existe, mas é muito pequena. Em geral, os tipos de vírus que provocam o aparecimento de verrugas genitais na mulher qualificam-se como os mais benignos e dificilmente estão relacionados com os carcinomas.

 

Drauzio – Esse conceito é muito importante. Paradoxalmente, os vírus que provocam verrugas genitais são os que menos evoluem para câncer.

Maricy Tacla – Geralmente, esses são os mais benignos. Recentemente, foi publicado um trabalho no New England Journal of Medicine que demonstrou estar correta a classificação dos vírus em oncogênicos, isto é, que promovem o câncer, e pouco oncogênicos ou mais benignos. Esse estudo demonstrou epidemiologicamente que não só determinados tipos de vírus são encontrados nos casos de câncer como também a persistência da infecção causada por eles aumenta o risco de uma pessoa desenvolver a doença. Por isso, é preciso estar atento para os tipos de HPV que não costumam provocar o aparecimento de verrugas e que podem passar despercebidos num exame clínico macroscópico.

Muitas vezes, eles só são detectados por exames específicos, como o de Papanicolaou que a mulher deve fazer rotineiramente.

 

DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO

 

Drauzio – Quando existe uma verruga nos genitais, o diagnóstico fica fácil, mas nem sempre essa lesão existe ou é visível. Nesse caso, como saber se aquela mulher com vida sexual ativa está infectada pelo HPV, uma vez que 40% delas podem estar contaminadas?

Maricy Tacla – Existem muitos meios para se estabelecer um diagnóstico. Os mais simples e fáceis de realizar e que dão bons resultados são o Papanicolaou e a colposcopia.

Na verdade, o vírus não é reconhecido diretamente por sua imagem. Na colposcopia, o médico procura observar através de lentes que aumentam o campo de visão o resultado da ação do vírus na célula. Muitas vezes, a verruga pode ser muito pequena ou estar localizada internamente e ser inacessível aos olhos da paciente. Por isso, esses exames de prevenção devem ser realizados rotineiramente.

 

Veja também: Vacina contra HPV

 

Drauzio – O exame de prevenção deve ser realizado de quanto em quanto tempo e a partir de que idade?

Maricy Tacla – Existe controvérsia a respeito. Não é a idade que regula a indicação do exame. A mulher deve fazer esses exames a partir do momento em que inicia a vida sexual. Ela pode ter 12, 15, 20 ou 30 anos, não faz diferença. Todas as mulheres devem procurar o ginecologista, seja no posto de saúde ou nos consultórios, assim que começam a se relacionar sexualmente para um exame de rotina e fazer o teste de Papanicolaou.

Aqui no Brasil ainda está vigendo a ideia de que se deve repetir o exame anualmente. Todavia, estudos realizados nos países, ditos desenvolvidos, sugerem intervalos maiores desde que haja uma sequência anterior de exames negativos. Vou explicar melhor. A moça faz seu primeiro exame aos 20 anos e o repete no ano seguinte. Se os dois resultados forem normais, ela pode passar a fazê-lo a cada dois ou três anos.

 

Drauzio – Vamos repetir: depois de dois exames anuais, consecutivos e negativos, eles podem ser repetidos a cada dois ou três anos?

Maricy Tacla – Embora em alguns países se defenda o aumento do intervalo entre um exame e outro, não é o que se preconiza em nosso meio. Aqui vigora a ideia de que ele deve ser repetido anualmente. Na verdade, se considerarmos a população feminina do País inteiro, verificaremos que um porcentual muito grande de mulheres ainda não tem acesso a esse tipo de controle ginecológico.

 

ATENDIMENTO NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE

 

Drauzio – A rede pública tem condições de prestar esse tipo de atendimento?

Maricy Tacla — Os postos de saúde estão preparados para realizar o primeiro diagnóstico através do exame de Papanicolaou.

 

Drauzio – A moça vai ao posto de saúde e faz o exame. Se o médico notar que as células estão alteradas sugerindo a possibilidade de infecção por HPV, que conduta adota?

Maricy Tacla — A moça será encaminhada para a complementação do diagnóstico e submetida a outro exame ginecológico não invasivo. Com uma lente de aumento introduzida através de um espéculo colocado na vagina, e fazendo uso de algumas substâncias químicas que ajudam a enxergar melhor, o médico tenta localizar alguma alteração. Caso ela exista, o passo seguinte é realizar uma biópsia, ou seja, retirar um pequeno fragmento do tecido visualmente alterado e encaminhar para exame anátomopatológico, o que possibilita verificar a presença de alterações sugestivas de pré-câncer ou câncer ou se elas resultam da cicatrização normal provocada por um processo infeccioso já debelado.

 

Drauzio – Resumindo, o Papanicolaou possibilita eliminar os casos em que a pessoa não está infectada ou em que a infecção ocorreu, mas o vírus não causou problemas e a colposcopia permite analisar com mais precisão as alterações provocadas pelo HPV.

Maricy Tacla — Como ainda podem ocorrer falhas nesses exames, a superposição dos dois nos ajuda a alcançar uma segurança maior. Mesmo assim, se restarem dúvidas, existem exames mais especializados para tentar reconhecer exatamente o tipo de vírus que provocou a lesão.

 

OPÇÕES DE TRATAMENTO

 

Drauzio – A pessoa que adquire o vírus pode eliminá-lo naturalmente ou desenvolver alterações que vão desde lesões discretas e benignas até o aparecimento de lesões invasivas que caracterizam o câncer. Como deve ser orientado o tratamento a partir do momento em que é diagnosticada a infecção pelo vírus?

Maricy Tacla – É perfeita sua colocação de que o vírus pode ser eliminado espontaneamente ou pode progredir gradativamente. Se a pessoa for imunocompetente, terá maior facilidade para debelar a infecção. Muitas vezes, ela elimina o vírus e fica curada sem saber que o problema ocorreu.
Se por algum motivo estiver imunossuprimida, porque se infectou com o vírus da Aids, toma medicamentos para não rejeitar um órgão transplantado, ou é fumante, apresentará condições mais favoráveis à evolução do vírus. Por outro lado, a persistência do vírus no organismo por muitos anos (a não ser que a pessoa seja imunossuscetível, a evolução costuma ser lenta) tem importância muito grande para o desenvolvimento das doenças a ele associadas.

Quanto mais precoce o diagnóstico, maior a possibilidade de prescrever tratamentos mais conservadores. Uma lesão inicial tem mais chance de ser tratada com sucesso.

No entanto, o tratamento depende do grau da lesão, do nível de imunidade da pessoa e do tempo de evolução da doença, mas sempre se procura começar pela forma mais conservadora. Atualmente, é possível monitorar com o colposcópio como a paciente está reagindo.

O objetivo do tratamento da infecção pelo HPV é a retirada da lesão que ele causa. Lesões restritas, pequenas e superficiais podem ser tratadas só com a aplicação de um agente químico ou pela cauterização clássica. Lesões mais graves exigem eventualmente cirurgia.

Como não existem agentes antivirais específicos para combater o papilomavírus, é preciso estimular o sistema imunológico da pessoa para que ela mesma combata a infecção. Por isso, a recomendação é que pare de fumar, faça exercícios físicos e alimente-se bem.

Quanto mais precoce for o diagnóstico, menor a lesão e, consequentemente, menor a agressividade do vírus e do tratamento. Atualmente, além da cauterização química e pelo cautério clássico, existem recursos terapêuticos avançados, como o laser, por exemplo, que reconstituem com bastante integridade a região afetada.

Não há dúvida de que, nos casos em que o câncer está instalado e há invasão dos tecidos próximos, a indicação pode ser cirúrgica. Entretanto, a necessidade de cirurgias mais amplas e da aplicação de químio e/ou radioterapia é avaliada conforme o grau de agressividade e avanço da doença no corpo da pessoa.

 

MENSAGEM ÀS MULHERES INFECTADAS PELO HPV

 

Drauzio – Que tipo de mensagem você pode deixar especialmente para as jovens que ficam apavoradas quando recebem o diagnóstico de que estão infectadas pelo papilomavírus?

Maricy Tacla – A infecção na jovem é muito frequente. Ela adquire o vírus porque está iniciando a vida sexual e não teve contato anterior com ele, só que também o elimina mais facilmente depois de alguns meses. Apesar disso, precisa fazer os exames e ser tratada. Por isso, considero importante destacar que todas as mulheres, as jovens em especial, ao receberem o diagnóstico de infecção pelo HPV, devem procurar o ginecologista para tratamento, porque o problema não pode ser encarado de forma simplista. Contudo, não há motivo para pânico. O papilomavírus está relacionado com o diagnóstico de câncer. Como regra, porém, não causa essa doença, só o faz em condições especiais.

No que se refere à infecção, como pesquisadora e lidando diariamente com o problema, enxergo que vamos aprender muito observando o processo infeccioso e sua evolução nas mulheres mais jovens.

 

Drauzio – Há como bloquear a progressão da infecção para o câncer?

Maricy Tacla – Há como bloquear e o cuidado está sob responsabilidade única e exclusivamente da própria paciente que deve procurar o médico para tratamento precoce. Tal comportamento aumenta a chance de cura e de interromper a progressão da doença.

 

USO PREVENTIVO DA CAMISINHA E INFECÇÃO NOS HOMENS

 

Drauzio – Qual é a importância do uso da camisinha na prevenção da infecção pelo HPV e como se desenvolve a infecção nos homens?

Maricy Tacla – As respostas para essas perguntas estão entrelaçadas. Como já foi dito, a transmissão ocorre preferencialmente por via sexual. Portanto, o vírus tanto atinge os homens quanto as mulheres e pode ser transmitido de um parceiro para o outro. Nesse aspecto, o papel do preservativo é óbvio e inquestionável.

A infecção no homem é mais visível até por conta do aspecto anatômico dos órgãos sexuais masculinos. Apesar de menos frequente, a evolução pode caminhar para um câncer invasivo. O que se tem constatado é que, talvez por fricção ou por estarem mais expostas, as verrugas masculinas são eliminadas em proporção maior do que as femininas e que o homem desenvolve menos lesões anugenitais do que as mulheres, embora também possam tê-las. Desse modo, teoricamente, todos deveriam usar preservativo sempre para inibir a transmissão do HPV. Se as pessoas apresentam verrugas, lesões macroscópicas e eventualmente estão sendo tratadas, pelo menos nesse período devem usar camisinha. Só o médico tem condições de avaliar quando esse método de prevenção pode ser abandonado. Quando a infecção não tem importância clínica e só é detectada em exames muito especializados, o preservativo deixa de ser obrigatório.

 

Drauzio – Nessas circunstâncias, indicar ou não o uso do preservativo fica bastante complicado.

Maricy Tacla – Como é uma situação complicada, acaba-se estimulando o uso do preservativo sempre como medida de saúde e higiene até porque não é só o HPV que pode ser transmitido no contato íntimo. Além disso, no mundo de hoje, a vida sexual mais livre e a variação de parceiros implicam eventuais outros riscos e exigem maiores cuidados preventivos.

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