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Gastrite | Entrevista

Veja entrevista sobre gastrite, uma a inflamação da mucosa que reveste as paredes internas do estômago. A endoscopia é o exame que deve ser realizado para diagnosticá-la com segurança. 
Publicado em 04/10/2011
Revisado em 14/05/2021

Veja entrevista sobre gastrite, uma a inflamação da mucosa que reveste as paredes internas do estômago. A endoscopia é o exame que deve ser realizado para diagnosticá-la com segurança. 

 

Exagerar na comida é privilégio do homem moderno. Num passado nem tão distante assim, os homens podiam fazê-lo raras vezes na vida. A dificuldade em conseguir e armazenar alimentos próprios para consumo imediato impedia que se comesse muito e a qualquer momento. Não havia geladeiras, pratos entregues em domicílio, o disque-pizza, o churrasco dos domingos e a feijoada de todos os sábados.

Esses novos hábitos alimentares trouxeram consigo algumas consequências adversas. Depois de uma orgia gastronômica, é comum as pessoas se queixarem de que o fígado está reclamando. Puro engano. O fígado é um sofredor silencioso. Custam a aparecer os sintomas de seu descontentamento. Nos casos de cirrose hepática, uma doença grave, por exemplo,só na fase terminal, ele dá sinais de seu trágico padecimento. Na maior parte dos casos, o estômago é o culpado por essas sensações desagradáveis provocadas pelo descontrole na alimentação.

 

DEFINIÇÃO

 

Drauzio — O que é gastrite?

Rafael Possik — Gastrite é a inflamação da mucosa que reveste as paredes internas do estômago. Há um exame específico para diagnosticá-la com segurança: a endoscopia. Os pacientes costumam classificar qualquer dor de estômago ou mal-estar relacionado à digestão como gastrite, o que nem sempre está correto. É comum, por exemplo, a azia ser considerada um sintoma de gastrite. No entanto, às vezes, ela é sintoma do refluxo do ácido estomacal provocado por defeito no músculo que regula a passagem do esôfago para o estômago.

 

Drauzio — Como é a dor de estômago característica da gastrite?

Rafael Possik — É uma dor que começa na região epigástrica, logo abaixo do esterno, osso vertical situado na parte anterior do tórax. Na prática, as pessoas costumam queixar-se de dor na boca do estômago. Se houver complicações, porém, a dor pode irradiar-se para outros locais. Isso acontece, por exemplo, quando uma úlcera infiltra-se na parede gástrica e atinge a camada externa do estômago.

A dor da gastrite é circunscrita e pode vir acompanhada de azia ou queimação, se houver retorno do suco gástrico por defeito no esfíncter, isto é, no músculo que controla a comunicação entre esôfago e estômago. A azia pode piorar quando a pessoa se deita depois de uma refeição mais volumosa ou rica em gorduras. Nesses casos, o estômago dilata, isto é, incha um pouco, porque o piloro, músculo que regula a saída dos alimentos para o intestino, e o esfíncter se fecham para que o suco gástrico possa misturar-se aos alimentos. Estímulos hormonais comandam essa reação e, só quando a digestão atinge estágio satisfatório, o piloro permite o trânsito natural da comida para os intestinos.

 

ESTÔMAGO E DIGESTÃO

 

Drauzio – Em linhas gerais, você poderia descrever a anatomia do estômago?

Rafael Possik — Estruturalmente, o estômago assemelha-se a um saco com dois orifícios fechados por músculos: o esfíncter, localizado em sua junção com o esôfago, e o piloro entre o estômago e o intestino. Esses músculos abrem-se periodicamente para dar passagem aos alimentos e em seguida se fecham. Esse abrir e fechar provoca contrações de cima para baixo que empurram o alimento: é o movimento peristáltico característico da musculatura dos órgãos ocos.

 

Drauzio — Quais são os alimentos de digestão mais difícil?

Rafael Possik — Alimentos gordurosos são sempre de digestão mais difícil e mais lenta e, geralmente, são a principal causa dos sintomas desagradáveis da gastrite.

Além de tempo maior para seu processamento, as moléculas de gordura exigem que o estômago produza maior quantidade de ácidos. No entanto, nem sempre eles são produzidos na proporção necessária e os alimentos passam para o duodeno mal digeridos.

No duodeno, a bílis e o suco pancreático auxiliam a emulsionar os alimentos, preparando a gordura para a absorção. Quando se comeu demais ou alimentos muito gordurosos, esse preparo é insuficiente e a gordura alcança o intestino delgado sem receber o tratamento adequado. A pessoa fica sonolenta, sem disposição até para conversar, porque houve maior afluxo de sangue para atender às necessidades do aparelho digestivo e a irrigação do cérebro ficou comprometida.

Uma coisa interfere na outra. O alimento chega ao intestino mal digerido e a gordura mal preparada. Sais biliares em excesso irritam o cólon (a parte final do intestino grosso) e o intestino se dilata. Caso já exista um processo inflamatório, como diverticulite ou colite, esses alimentos mal digeridos podem provocar irritação e dor no abdômen. É uma dor diferente que se manifesta na barriga toda ou em suas laterais e não na altura da boca do estômago como a da gastrite.

 

SÍNDROME DA FEIJOADA

 

Drauzio — Vamos calcular quantas calorias podemos ingerir numa única refeição, na feijoada de sábado, por exemplo. A pessoa não se contenta com um prato e come dois ou três. Cada prato tem mais ou menos 600 calorias Três pratos, 1800 calorias. Antes, para abrir o apetite, toma duas ou três caipirinhas. Uma caipirinha com açúcar tem perto de 250 calorias. Três caipirinhas resultam em 750 calorias. Durante a refeição, para matar a sede, quatro chopes ou três latinhas de cerveja. Mais 1200 calorias. Só na feijoada e acompanhamentos, sem computar a sobremesa, somamos mais de 3000 calorias, e isso sem computar o torresminho da entrada ao qual ninguém resiste.
O fato é que o organismo não tem capacidade para digerir esse volume de alimentos nem para processar toda essa gordura que acaba indo depositar-se nas artérias.

Rafael Possik — E há outros complicadores a considerar. Em casos assim, o organismo absorve gorduras impróprias. Além disso, o álcool irrita o estômago e provoca gastrite alcoólica.

Para entender melhor, imagine o que acontece quando alguém cai e esfola a pele. Imagine como dói se colocarmos álcool sobre essa ferida. Mais ou menos a mesma coisa acontece com a mucosa do estômago que fica irritada, sofre alterações e dói ao entrar em contato com o álcool, é claro.

E gastrite não é a única reação possível do organismo. Gordura mal processada pode transformar-se em substâncias cancerígenas que atacarão o estômago e os intestinos. Teoricamente, os cítricos – não o limão da caipirinha, mas os da laranja e das verduras frescas – protegem esses órgãos. Como possuem, também, maior quantidade de fibras, facilitam o trânsito intestinal, diminuindo o tempo que tais substâncias ficam em contato com o aparelho digestivo.

Conclusão: a laranja da feijoada é saudável. Não três pratos de feijoada e dois pedacinhos de laranja, mas o contrário: mais laranja e menos feijoada.

Com isso, não estou querendo dizer que não se possa comer feijoada. É lógico que se pode, desde que não haja exagero na quantidade nem na frequência.

 

CAFÉ E GASTRITE

 

Drauzio — O café é de fato um veneno para quem tem gastrite?

Rafael Possik — Não existe comprovação científica de que café provoque gastrite ou úlcera gástrica, mas é certo que altera a motilidade do trânsito gastrintestinal. Assim como a pimenta, o café é um irritante local que aumenta a secreção ácida.

Às vezes, a dor que se associa à ingestão de determinado alimento – o café, por exemplo, – não provém de seu efeito tópico, ou seja, do efeito local que exerce, mas de contrações resultantes da irritação que provoca. No aparelho digestivo, isso ocorre com frequência. Vamos considerar a hipótese de um paciente operado sem anestesia. Ele não sentiria dor, se o cirurgião tocasse em suas alças intestinais, mas a cólica seria praticamente insuportável, se o intestino fosse dilatado ou contraído.

 

USO DE MEDICAMENTOS

 

Drauzio — É aconselhável tomar efervescentes ou bicarbonato quando  temos uma crise de gastrite?

Rafael Possik — Esses medicamentos contêm um analgésico e um antiácido. Sua ação mais importante advém do efeito analgésico e não do antiácido que bloqueia apenas parcialmente a produção excessiva dos ácidos estomacais. Como o analgésico tira a dor, é especialmente por isso que a pessoa se sente melhor.

 

Drauzio — Você receita efervescentes?

Rafael Possik — Não receito efervescentes, porque não acredito na eficácia da medicação que age só durante as crises e não ataca a verdadeira causa da doença. Se há maior produção de ácido, é necessário prescrever um medicamento que bloqueie essa produção e que deve ser tomado por período mais longo para que a irritação do estômago desapareça.

Nos casos de gastrite por excesso de alimentação, o gás carbônico contido nos comprimidos efervescentes ajuda a dilatar ainda mais o estômago. Esse aumento de pressão força o piloro que se abre prematuramente. O mal-estar diminui e a pessoa sente alívio dos sintomas. Entretanto, além do sono, a má digestão dos alimentos pode trazer problemas intestinais, como diarreias decorrentes do excesso de gordura ingerido.

 

HELICOBACTER PYLORI

 

Drauzio — Gastrite e úlcera eram consideradas doenças de pessoas ansiosas até que se descobriu existir uma bactéria associada a essas doenças. Esse talvez seja um dos exemplos mais contundentes da interpretação errada do que sejam fenômenos psicossomáticos. De certa forma, à medida que a medicina evolui, fica cada vez mais difícil estabelecer uma ligação mágica entre o psicológico e o somático.

Rafael Possik — Há cinco ou dez anos, a bactéria Helicobacter pylori foi encontrada no estômago de pacientes com gastrite ou úlcera. Não existem evidências, porém, que permitam distinguir a relação de causa de consequência, isto é, não se sabe se a bactéria é responsável pelo aparecimento dessas doenças, ou se ela encontra nos pacientes com gastrite ou úlcera ambiente ideal para seu desenvolvimento. Pode-se dizer, entretanto, que se trata de um suspeito sempre encontrado no local do crime e sobre o qual recai a desconfiança, embora não haja provas definitivas para condená-lo.

Na verdade, deve existir alguma associação entre a presença da bactéria e a úlcera gástrica. Se tratarmos apenas da úlcera sem combater o Helicobacter, a probabilidade de a doença reaparecer aumenta. No entanto, ela diminuirá bastante, se os dois tratamentos ocorrerem simultaneamente.

Atualmente, é raro uma pessoa ser operada de úlcera. Isso só acontece se houver sangramento e, mesmo assim, na maior parte das vezes, consegue-se controlá-lo por endoscopia, injetando medicamentos vasoconstritores. Nos outros casos, a medicação pode ser ministrada por via oral e os resultados obtidos são bastante satisfatórios.

 

HÁBITOS ALIMENTARES

 

Drauzio — Como deve alimentar-se uma pessoa que deseja cuidar bem do estômago?

Rafael Possik — O ritmo acelerado da vida moderna não favorece a criação de hábitos alimentares saudáveis. Todos conhecem algumas regras básicas, que ficam esquecidas por conta da correria do dia a dia.

A primeira é respeitar os horários das refeições. Separar algum tempo para café da manhã, almoço e jantar tranquilos não é luxo, é necessidade.

A segunda é mastigar bem os alimentos, já que a digestão começa na boca. No consultório, com frequência, os pacientes confessam que comem tão depressa que precisam tomar água para ajudar a engolir. Isso é péssimo para o estômago em particular e para o aparelho digestivo como um todo.

Terceira regra: dar preferência a frutas, verduras e carnes magras.

Quarta: evitar comidas muito gordurosas. Repare que digo evitar e não digo abolir. Todos podem comer o que gostam, desde que seja com moderação. A picanha coberta por uma capa de gordurinha tostada será bem-vinda de vez em quando e em porções moderadas.

Quinta: é sempre bom lembrar que quanto menos gordura, mais fácil a digestão e menor dispêndio de energia para realizá-la. Nós nos alimentamos para obter proteínas, calorias e outros nutrientes indispensáveis à vida. Não fazendo bem a digestão, deixamos de aproveitá-los ou, o que é pior, podemos produzir substâncias cancerígenas ou ateromas que irão depositar-se nas artérias.

Sexta: a refeição da noite deve ser a mais leve possível e o café da manhã, a mais caprichada. Via de regra, fazemos exatamente o contrário: engolimos, às pressas, um cafezinho ou um copo de leite pela manhã, almoçamos em pé e com os olhos presos no relógio, mas comemos bastante no jantar porque passamos o dia mal alimentados.

 

EFEITO DO FUMO

 

Drauzio — Especificamente, qual o efeito do fumo no estômago?

Rafael Possik — O cigarro tem ação deletéria sobre todos os órgãos do aparelho digestivo. Todo fumante tem gastrite e corre grande risco de desenvolver úlcera.

Fumar aumenta a produção de ácido no estômago. Isso é suficiente não só para causar irritação local, como para alterar os dentes e a mucosa oral, prejudicando a digestão que começa na boca com o mastigar dos alimentos.
Além disso, a nicotina acelera a motilidade do trânsito gastrintestinal, interferindo na absorção dos nutrientes.

Como a dependência química da nicotina é violenta, geralmente as pessoas perguntam se poderiam fumar três cigarros por dia, depois das refeições¸ quando o estômago está mais protegido. É arriscado concordar, pois dificilmente o acordo será respeitado. É quase certo que, em pouco tempo, voltarão a fumar um cigarro atrás do outro, como faziam antes.

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