A doença de Parkinson apresenta vários sintomas além do tremor das mãos, como a lentificação dos movimentos e a rigidez muscular; saiba mais na entrevista completa.
Em 1817, James Parkinson descreveu pela primeira vez uma doença neurológica que compromete os movimentos e que acabou sendo conhecida pelo nome de doença de Parkinson. Apesar de já fazer muito tempo que isso aconteceu, os leigos continuam associando essa enfermidade apenas à imagem de pessoas de mais idade que tremem muito. No entanto, além de tremores, a pessoa com Parkinson apresenta outros sintomas como lentificação dos movimentos, rigidez muscular e alterações na fala e na escrita.
A evolução natural da doença que ocorria antigamente sem que nada se pudesse fazer para interferir no processo, hoje não faz mais sentido. Tratamentos modernos aliviam os sintomas, controlam a evolução da doença e permitem manter os doentes em atividade, gozando de boa qualidade de vida.
PRINCIPAIS SINTOMAS
Drauzio – Quais são os sintomas que caracterizam a doença de Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi — Os sintomas da doença de Parkinson não são iguais em todos os pacientes. Em geral, no início, eles se apresentam de maneira lenta e insidiosa, quase tão imperceptível que fica difícil para o portador da doença, quando vai ao médico, precisar a época em que os sintomas apareceram pela primeira vez.
Entre todos, porém, o tremor é o sinal mais frequente e que mais chama a atenção. O curioso é que, embora seja o mais evidente, é o menos incapacitante. Às vezes, examinando uma pessoa com tremor intenso, verificamos que ela ainda é capaz de fazer muitas coisas na vida.
O tremor da doença de Parkinson tem certas características. É o tremor de repouso que aparece, por exemplo, quando o paciente está com os braços parados, lendo jornal, e pode desaparecer rapidamente quando realiza um movimento voluntário qualquer.
Drauzio – Quer dizer que o tremor aparece quando a pessoa está quieta e distraída e desaparece quando ela faz um movimento ou executa um trabalho?
João Carlos Papaterra Limongi – É isso mesmo, mas o tremor volta assim que ela termina o trabalho. É interessante notar que certos pacientes apresentam tremor nas mãos enquanto estão conversando conosco. Se lhe pedimos, porém, que tomem nota de alguma coisa, param de tremer, pegam lentamente a caneta e escrevem, às vezes, com letra um pouco tremida, mas escrevem. No entanto, finda essa atividade motora, o tremor retorna.
ALTERAÇÕES NA GRAFIA
Drauzio – Como fica a letra do doente com Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi – A micrografia, ou seja, a redução do volume da letra, do tamanho da caligrafia, é um dos principais sintomas da doença de Parkinson. Em certos casos, os pacientes têm problemas com o banco que não aceita mais seus cheques, porque estranha a assinatura, e eles precisam explicar que estão doentes e registrar nova assinatura para terem os cheques regularmente compensados.
Drauzio – O intrigante é que o paciente sabe que está escrevendo com letra pequena. Por que não consegue escrever com letra maior?
João Carlos Papaterra Limongi – Assim como os passos que ficam menores e a voz que se torna monótona, a micrografia decorre do segundo principal sintoma da doença de Parkinson: a acinesia. Essa palavra vem do grego e significa ausência, falta ou pobreza de movimentos físicos.
Por um distúrbio bioquímico, no parkinsoniano alguns circuitos motores passam a trabalhar de forma mais lenta e não conseguem acompanhar o ritmo da pessoa normal. Pacientes com Parkinson perdem a amplitude do movimento, a extensão de cada gesto. Isso vale também para a escrita. O A maiúsculo, por exemplo, que deveria quase alcançar a linha de cima, chega só até a metade do caminho e volta para a de baixo.
PERCEPÇÃO DOS SINTOMAS
Drauzio – Os familiares notam que a pessoa está mais lenta do que era antes?
João Carlos Papaterra Limongi – São os familiares que percebem primeiro os sintomas. O tremor nem tanto, mas a lentidão ou pobreza dos movimentos é a família que nota antes. Às vezes, a pessoa está andando ou, no caso de um atleta, correndo e mexe mais um braço do que o outro, contrariando o movimento de balanço automático próprio dos braços durante a marcha. Como Parkinson é uma doença que começa geralmente em um lado do corpo e só depois passa para o outro, é comum familiares e amigos notarem que o paciente balança só um dos braços e deixa o outro imóvel durante a caminhada ou a corrida.
Drauzio – Às vezes, ele dá um passo maior com uma perna do que dá com a outra.
João Carlos Papaterra Limongi – Isso também faz parte do quadro, mas à medida que o processo progride, os dois passos ficam igualmente pequenos. Essa marcha a pequenos passos, que os franceses gostavam de chamar marche a petit pas, é uma característica da doença de Parkinson importante para o diagnóstico. Além disso, à medida que os passos vão ficando mais curtos e menores, o paciente curva a cabeça e o tronco e joga o corpo para a frente. Essa flexão excessiva acaba gerando deslocamento do centro de gravidade e desequilíbrio. Por conta disso, as quedas são frequentes.
SUBSTÂNCIA NEGRA E PRODUÇÃO DE DOPAMINA
Drauzio – O que, por trás da doença de Parkinson, provoca esse cortejo de sintomas, como tremores, lentidão de movimentos e micrografia, por exemplo?
João Carlos Papaterra Limongi – Existem dentro do tronco encefálico, região posterior do cérebro, dois pequenos núcleos muito segmentados, do tamanho de um caroço de azeitona, chamados de substância negra. Há décadas se conhece essa substância, que contém muita melanina – o mesmo pigmento que escurece a pele -, mas não se sabia direito qual era sua função.
No começo do século XX, um cientista percebeu que nos pacientes com Parkinson a substância negra se encontrava atrófica. Ficava com pigmentação mais clara e esmaecida, pois perdia a cor natural, quase preta dada pela melanina. Pondo algumas dessas células no microscópio, pôde verificar que elas estavam passando por um processo de degeneração. Embora essa tenha sido a primeira observação científica sobre o mecanismo da doença de Parkinson, não se sabia ainda qual era a função dessas células. Foram necessários mais 40 anos para concluir que elas fabricam dopamina, uma substância química que funciona como neurotransmissor.
Drauzio – Qual a importância desse neurotransmissor, a dopamina, na doença de Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi — Neurotransmissor é uma substância química responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos. A mensagem que cada célula passa para a seguinte depende de mecanismos neurotransmissores e de substâncias como a dopamina. A falta dessa substância nos parkinsonianos foi identificada por Arvid Carlsoon et al., que receberam o prêmio Nobel de Medicina em 2000. Essa descoberta deu início à fase bioquímica da doença de Parkinson.
Recompondo os passos, então, no começo do século XX foi feita a constatação anatômica de que, nos pacientes com Parkinson, a substância negra estava comprometida por falta de dopamina. Quarenta anos depois, descobriu-se que dois pequenos núcleos, um de cada lado da parte posterior do cérebro, têm papel fundamental na manutenção do circuito motor subcortical que controla uma série de atividades automáticas, enquanto o circuito motor cortical controla as atividades conscientes. Por exemplo, se quiser pegar um lápis que está em cima da mesa, mando uma ordem consciente e realizo o que desejo utilizando o circuito motor cortical. Se quiser conversar enquanto caminho sem prestar atenção na mudança de passos, digitar um texto sem ter de procurar cada letra isoladamente, dirigir um automóvel sem pensar em cada pisada na embreagem ou troca de marcha, dependerei dos circuitos motores subcorticais.
No entanto, se faltar dopamina, a motricidade automática é interrompida e a pessoa tem grande dificuldade para realizar movimentos simultâneos. Não consegue andar e conversar ao mesmo tempo nem realizar um movimento com a mão direita e outro com a esquerda. Perdidos esses automatismos, para andar precisa pensar isoladamente em cada passo e, enquanto ocupa o cérebro com isso, não consegue fazer mais nada.
Portanto, um dos resultados clínicos dessa alteração bioquímica cerebral é a perda da capacidade de realizar movimentos automáticos.
FAIXA ETÁRIA VULNERÁVEL
Drauzio – Com que idade as pessoas costumam manifestar a doença?
João Carlos Papaterra Limongi – Quanto maior a faixa etária, maior a incidência da doença de Parkinson. De acordo com as estatísticas, na grande maioria dos pacientes, ela surge a partir dos 55, 60 anos e sua prevalência aumenta aos 70, 75 anos. Se considerarmos a população de uma cidade grande, desde a infância até os idosos, veremos que existem de 150 a 200 doentes com Parkinson em cada 100 mil habitantes, ou seja, um em cada mil habitantes tem a doença.
No entanto, se estratificarmos as faixas etárias, a conclusão será que 80% dos casos ocorrem entre os 65 e 75 anos e que 10% deles aparecem antes dos 45 anos. Portanto, Parkinson não é uma doença exclusivamente dos velhos. Por outro lado, se lembrarmos que não só no nosso país, mas no mundo inteiro as pessoas estão vivendo mais, é grande a probabilidade de aumentar a incidência dessa doença e de outras doenças degenerativas.
OPÇÕES DE TRATAMENTO
Drauzio – Há alguma coisa que se possa fazer para evitar o aparecimento da doença de Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi — Esse é um dos pontos mais polêmicos atualmente. Durante todo o transcorrer do estudo da doença de Parkinson, passamos por várias fases. No começo do século XX, descobriu -se que a substância negra estava comprometida. Mais ou menos 50 anos depois, Arvid Carlsson constatou que isso se devia à perda das células dopaminérgicas e foi dada ênfase ao tratamento farmacológico. Se estava faltando dopamina, vamos encontrar um meio de repô-la, e a via oral mostrou-se mais eficaz do que as outras nesse sentido.
Aí, surgiram alguns problemas técnicos. A dopamina por via oral não passa do estômago para a corrente sanguínea e, por via endovenosa, não atravessa a barreira endoencefálica, que separa o sangue do líquor. A solução foi utilizar um precursor da dopamina, a levodopa ou L-Dopa, que consegue entrar no cérebro e transformar-se em dopamina.
Repor a dopamina a partir de um precursor dessa substância representou um tratamento farmacológico que visava única e exclusivamente à neutralização dos sintomas, mas não interferia na evolução natural da doença. Isso revolucionou o tratamento da doença de Parkinson, mas não esclareceu o motivo pelo qual as células dopaminérgicas continuavam degenerando. Por conta disso, o tratamento convencional e sintomático não bastava, pois quanto mais as células degeneram, mais difícil fica a reposição medicamentosa da dopamina. Provam isso os pacientes que na fase inicial respondem muito bem ao tratamento, mas depois de cinco ou dez anos, apresentam alterações graves na resposta. Ou seja, trocam os sintomas parkinsonianos pelos da síndrome de Coreia caracterizada por movimentos involuntários anormais. O problema é maior quando se pensa que a margem de manobra na prescrição do medicamento é muito estreita. Se diminuirmos um pouquinho a dose, o paciente fica acinético, imóvel; se aumentarmos um pouco, aparecem movimentos parasitas que atrapalham o quadro.
Era necessário, então, encontrar um tratamento neuroprotetor que fizesse com que as células parassem de degenerar ou reduzisse a taxa de degeneração.
Atualmente existem dezenas, senão centenas, de drogas que já foram ou estão sendo estudadas com efeito potencialmente neuroprotetor. Para que elas funcionem, precisam ser administradas no início da doença, porque não adianta tomar o medicamento numa fase tardia, quando praticamente todas as células foram destruídas.
Como já mencionei, os primeiros sintomas da doença de Parkinson custam a aparecer. O início da doença é insidioso e, quando o paciente procura o médico, existem evidências de que pelo menos metade das células estão perdidas, pois é bem comum o cérebro compensar essa perda progressiva de dopamina por meio de outros mecanismos. Portanto, é muito importante identificar essa degeneração celular antes que os sintomas apareçam para tentar interromper o processo com a droga neuroprotetora. No entanto, embora existam centenas de candidatas a neuroprotetoras, nenhuma delas tem esse efeito cientificamente comprovado.
EVOLUÇÃO DA DOENÇA
Drauzio – Como evolui a doença de Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi – O início da doença é imperceptível, tanto que nem o paciente nem os familiares conseguem dizer exatamente quando surgiram os primeiros sinais. Em geral, o que chama primeiro a atenção é um tremor leve e/ou uma perda do balanço de um dos braços durante a marcha. É importante ressaltar que, no começo, os sintomas não são simétricos. Quase sempre ocorrem num só lado do corpo e, com o decorrer dos meses, às vezes dos anos, atingem o outro lado.
Há 30 anos, quando a levedopa não estava disponível, os médicos assistiam à inexorável progressão da doença. A cada ano, os sintomas se agravavam: o tremor e a rigidez muscular aumentavam, a postura ficava mais curvada, o tamanho dos passos diminuía, os hábitos intestinais se alteravam e crescia a dificuldade para realizar pequenas atividades diárias como cortar carne ou tomar banho. Nas fases mais avançadas, o comprometimento da postura era um sintoma muito incapacitante. A marcha ficava mais difícil e quedas ocorriam com frequência. Na fase extrema, o paciente ficava restrito ao uso da cadeira de rodas.
Atualmente, isso não mais acontece porque os pacientes são tratados e podem permanecer dez, quinze, vinte anos com a doença controlada, levando vida social ativa e alguns mantendo até a atividade profissional. Além disso, a sobrevida dos parkinsonianos aumentou muito e está se aproximando do índice de sobrevida das pessoas sem a doença.
ESTILO DE VIDA
Drauzio – Quanto ao estilo de vida, que recomendações você faz aos pacientes?
João Carlos Papaterra Limongi – Em geral, eles chegam muito preocupados com o futuro. Querem saber como estarão dali a dois ou três anos. Procuro tranquilizá-los, porque a evolução nem sempre é ruim e, com o advento de novas drogas, o controle da doença é mais eficaz. Mesmo as complicações da levodopa podem ser contornadas com mais facilidade e segurança.
A primeira recomendação é que levem vida o mais saudável possível. Devem continuar trabalhando, se têm habilidade intelectual para isso, e fazer atividade física. Dependendo do caso, podem frequentar uma academia onde farão os exercícios com os outros alunos. Casos mais avançados, porém, são encaminhados para a fisioterapia, porque exigem exercícios específicos.
Manter o otimismo e a vontade de continuar levando vida normal ajuda muito a controlar a evolução dos sintomas.
Drauzio – Existe alguma restrição de dieta alimentar para os pacientes com Parkinson?
João Carlos Papaterra Limongi – Não existe nada cientificamente comprovado de que qualquer restrição dietética faça bem a esses pacientes. Entretanto, é preciso tomar cuidado com a associação de alguns medicamentos e com a ingestão simultânea de alimentos altamente protéicos e levodopa, porque eles podem interferir na absorção dessa droga. Por isso, a medicação deve ser tomada pelo menos meia hora antes das refeições.
Drauzio – Você disse que os pacientes chegam assustados, com medo do futuro. Quais são as principais dúvidas que têm?
João Carlos Papaterra Limongi – A principal dúvida dos pacientes é a respeito da vida profissional. Eles percebem que sua letra não é mais a mesma, que estão chegando atrasados aos compromissos, pois levam meia hora para fazer o que faziam em cinco minutos e ainda necessitam de ajuda para vestir-se. Essa perda progressiva da independência, esse retardo na realização das atividades motoras, muitas vezes acompanhado de um retardo do raciocínio, acaba provocando baixa na autoestima.
Nos testes de habilidade mental, observa-se que o paciente pode demorar tanto para responder uma pergunta que fazemos outra, imaginando que ele não sabe a resposta, mas depois de algum tempo ele responde corretamente a primeira pergunta. Essa lentidão de raciocínio, que se chama de bradipsiquismo ou bradifrenia, assim como a bradicinesia que é a lentidão de movimentos, também melhora muito com o tratamento.
PERSPECTIVAS OTIMISTAS DE TRATAMENTO
Drauzio – Você acha que no curto prazo surgirão drogas para um controle mais adequado da doença?
João Carlos Papaterra Limongi – Do ponto de vista farmacológico para o controle dos sintomas, houve alguns avanços significativos. Conhecer melhor a maneira de administrar os remédios no início do tratamento é determinante para a evolução da doença no longo prazo.
Existe a reposição pulsátil feita de forma meio aleatória. O paciente toma doses elevadas da droga com intervalos grandes de tempo entre uma e outra. Isso provoca picos dessas medicações na concentração plasmática que entram em desacordo com a maneira fisiológica, contínua, sem altos e baixos, de ativar tonicamente os circuitos nervosos. Por isso, a tendência atual é mimetizar a fisiologia. Doses mais baixas ajudam a transformar essa curva de sobe e desce numa linha mais plana simulando a estimulação dopaminérgica natural. Com isso se tem reduzido o número de complicações, entre elas, a presença de movimentos involuntários anormais.
Outro aspecto importante diz respeito ao estudo dos tratamentos de neuroproteção. Até pouco tempo, não tínhamos como impedir a degeneração progressiva das células dopaminérgicas. Simplesmente, repúnhamos a substância que estava faltando e íamos aumentando as doses conforme se fizessem necessárias. A tendência atual é buscar uma maneira de interferir na evolução da doença, tentando entender melhor os mecanismos envolvidos na morte celular para bloqueá-los em algum ponto do processo. Embora várias drogas estejam sendo utilizadas com esse objetivo, nenhuma mostrou efeito convincente como agente neuroprotetor. No entanto, acredito que não estamos distantes de conseguir uma que realmente produza esse efeito.