Para comparar os dados da Covid-19 no Brasil com outros países, é preciso considerar que, aqui, a epidemia está atrasada em relação a outros locais.
*Colunista convidado: Leandro R. Tessler
Os números de casos e óbitos relacionados à Covid-19 podem ser apresentados de várias formas. A melhor depende do objetivo. Mostrar dados de forma errada pode desinformar e dar uma falsa e inadequada impressão da evolução da pandemia no Brasil. Recentemente os governantes escolheram apresentar os dados de óbitos por milhão de habitantes na tentativa de mostrar que a situação no Brasil é mais tranquila do que em outros países.
Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre futuro da epidemia
Um olhar descuidado pode fazer parecer que a gravidade da pandemia no Brasil seja menor que em outros países. A tabela apresentada pelo ministro Braga Netto na coletiva de imprensa de 15 de maio de 2020, exibida na Figura 1, compara o Brasil com alguns países que ele escolheu.
No dia 15 de abril de 2020, o presidente Jair Bolsonaro havia publicado uma tabela similar no Twitter, também mostrada na Figura 1. Em 15 de abril tínhamos 7 óbitos por milhão. Em 15 de maio, temos 58,6.
Podemos calcular a variação relativa de cada país dividindo a cifra atual pela de um mês atrás. Nesse intervalo a variação relativa do Brasil (8.7x) é muito maior do que a da Itália (1.2x), Espanha (1.3x), França (1.5x), Bélgica (1.9x) ou Alemanha (1.9x).
Essa análise só faz sentido se pensarmos na forma como a epidemia evolui no tempo. No início de uma epidemia, o número de óbitos aumenta exponencialmente. Para melhor representar essa progressão utilizamos um gráfico em escala logarítmica (Figura 2). Apesar de a curva vermelha, que corresponde aos dados do Brasil, estar abaixo dos demais países, é fácil perceber que ela cresce mais rápido e que muito em breve o Brasil ultrapassará a Alemanha em número de óbitos por milhão de habitantes.
Evolução da pandemia
A partir do entendimento da variação relativa desses números é possível ter uma ideia de como a epidemia evoluirá. A taxa de variação de todos os países considerados está mostrada na Figura 3. Se a taxa de variação no número de óbitos fica acima de 1, a epidemia está aumentando, se ela fica abaixo de 1, a epidemia está diminuindo. Quando a variação semanal do número de óbitos está diminuindo, a epidemia pode estar sob controle. Esse não é o caso em nenhum dos países comparados, onde a taxa diminui, mas ainda não está abaixo de 1. Mas o Brasil é muito diferente.
Na semana entre 7 e 14 de maio, a taxa de variação de óbitos em todos os demais países ficou entre 1.048 (4,8%) na Espanha e França e 1.14 (14%) nos Estados Unidos, valores relativamente baixos e tendendo para menores que 1. No Brasil, a taxa de crescimento sempre foi maior que nos demais países, e está estabilizando em 1.54 (54%). Isso significa, grosso modo, que no dia 21 de maio teremos entre 85 e 90 óbitos por milhão de habitantes, bem mais que a Alemanha.
Mesmo considerando óbitos por milhão de habitantes, é muito importante levar em conta que a evolução da epidemia no Brasil está 2 a 3 semanas atrasada em relação aos outros países. Está previsto que os países considerados atinjam uma taxa de variação abaixo de 1, ou seja, passem do primeiro pico da epidemia antes de nós. Assim, em poucas semanas ultrapassaremos o número de óbitos por milhão de habitantes de todos os países que são comparados com o Brasil.
O aumento do número de óbitos por milhão de habitantes está fora de controle no Brasil. Ao contrário do que o governo tenta indicar, a situação aqui é muito crítica e deve piorar nas próximas semanas.
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