A reposição de testosterona ganhou popularidade. Vídeos sobre seus supostos efeitos estéticos se multiplicaram nas redes sociais, as buscas no Google dispararam e o tema é cada vez mais comentado dentro das academias. No entanto, o uso desse hormônio é recomendado apenas em casos específicos — e, fora deles, pode trazer riscos sérios à saúde.
Entre os perigos do uso indevido, estão: atrofia dos testículos; problemas hepáticos, cardíacos e comportamentais; hipertensão arterial; infarto do miocárdio; riscos psiquiátricos e de dependência; e câncer, segundo os especialistas consultados para esta reportagem.
“Quem não precisa e usa faz roleta-russa com a saúde, pois não há doses seguras para quem não precisa”, alerta Caoê von Linsingen, endocrinologista da Paraná Clínicas.
Em que casos a reposição é indicada?
O principal caso em que a reposição é recomendada é o de homens com hipogonadismo — condição em que as glândulas sexuais (os testículos) não produzem testosterona. A incidência dessa condição é de cerca de 12 casos por mil pessoas por ano, segundo estudos.
“[O hipogonadismo] pode ser causado ou por uma deficiência do testículo, que não está conseguindo produzir [testosterona] por falta das células, ou da ação do hormônio que estimula a produção de testosterona, ou porque a hipófise não está conseguindo mandar mensagem para o testículo”, explica Gabriela Kramer, endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).
Segundo a médica, a hipófise pode apresentar algum “defeito”, ou o problema pode estar no caminho da mensagem enviada ao testículo. Localizada na base do cérebro, a hipófise funciona como uma central de comando para várias funções hormonais do corpo, incluindo a produção de testosterona.
No caso das mulheres, a única indicação reconhecida para reposição de testosterona é o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) naquelas que estão na pós-menopausa. Essa condição é caracterizada por uma persistente e angustiante falta de interesse em atividades sexuais, que causa dificuldades pessoais e interpessoais.
“Atualmente, é a única indicação clinicamente reconhecida e respaldada pelas diretrizes internacionais e nacionais para o uso terapêutico da testosterona em mulheres”, afirmaram em maio deste ano a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DCM-SBC) em nota conjunta.
Veja também: Uso de testosterona para ganho de massa muscular: quais são os riscos?
Como identificar se o uso é necessário?
No caso do TDSH, segundo as entidades médicas, o diagnóstico é clínico e de exclusão, e deve ser feito por profissional qualificado. Antes de considerar a terapia androgênica, é fundamental investigar e tratar outras causas para a baixa libido, como hipoestrogenismo (nível de estrogênio abaixo do normal), depressão, efeitos colaterais de medicamentos (principalmente antidepressivos), obesidade, síndrome metabólica e problemas no relacionamento conjugal.
Ainda de acordo com as entidades, não há indicação para dosar a testosterona sérica com o objetivo de diagnosticar deficiência androgênica na mulher saudável ou em mulheres com queixa de baixa libido. “A prática de dosar testosterona como exame de rotina ou sob alegação de ‘déficit androgênico feminino’ não possui respaldo científico e pode induzir a medicalização inadequada e a prescrição hormonal sem indicação.”
Já no caso do hipogonadismo masculino, o primeiro passo é dosar a testosterona. Segundo o dr. Caoê, uma testosterona total abaixo de 265 ng/dl, associada a sintomas, é considerada baixa, de acordo com o consenso da Sociedade Americana de Endocrinologia (Endocrine Society). Algumas sociedades médicas ainda adotam o valor de 300 ng/dl como referência.
“É importante lembrar que a dosagem de testosterona não é um exame de rotina, devendo ser investigada quando há sintomas, dentro de um raciocínio diagnóstico. Sintomas de fadiga sem causa aparente, libido baixa e disfunção erétil são os mais comuns. Pode haver perda de peso, principalmente de massa magra, nos casos mais severos”, afirma o especialista.
A dra. Gabriela acrescenta que, além da testosterona, é preciso dosar também os hormônios da hipófise, já que ela é responsável por comandar o testículo na produção do hormônio. “Esses exames são importantes para definir se tem hipogonadismo ou não e a possível causa desse hipogonadismo. E aí são inúmeras as causas, inclusive as doenças.”
Formas de aplicação da testosterona
No Brasil, há três apresentações de testosterona com registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): uma em gel e duas de aplicação intramuscular. Em todos os casos, a prescrição é exclusiva de médicos.
Nos últimos anos, ficaram famosos os chamados “chips de beleza”, vendidos em farmácias de manipulação e contendo testosterona e outros hormônios para fins estéticos. A manipulação e a comercialização desses produtos foram suspensas no final de 2024, conforme a resolução-RE nº 4.353.
“Em alguns países, há implantes hormonais aprovados, o que não existe no Brasil. Sabemos que há manipulação de implantes por alguns colegas em farmácias magistrais, mas não é recomendado pelas sociedades científicas pela incerteza da homogeneidade de distribuição do hormônio pelo corpo (a velocidade de distribuição em você pode ser totalmente diferente do seu vizinho, por exemplo)”, diz o dr. Caoê.
Veja também: Os riscos da testosterona
Uso de testosterona é para sempre?
Na maioria dos casos, sim. Segundo a dra. Gabriela, quando há indicação de reposição, o tratamento costuma ser contínuo. “Existem injeções mensais e trimestrais. Ao vencer o prazo de ação, aplica-se a próxima dose, para manter níveis estáveis. Isso porque um homem saudável produz testosterona de forma contínua — e quem tem deficiência também precisa receber continuamente para repor o que o corpo não consegue produzir”, explica.
No entanto, há situações em que o uso é temporário. “Eu posso fazer uma indução da puberdade por um período de 3 a 6 meses, interromper e depois ver se essa puberdade acaba desencadeando sozinha, para ver se esse paciente vai ter necessidade de fazer uso para sempre ou se estava só com um pouquinho de atraso. Isso é uma das indicações também de testosterona em adolescentes”, completa a endocrinologista.