desenho psicodélico com perfil humano e cérebro em destaque. terapia psicodélica pode mudar a forma de tratar transtornos psiquiátricos
Publicado em 16/10/2023
Revisado em 16/10/2023

Pesquisas realizadas nos últimos anos fizeram renascer o interesse pelo emprego de drogas psicodélicas no tratamento de transtornos psiquiátricos. Leia o artigo do dr. Drauzio sobre terapia psicodélica.

 

“Terapia psicodélica – Um novo paradigma de cuidados com a saúde mental.” Esse é o título do editorial da prestigiosa revista JAMA (The Journal of the American Medical Association), que tomo a liberdade de resumir e comentar com você, estimado leitor.

Pesquisas realizadas nos últimos anos fizeram renascer o interesse pelo emprego de drogas psicodélicas no tratamento de transtornos psiquiátricos, entre os quais depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, transtornos alimentares e dependências químicas ou comportamentais.

Veja também: Felicidade “fabricada”: como as drogas atuam no cérebro

Drogas psicodélicas foram consideradas ilegais já nos anos 1970, quando o governo norte-americano declarou a famigerada “Guerra contra as drogas”, estratégia de combate que se espalhou e semeou violência pelo mundo inteiro.

A justificativa foi a de que seriam drogas capazes de provocar adição sem trazer benefícios terapêuticos para os usuários. A avalanche de transtornos mentais dos últimos anos, no entanto, motivou pesquisadores e psiquiatras a explorar as possibilidades farmacológicas dessa classe de moléculas.

As drogas psicodélicas interferem na percepção, na cognição e na consciência, por suas ações nos receptores 5-HT2 da serotonina. Como resultado, há aumento da consciência dos estados internos e da conexão com o mundo ao redor, que chegam a persistir por horas. Por outro lado, podem induzir estados de consciência alterados, que tornam a experiência difícil de ser vivida, razão pela qual os especialistas recomendam sempre que seja feita na presença de um profissional treinado e experiente.

Esses compostos, entretanto, apresentam propriedades terapêuticas que lhes permitem acesso a estados mentais inacessíveis no cotidiano. Antes da proibição nos anos 1970, eles foram utilizados na clínica médica com o objetivo de ajudar os pacientes a expor suas emoções íntimas, permitindo assim abordagens psicoterápicas mais eficazes.

Nos anos 1960, na cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), assisti a uma aula do professor Clóvis Martins, que publicou um dos primeiros trabalhos brasileiros sobre a ação farmacológica dos psicodélicos e os resultados clínicos com os pacientes tratados. Lembro que ele enfrentou vários problemas com seus pares por causa dessa ousadia.

O editorial comenta uma publicação deste ano sobre o emprego do psicodélico psilocibina – droga semelhante ao ácido lisérgico (LSD) e à mescalina – associado à psicoterapia no tratamento de casos de depressão grave. Embora o número de participantes tenha sido relativamente pequeno, uma dose única de psilocibina, como parte de um programa de psicoterapia com seis semanas de duração, induziu a uma redução “rápida, robusta e sustentada” dos sintomas depressivos.

O autor ressalta que não se trata apenas do efeito farmacológico do medicamento: a psicoterapia é um componente crítico do tratamento. O psicodélico permite que sentimentos como autocompaixão, entendimento e autoaceitação venham à tona para servir de antídoto contra vergonha, sensação de culpa, raiva, isolamento e outras emoções negativas que os pacientes têm dificuldade de discutir nas sessões de psicoterapia. A experiência psicodélica ajuda a encontrar perspectiva e conexão com os outros e o mundo.

A abordagem psicodélica é radicalmente diferente das tradicionais, que procuram suprimir os sintomas depressivos tendo com alvos a fisiopatologia ou a biologia do transtorno. Seu objetivo é buscar as causas dos sintomas, não simplesmente suprimi-los. O medicamento é administrado em poucas sessões – muitas vezes, em uma única.

Apesar do otimismo dos editorialistas, a medicação pode requerer uso crônico, tornar problemática a suspensão e vir acompanhada de efeitos colaterais, como ganho de peso, sensação de sedação e diminuição da libido. Esses efeitos costumam ser passageiros. Os sintomas depressivos podem recidivar mesmo em pacientes com quadros estáveis ou quando o medicamento é descontinuado.

Nesse e em outros estudos semelhantes com esta classe de drogas, nem todos são beneficiados.

O editorial termina afirmando que “os medicamentos psicodélicos têm o potencial de representar não apenas uma nova abordagem no tratamento dos transtornos mentais, mas um paradigma inteiramente novo”.

 

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