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Drauzio

O sutiã cor-de-rosa | Artigo

sutiã cor-de-rosa
Publicado em 16/05/2011
Revisado em 11/08/2020

Antes de eu sair para viajar, minha mulher trouxe nas mão um sutiã cor-de-rosa.

 

Estava para fechar a mala quando minha mulher entrou. Trazia nas mãos um sutiã rosa-espantado decorado com bolinhas brancas:

— Você me compra um igual? É maravilhoso, não tem armação metálica; nem um pingo de sintético, cem por cento algodão.

Deu o nome, o endereço da loja e insistiu que eu não deixasse de mostrar o sutiã à balconista, única maneira de evitar as confusões que os homens fazem ao comprar roupas femininas. Em tom de professora de maternal, repetiu as recomendações duas vezes: tinha que ser de outra cor, mas exatamente do mesmo modelo conforme as especificações impressas na etiqueta.

Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre felicidade

Achei um espaço por cima das roupas já organizadas na mala, mas antes de trancá-la me passou pela cabeça que aquela peça íntima rosa daquele jeito, ainda por cima repleta de bolinhas, ficava muito à vista. E se na alfândega resolvessem inspecionar a bagagem?

Levantei duas camisas e uma calça, coloquei o sutiã por baixo, fechei o zíper e tranquei o cadeado.

O arrependimento veio de imediato. Não seria pior escondê-lo? O fiscal não ficaria ainda mais invocado? Quem não deve não teme, pensaria ele.

Lembrei de uma tira dos Piratas do Tietê, se não me engano, em que Laerte contava a história de um machão que, na falta de cuecas na gaveta, saiu de casa com a calcinha da mulher. Atropelado em seguida, o rapaz virou motivo de chacota da cidade inteira. A tira terminava numa sessão espírita encomendada pela esposa inconsolável, na qual aparecia o médium materializando uma fila de espíritos só de cueca, e ele de calcinha rendada.

Depositei a sacola sobre uma montanha de casacos empilhados em desordem sobre uma cadeira e cumprimentei um por um. Trocamos algumas palavras, desejei-lhes boa viagem, pedi licença e peguei a sacolinha meio desequilibrada sobre os agasalhos.

E se o avião caísse? Certamente, a bagagem com meu nome seria identificada. Imaginei as maledicências e os comentários dos cafajestes dos meus amigos? Eu seria tema central das rodinhas de desocupados e das mesas de botequim: “Sempre achei que ele tinha um jeitinho”. “Por isso que viajava tanto”. “Aqui machão, voz grossa, sentava de perna aberta, lá fora de calcinha e sutiã”. Nem o gélido abraço da morte me livraria de tamanha humilhação. Uma vida inteira de luta manchada no minuto derradeiro.

Felizmente, passei incólume pela alfândega. No hotel, outra vez a dúvida cruel: deixo à mostra ou guardo no fundo da gaveta?

Decidi pela segunda opção e esqueci o problema até o último dia do congresso, ocasião em que decidi correr até a tal loja de roupas íntimas. Pensei em embrulhar o sutiã, mas não havia papel no quarto. Anotei todos os dados da etiqueta, joguei-o em cima da cama, e desci rápido, porque o comércio estava para fechar. Jamais sairia pela rua com aquela coisa rosa na mão; e se achassem que era fetiche?

Quando cheguei no saguão do hotel, lembrei do passaporte e voltei para buscá-lo. O quarto estava aberto. A camareira, uma senhora negra de andar desengonçado, havia entrado para ajeitar os lençóis. No meio da cama, resplandecia o rosa do sutiã contra o branco da colcha. Ela pediu licença para retirá-lo e colocou-o com delicadeza na poltrona ao lado.

Mil vezes melhor se eu tivesse apanhado o passaporte e saído sem abrir a boca, em vez de dizer: “É de minha mulher”.

Ela acrescentou sem olhar para mim:

— E de quem poderia ser?

Na loja, não havia um único homem. Encontrei os sutiãs numa prateleira do fundo, e comprei logo três; só de raiva: um vermelho-encarnado, um listado preto e cinza e outro branco.

Saí com os três espremidos uns contra os outros numa sacola minúscula, e fui atrás de um restaurante.

Depois de jantar, a caminho da porta, um homem de barriga avantajada, sentado com dois casais, interrompeu minha passagem:

— Somos de Picos, no Piauí, nunca imaginamos conhecer o senhor justamente fora do Brasil.

Depositei a sacola sobre uma montanha de casacos empilhados em desordem sobre uma cadeira e cumprimentei um por um. Trocamos algumas palavras, desejei-lhes boa viagem, pedi licença e peguei a sacolinha meio desequilibrada sobre os agasalhos.

Nesta altura, leitor, você imaginará que os sutiãs se espalharam pelo chão.

Está enganado. De fato, puxei a sacola por apenas uma das alças, mas nem todos caíram, só o vermelho-encarnado.

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