Embora a taxa de novos casos e a de óbitos por covid-19 ainda sejam altas, muita gente decretou, por conta própria, o fim da pandemia.
Todo mundo na rua, na praia, nos bares e botequins e nas lojas, para não falar das festas, cada vez menos clandestinas. A máscara virou adereço pendurado na orelha ou enganchado no queixo, tão inútil quanto o revólver eletrônico para medir a temperatura da testa, na entrada dos shoppings.
Num país desigual como o nosso, sabíamos que não seria fácil chegar aos níveis de isolamento social de 70% ou mais, atingidos na China, Alemanha, Austrália e em outros países que lidaram melhor com a epidemia.
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Como mantê-lo em habitações precárias, com cinco ou seis pessoas em um ou dois cômodos? Como segurar as crianças dentro de casa nessas condições? O que fazer com a pobreza de famílias em que os recursos para a alimentação duram menos de uma semana?
Claro, que era preciso manter os serviços essenciais em funcionamento, mas não levamos em conta que são prestados por moradores das periferias das cidades, dependentes de trens, ônibus, lotações e metrôs. Contingente numeroso que trabalha em supermercados, padarias e farmácias, policiais, porteiros de prédios, entregadores, motoristas, lixeiros e muitos outros, além do exército de técnicas de enfermagem, enfermeiras e pessoal de limpeza, que arrisca a vida nos hospitais. São tantos em movimento, que os transportes coletivos se tornaram o principal ambiente de disseminação do coronavírus nas cidades maiores.
Sem antivirais nem vacinas disponíveis nessa hora, o que nos restaria para evitar tantas mortes? Ouvir o que diz a ciência: cuidar da higiene das mãos, usar máscaras protetoras e guardar distância uns dos outros sempre que sairmos de casa.
Com as escolas fechadas e a possibilidade de trabalhar pela internet, grande número de famílias que vive em condições melhores levou o confinamento a sério. Passados cinco meses, no entanto, muitos se cansaram, sentem o peso da ansiedade e dos quadros depressivos causados pela insegurança financeira, pela ausência dos familiares e pela falta de convívio com os amigos.
Neste momento, boa parte da população brasileira decretou, por conta própria, o fim da epidemia. Não encontro outra explicação para as aglomerações que a televisão mostra nas cidades grandes e pequenas.
Existiria alguma racionalidade nesse comportamento social, prezada leitora? Em que os números da epidemia de agosto nos tranquilizam, comparados com aqueles que nos assustavam tanto em junho?
O aguardado pico da curva, que seria seguido de queda abrupta do número de infectados, infelizmente, não aconteceu. Ao pico, seguiu-se um platô, que se estabilizou ao redor de inaceitáveis mil mortes diárias, número macabro que um dia cai, mas no outro sobe. Dois longos meses nesse patamar terrível, sem dar sinais de trégua.
Não conseguimos convencer parte significativa da população de que o vírus é transmitido quando uma pessoa se aproxima da outra, dado científico comprovado desde os primórdios da epidemia.
Conquista civilizatória da cultura ocidental, a ciência nunca foi combatida com tanta ferocidade pelo senso comum e pelo pensamento místico, cegos a qualquer evidência que se contraponha a eles.
A crença em remédios milagrosos que, tomados no início dos sintomas curariam os doentes, passou a ser defendida por demagogos e até por médicos formados, apesar da ausência de comprovação de eficácia em todos os estudos clínicos já publicados nas revistas de primeira linha.
A crença numa vacina, que estaria prestes a nos garantir proteção definitiva, ganha cada vez mais espaço na mídia, na argumentação de políticos populistas e no imaginário popular.
A dura realidade, prezado leitor, é a de que nenhum medicamento demonstrou atividade antiviral, em qualquer fase da doença ou antes de ela se instalar. Mesmo que a vacina venha a proteger todos os que a receberem, não estará disponível em tempo hábil para impedir as mortes que se acumularão até o fim do ano de 2020 e nos primeiros meses de 2021.
Sem antivirais nem vacinas disponíveis nessa hora, o que nos restaria para evitar tantas mortes? Ouvir o que diz a ciência: cuidar da higiene das mãos, usar máscaras protetoras e guardar distância uns dos outros sempre que sairmos de casa.
Se tomarmos esses cuidados e as autoridades de saúde tiverem bom senso e vontade política para testar o maior número possível de pessoas nas ruas, para identificar rapidamente as que estão infectadas e as que mantiveram contato com elas, ainda será possível reduzir o número de infectados e de mortos.
Caso contrário, na base do liberou geral, a tragédia brasileira persistirá por vários meses.