Nossas ideias e crenças podem influenciar o modo como percebemos o que é ilusão e o que é realidade.
Nossos sentidos são mestres na arte de enganar. Erramos na interpretação das imagens que os olhos enxergam, escutamos sons inexistentes, o tato e o olfato nos fazem confundir a natureza dos objetos que nos cercam.
Que somos incapazes de perceber o mundo como realmente se apresenta, ficou demonstrado num experimento conduzido na Universidade Yale, nos anos 1890. Nele, um grupo de voluntários foi colocado diante de uma tela que exibia imagens, uma das quais vinha acompanhada de determinado som (um bip, sempre no mesmo tom).
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Quando os pesquisadores interrompiam a emissão do som, verificaram que a maior parte dos participantes relatava escutá-lo, assim que a imagem era projetada.
Alucinações auditivas como essa ocorrem na vida diária, ao imaginarmos ouvir a campainha tocada pela visita que ainda não chegou, ou, ao escutarmos o toque do celular desligado desde a noite anterior.
A habilidade para distinguir fenômenos ilusórios dos que realmente acontecem foi estudada pelo grupo de Philip Corlett, de Yale.
Eles partiram da hipótese de que o cérebro analisa a realidade, vasculhando a cada momento nosso passado de expectativas e crenças. As alucinações surgiriam quando esse mecanismo falha, como ocorre na esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos, em que o cérebro daria mais peso às expectativas e às crenças do que às evidências perceptíveis no universo sensorial.
Quando percebemos o mundo, nossas ideias e crenças valem mais do que nossos sentidos.
Para testá-la, Corlett e colabores aplicaram uma versão do experimento de 1890 a quatro grupos de voluntários: o primeiro, formado por pessoas “saudáveis”; o segundo, por pessoas com psicoses que não escutavam vozes imaginárias; o terceiro, por pessoas com esquizofrenia que escutavam vozes; e o quarto, por pessoas que as ouviam, mas não as consideravam perturbadoras.
Os pesquisadores treinaram os participantes para associar uma imagem com um som que durava um segundo, mas cuja intensidade era modificada e, às vezes, interrompida. Ao ouvi-lo, os participantes tinham que pressionar um botão com maior ou menor força, de acordo com o grau de confiança adquirido ao tê-lo ouvido.
Ao mesmo tempo, todos eram submetidos à ressonância magnética para identificar a atividade das áreas cerebrais envolvidas na tomada das decisões.
Tanto os que sofriam de esquizofrenia, quanto os portadores de outros transtornos causadores de alucinações auditivas, disseram ouvir o som inexistente cinco vezes mais do que os do grupo controle. Cerca de 28% deles estavam “muito seguros” de tê-lo ouvido.
Os que referiam escutar vozes na vida diária, mostraram atividade neuronal anormal em diversas regiões cerebrais responsáveis por avaliar representações internas da realidade. Quanto mais graves as alucinações, menor a atividade exibida no cerebelo, área crítica para o planejamento e coordenação dos movimentos, processo que requer atualização constante das percepções do mundo exterior.
Quando percebemos o mundo, nossas ideias e crenças valem mais do que nossos sentidos.