Neste artigo, o dr. Drauzio explica que provavelmente viveremos uma nova pandemia, e devemos nos preparar melhor para enfrentá-la.
Haverá uma nova pandemia, só não sabemos de onde nem como virá.
Será fundamental estarmos preparados para enfrentá-la, sem repetir os erros que cometemos quando o vírus da covid-19 chegou até nós.
O Brasil é o único entre os países mais desenvolvidos que não conta com uma instituição especializada na gestão de emergências em saúde pública e no controle de doenças, como são as dos países europeus e os Centers for Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, por exemplo.
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Assim que surgirem os primeiros casos de uma doença desconhecida em nosso território, será necessário detectá-los de imediato, isolar o agente causador, sequenciar seu genoma e caracterizar os modos de transmissão e o padrão de disseminação entre seres humanos e animais. Esses conhecimentos são fundamentais para a elaboração de vacinas e demais estratégias de combate.
O mesmo vale para doenças conhecidas que podem reemergir num dado momento. Veja a epidemia de dengue que estamos vivendo. Se contássemos com uma estrutura especializada em responder de forma emergencial, capaz de aplicar modelos epidemiológicos para avaliar a extensão e a gravidade dos surtos com antecedência, o SUS teria tido tempo de se mobilizar com mais eficácia para evitar tanta morbidade.
Com as mudanças climáticas atuais, a pobreza e as condições de moradia da nossa população, é impossível acabar com a proliferação do Aedes e com a dengue, mas as mortes podem ser evitadas com uma medida simples: a hidratação.
A dificuldade não é saber como tratar, mas como organizar as redes formadas pelo programa Estratégia Saúde da Família, pelas Unidades Básicas de Saúde, pelas Unidades de Pronto Atendimento e pelos hospitais de forma racional para garantir o acesso irrestrito ao atendimento, num país das dimensões do nosso.
É um desafio gigantesco, que não pode depender de iniciativas isoladas das prefeituras. Emergências em saúde pública exigem coleta de dados confiáveis, respostas rápidas e coordenação nacional e internacional.
Precisamos de um órgão técnico supervisionado pelo Ministério da Saúde, integrado ao SUS, para assessorá-lo com autonomia e estabilidade funcional, independente do voluntarismo dos governantes da ocasião. Não podemos repetir absurdos recentes, como o de depender da imprensa para checar os números da epidemia uma vez que os oficiais não eram confiáveis.
Não é preciso reinventar a roda. Apesar das dificuldades e dos descasos, a ciência brasileira dispõe de cientistas da melhor qualidade, distribuídos em universidades e institutos de pesquisas respeitados internacionalmente, como o Butantan, a Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas, entre vários outros.
Temos também cientistas altamente capacitados que trabalham nos maiores centros de pesquisa americanos e europeus. São brasileiros dispostos a voltar para o país assim que lhes forem oferecidas condições decentes para prosseguir com suas pesquisas. Não é sensato desperdiçar talentos que nos fazem falta.
As mudanças do clima, o desmatamento, o crescimento desordenado das cidades, a superpopulação em algumas áreas e a desigualdade econômica formam o caldo de cultura ideal para a disseminação de doenças infecciosas e de outros agravos.
As ameaças à saúde da população no mundo atual estão cada vez mais complexas. Não há mais espaço para improvisações. As políticas públicas devem ser adotadas pelo SUS depois de análises de dados e avaliações técnicas baseadas nas melhores evidências científicas.
O Brasil tem um dos sistemas de saúde mais abrangentes do mundo, o SUS, mas não é fácil oferecer assistência para 200 milhões de habitantes espalhados numa extensão continental, com grandes massas populacionais vulneráveis.
A próxima emergência em saúde pública não pode provocar tragédia semelhante à da covid-19. Faz falta um órgão técnico adaptado à nossa realidade, com recursos financeiros, gestão moderna, livre de interferências políticas e com agilidade administrativa para contratar profissionais, desenvolver estudos colaborativos com as universidades e os institutos de pesquisa, integrado ao SUS com o objetivo de assessorá-lo e fortalecê-lo.
Perderam a vida mais de 700 mil brasileiros na última pandemia. Não podemos ser pegos de surpresa outra vez. Não vamos repetir os mesmos erros, não é possível que não tenhamos aprendido nada.