Mensagens de fim de ano costumam desejar felicidade, estado de espírito que não está ao alcance da mão.
Feliz Natal e próspero Ano Novo, dizem as mensagens de fim de ano. Recebi mais de 50 com dizeres semelhantes, algumas carregadas de reflexões filosófico-literárias; outras, insuportavelmente poéticas.
Como a palavra próspero é sem graça e de significado incerto – por sorte empregada apenas nesta época do ano –, vou me concentrar nos desejos mútuos de felicidade natalina que pontuam as relações sociais a partir da segunda quinzena de dezembro.
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A felicidade não é um estado de espírito ao alcance da mão, é ave de voo ágil que nos visita quando bem entende. É arrebatadora, porém voluntariosa e fugidia. À menor distração ao admirar-lhe a beleza da plumagem, bate asas para sítios distantes, deixando a nostalgia em seu lugar.
Felicidade que chega com tudo, disposta a passar dias inteiros em nossa companhia, é privilégio exclusivo da infância. Só nessa fase da vida conseguimos acordar e ir para cama tomados por uma alegria sem fim.
Anos atrás, escrevi um livro infantil sobre esse tema: “De Braços para o Alto”. Nele, descrevi as férias numa fazenda, aos sete anos, em companhia de oito primos quase da mesma idade.
Nascido num bairro cinzento em que as sirenes da fábricas ditavam a rotina das ruas, de um dia para outro, fui transportado para o mundo dos campos a perder de vista, dos passarinhos, cavalos, florestas, rios e cachoeiras, gado no pasto e futebol no gramado em frente à sede da fazenda, todo fim de tarde.
Acordávamos com os primeiros raios de sol, já excitados para planejar as atividades do dia, enquanto as tias serviam o café da manhã. Depois, encilhávamos os cavalos, montávamos e saíamos enfileirados como nos filmes de faroeste. Pelados, mergulhávamos nos rios, nadávamos na lagoa e sentíamos o impacto da água fria que despencava entre as samambaias da cachoeira, na sombra da mata. À noite, sob a luz do lampião, líamos gibis e escutávamos a conversa dos adultos em volta do fogão à lenha e as histórias de terror que o tio José contava.
Passar a vida a lamentar a felicidade perdida é apanágio de velhos chatos, fadados a terminar seus dias na solidão.
Dormíamos num quarto enorme, com colchões espalhados pelo chão. Quando todos se calavam, eu resistia ao sono, para pensar nas aventuras que me aguardavam no dia seguinte.
Em minha lembrança, foi a primeira vez que convivi com a felicidade plena, persistente e duradoura, substituída por uma tristeza dolorida que me fez chorar quando as férias terminaram.
Na vida adulta, a felicidade é caprichosa como a mulher mais desejada. Inútil aguardar que venha a nós, é preciso persegui-la com afinco e estar atento para não a deixar passar despercebida no meio das atribulações cotidianas, porque o menor descuido é capaz de afugentá-la por tempo indeterminado. Ela é inimiga dos afoitos que a cortejam com intenções imediatas, para entregar-se exige dedicação extrema, sabedoria, desprendimento, perspicácia e sobretudo paciência.
A diferença fundamental entre a felicidade da criança e aquela do adulto não está na intensidade da sensação de prazer que toma conta da alma, exalta as cores do mundo e faz a vida pulsar forte, exuberante, mas na duração desse estado. Os momentos felizes dos adultos duram menos porque são interrompidos pelas preocupações com a lida diária, por pensamentos negativos resultantes dos desencontros das relações humanas e pelo medo causado por experiências traumáticas.
A complexidade da vida adulta desvia nossa atenção e nos impede de reconhecer a felicidade que está por perto, limitação que a transforma em bem transcendental, sempre distante, dependente de acontecimentos grandiosos e improváveis que sequer conseguimos definir quais seriam.
É essa incapacidade de lidar com o presente que nos faz colocá-la num ponto futuro ou relegá-la ao passado remoto. Costumo duvidar das recordações de momentos idílicos vividos anteriormente; na maioria das vezes, não passam de armadilhas da memória, faculdade da mente especializada em editar fatos passados para retirar deles o conteúdo nefasto.
Passar a vida a lamentar a felicidade perdida é apanágio de velhos chatos, fadados a terminar seus dias na solidão.
Depois dessas considerações tão filosófico-literárias quanto os postais de boas festas mais bregas que recebi, caríssimo leitor, só me resta agradecer a atenção e desejar-lhe feliz Ano-Novo.