Mulheres!
Sem as mulheres, estaríamos perdidos. É só olhar como elas defendem os filhos. Passam a noite em claro por causa de uma febre, varam dias na fila para a criança estudar e ainda cozinham o dia inteiro, com o maior amor. Nós, homens, pegamos mais leve.
Nos dias de visita vejo a cadeia cheia delas. São irmãs, primas, tias, mães, namoradas, esposas e amigas. Homens, vejo pouco; acho que homem não gosta de entrar em cadeia.
Sempre penso no que leva as mulheres a aguentar horas em pé, na fila, com criança no colo e a sacolada, a vergonha da revista e as três conduções para visitar vocês.
As mães vêm porque amar o filho sobre todas as coisas está no instinto delas; as irmãs, porque um pouco, também, são mães dos irmãos; as tias e primas têm o mesmo sangue. Mas a mulher que vem atrás do marido ou do namorado é mais difícil explicar. Ela não vem por instinto, como a mãe, nem laços sanguíneos, vem na luta pelo homem dela. Mesmo que ele não mereça.
Passam anos, todo final de semana, com as sacolas e as crianças, o frango com a farofa que ele gosta, e não dão mancada. Mulheres de respeito. Levante as mãos para o céu, quem tem uma mulher dessas.
No Natal do ano passado, que caiu num sábado, a fila da visita começou uma semana antes. Mulheres e crianças com saco de dormir, cadeira de armar, caixa de papelão, e a fila crescendo. Na antevéspera do Natal teve uma cervejada dos funcionário num bar da Cruzeiro do Sul. Saímos de lá era dez da noite. A fila passava do metrô.
Uma das primeiras era uma moça forte, vinte e oito anos, que sorria bonito apesar dos dentes em mal estado. Estava ali há cinco dias, desde o domingo anterior. Era casada com um ladrão há sete anos. Tiveram cinco filhos, apenas a mais velha concebida com o pai em liberdade.
Ela contou com detalhes a dificuldade com as crianças, apesar da pequena ajuda financeira da mãe. Trabalhava na cozinha de um bar em Itaquera. Entrava às seis. Tinha que acordar às três e deixar a comida pronta, para a mais velha dar aos pequenos. Voltava à noite, com o jantar e o banho das crianças pela frente. Depois, falou da espera na porta da cadeia e da saudade dele durante a semana.; os filhos perguntando quando o papai voltava para a casa.
Apesar de tantos problemas, parecia feliz. Não dava impressão de arrependimento na escolha do marido. Dizia que a mãe dela, que foi contra o namoro, no começo, hoje adorava o ladrão. Falava sem parar; quando falava dele, seus olhos acndiam uma luz que iluminava o rosto mulato.
No final, confessou que estava mesmo alegre. Na fila, através de um funcionário, ele fez fez chegar a ela uma quentinha com uma macarronada deliciosa feita por ele mesmo. Diz que as outras morreram de inveja.
O Vira-lata
O Vira-lata é um herói brasileiro criado pelo compositor e saxofonista Paulo (Magrão) Garfunkel e publicado pela primeira vez em 1991 na revista Grandes Aventuras Animal, no traço de Líbero Malavoglia. No ano seguinte, Drauzio Varella propôs a Magrão que o guerreiro urbano fosse usado em um projeto de prevenção à Aids conduzido no Carandiru. A partir de então, o herói protagonizou, em quadrinhos cheios de erotismo e ação, aventuras que alertavam sobre os riscos da doença e como preveni-la. Agora, o andarilho está solto, e suas histórias foram reunidas em um livro lançado pela editora Peixe Grande em 2012.
Em alguns exemplares que circularam pela casa de detenção havia uma crônica escrita por Drauzio Varella, que pouco depois lançaria seu livro de maior sucesso, Estação Carandiru. O texto acima é um desses exemplos.