A alimentação ideal ainda não foi definida pela ciência e dietas extravagantes que prometem melhorar a saúde e curar doenças são questionadas. Mas porque não existe um consenso científico para orientar a sociedade a executar com sabedoria uma função vital como a alimentação?
Houve tempo em que os humanos devoravam carcaças de animais, quando tinham sorte de encontrá-las. Num mundo de fome endêmica, nossos antepassados só sobreviveram porque se tornaram onívoros: com o estômago vazio atacamos o que estiver por perto, pertença ao reino animal ou vegetal.
A partir da segunda metade do século 20, quando as técnicas de produção, estocagem e distribuição de alimentos criaram a possibilidade de levar fartura à mesa de milhões de pessoas, começaram as preocupações com a composição ideal de nutrientes necessários para satisfazer ao mesmo tempo paladares cada vez mais exigentes e a demanda por uma dieta que faça bem à saúde.
Como consequência, surgiram centenas de livros e de teorias que propõem os mais variados princípios dietéticos. No espectro que vai do vegetariano obstinado ao carnívoro empedernido, existem os defensores de todas as variações possíveis. Nesse campo, não faltam fanáticos a defender suas ideias com fervor religioso nem autores de livros populares que enriqueceram ao criar dietas adotadas como moda, da noite para o dia.
Mas o que sabe a ciência a respeito das dietas? Por que não existe um consenso científico para orientar a sociedade a executar com sabedoria uma função vital como a alimentação? Por que, além de algumas orientações gerais, como a ingestão de fibras, proteínas, carboidratos e frutas em quantidades equilibradas, a ciência pouco tem a oferecer?
Vejam as dificuldades encontradas no mais completo e dispendioso estudo já realizado sobre a influência dos alimentos gordurosos na incidência de três enfermidades em relação às quais existe forte suspeita de sua participação: doenças cardiovasculares, câncer de mama e câncer de cólon (intestino grosso).
Nesse estudo, conduzido pelo Women’s Health Initiative (WHI), cerca de 49 mil mulheres em menopausa foram divididas em dois grupos e acompanhadas durante 8 anos. No primeiro, mais de 19 mil mulheres foram colocadas numa dieta rica em frutas, grãos e vegetais, na qual a quantidade de gordura ficasse abaixo de 20% das calorias ingeridas; no segundo, mais de 29 mil mulheres podiam retirar de alimentos gordurosos até 40% das calorias diárias.
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Os resultados mostraram não haver diferença significativa na incidência de doenças cardiovasculares nem de câncer de cólon entre os dois grupos. As mulheres colocadas em dieta pobre em gordura tiveram 9% menos de câncer de mama, mas esse número não alcançou significância estatística, ou seja, pode ser obra do acaso.
Isso quer dizer que tanto faz comer ou não gordura para prevenir ataques cardíacos, derrames cerebrais e dois dos tipos mais comuns de câncer?
É possível que sim, mas seria temerário tirar tal conclusão. Embora o estudo tenha custado uma fortuna e envolvido quase 50 mil mulheres, deixou várias dúvidas:
- Como seres humanos não podem ser mantidos em gaiolas com rações de composição constante, a quantidade de gordura às refeições variou no decorrer do estudo: seis anos depois do início, as gorduras já representavam 30% das calorias ingeridas pelo primeiro grupo (em vez dos 20% recomendados inicialmente);
- Apesar do seguimento de oito anos parecer longo, pode ser insuficiente para detectar a influência da dieta em doenças de evolução arrastada como as cardiovasculares e em tumores malignos que crescem devagar;
- Os resultados podem, ainda, ter sido influenciados pelo fato de as participantes iniciarem a dieta pobre em gordura na maturidade. Se o tivessem feito desde a adolescência, eles seriam os mesmos?;
- Estudos desse tipo são obrigados a ater-se às informações prestadas pelas participantes. Quando se trata de quantificar alimentos ingeridos, até que ponto é possível confiar na memória das pessoas?.
Se uma pesquisa como essa do WHI, realizada com rigor científico e centenas de milhões de dólares, deixa tantas dúvidas, francamente, tem sentido levar a sério dietas extravagantes que garantem melhorar a saúde e curar as doenças mais variadas, sem qualquer evidência experimental?