Nos tempos modernos, os sintomas de delírios em UTI (Unidades de Terapia Intensiva) são muito frequentes.
Jacarés que sobem pelas paredes do quarto do alcoólatra em abstinência, monstros que atacam o doente em meio aos calafrios da malária, são clássicos da Medicina e do cinema.
Nos tempos modernos, entretanto, os delírios invadiram as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
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Em revisão publicada no “The New England Journal of Medicine”, David Jones, da Universidade Harvard, refere-se ao delírio como “a nova loucura do progresso da medicina”.
As primeiras pesquisas sobre essas alterações transitórias da consciência, percepção, orientação e comportamento foram realizadas com pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, campo desenvolvido a partir dos anos 1960, em paralelo com a criação das primeiras UTIs.
Em 1965, Donald Kornfeld publicou um dos primeiros estudos sobre o problema, no qual foram avaliados 99 adultos operados do coração. Na análise dos prontuários médicos, houve relatos de distorções da percepção e da orientação, paranoia e alucinações em 38% dos casos.
Ao entrevistar pessoalmente 20 pacientes, porém, Kornfeld verificou que 70% descreviam quadros compatíveis com delírios.
O acompanhamento de outros cem pacientes recém-operados, na Universidade de Colúmbia, mostrou que os delírios se apresentavam de duas formas.
A primeira — diagnosticada em 9% deles — era consequência da chamada síndrome orgânica cerebral, caracterizada por desorientação, alterações de consciência e sinais neurológicos instalados já ao acordar da cirurgia.
Nos últimos 20 anos, as UTIs implementaram mudanças sucessivas para minimizar o estresse, melhorar a qualidade do sono e reduzir as intervenções intempestivas. Ainda assim, a prevalência de delírio continua excessivamente alta: até 90% em alguns estudos.
Nesses casos, o delírio podia ser atribuído aos danos cerebrais causados pelas máquinas antigas de circulação extracorpórea — que liberavam microêmbolos capazes de obstruir os ramos terminais das artérias que nutrem o cérebro –, por flutuações da pressão arterial ou por distúrbios metabólicos.
A segunda — diagnosticada em 24% — envolvia os que acordavam da cirurgia, lúcidos, orientados e com a percepção intacta, mas dias mais tarde começavam a delirar. Nesses casos, o estado de consciência costumava voltar ao normal depois da alta da UTI. Como explicar?
O grupo de Colúmbia suspeitou que houvesse relação com o estresse vivido na UTI: cateteres de oxigênio, os fios e os sons repetitivos dos monitores, imobilização, sono interrompido, dor, mal-estar e os efeitos colaterais da sedação.
Avaliações psiquiátricas conduzidas pela equipe sugeriram que talvez existisse um tipo de personalidade de risco, para apresentar delírios nesse tipo de situação. Seriam pessoas com traços de agressividade, autoconfiança e dominância, em conflito com o papel passivo, restrito ao leito, na terapia intensiva.
Nem todos os autores aceitam que as UTIs sejam as culpadas, entretanto. Nos últimos 20 anos, as UTIs implementaram mudanças sucessivas para minimizar o estresse, melhorar a qualidade do sono e reduzir as intervenções intempestivas. Ainda assim, a prevalência de delírio continua excessivamente alta: até 90% em alguns estudos.
A conclusão é de que estamos diante de um fenômeno multifatorial de alta complexidade, ainda mal conhecido.