Estudos mostram que a política de Trump, que separa crianças dos pais e as trata como ilegais, traz repercussões duradouras para a vida das crianças.
As imagens das crianças separadas dos pais em abrigos do governo chocaram a sociedade americana e o mundo civilizado. Impossível não lembrar dos campos de concentração nazistas.
“The New England Journal of Medicine” é a revista de maior circulação entre os médicos. Em suas páginas, são publicados os estudos com potencial para mudar o modo de compreender e tratar as doenças.
Como é uma revista técnica, fiquei surpreso com o conteúdo de dois artigos sobre os filhos de imigrantes ilegais aprisionados nos Estados Unidos.
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O primeiro foi escrito pela pediatra Fiana Danaher, do MassGeneral Pediatric Hospital, em Boston, sob o título “O sofrimento das crianças”, no qual ressalta que a Academia Americana de Pediatria, a Associação Médica Americana e centenas de outras organizações repudiaram, com veemência, o isolamento forçado das crianças.
Ela explica que os imigrantes fogem de países como El Salvador e Honduras com índices de 81 e 59 homicídios por 100 mil habitantes, respectivamente (no Brasil, o índice é 30). Nas viagens com os coiotes, as famílias são assaltadas, raptadas e assassinadas por bandos armados, ocasiões em que cerca de 60% das meninas e mulheres sofrem violência sexual.
Com a política atual de tolerância zero, 20% a 25% dos ilegais já deportados deixam filhos nascidos em território americano. Segundo a pediatra, a perda dos cuidados paternos provoca mudanças na fisiologia do organismo infantil, que causarão enfermidades físicas e mentais pelo resto da vida.
Como o custo médio de cada criança abrigada é de U$ 800 por dia, importância suficiente para hospedar a família em hotel de luxo, a doutora Colleen Kraft, presidente da Academia de Pediatria, afirma que “o governo Trump sancionou medidas para maltratar crianças, às custas dos impostos de milhões de americanos”.
Fiana Danaher encerra com a frase: “Se permitirmos que crianças já traumatizadas sofram tratamento tão brutal, estaremos todos com as mãos sujas”.
O segundo artigo, de Charles Czeisler, especialista em fisiologia do sono, na Universidade Harvard, vem com o título “Abrigando crianças imigrantes – A desumanidade da iluminação permanente”.
Czeisler diz que apesar de o presidente ter voltado atrás, ainda há 1.100 crianças mantidas em abrigos como o da cidade de McAllen, no Texas, no interior do qual passam 22 a 23 horas por dia trancadas em celas com cerca de 20 ocupantes. As janelas são escuras e as luzes ficam acesas dia e noite.
Segundo ele, maus tratos como esses terão repercussões duradouras, uma vez que é fundamental para a saúde e o desenvolvimento permitir que a criança durma no escuro da noite e tenha a retina exposta à luz do sol, pela manhã.
Enquanto as crianças lutam com os estresses físico e psicológico do encarceramento e se recuperam do trauma da separação das famílias, o mínimo que podemos fazer é deixá-las dormir.
A claridade no período noturno interfere com a arquitetura do sono e rompe o ciclo circadiano, responsável pelo conjunto de reações fisiológicas que se alternam no organismo, em sincronia com as 24 horas do movimento de rotação da Terra.
Estudos mostram que recém-nascidos mantidos em UTIs com luzes acesas, permanecem internados 15 dias a mais.
Deficiências de sono durante duas semanas são suficientes para desregular o ritmo circadiano a ponto de induzir pré-diabetes, reflexo da incapacidade das células beta do pâncreas em produzir a insulina necessária para lidar com a glicose das refeições.
Durante o desenvolvimento, a exposição noturna à luz tem consequências ainda mais graves, porque a necessidade de sono é maior. O bebê de 0 a 3 meses precisa dormir 14 a 17 h por dia; dos 4 aos 11 meses, são necessárias 12 a 15 h; de 1 a 2 anos, 11 a 14 h; dos 3 aos 5 anos, 10 a 13 h; dos 6 aos 13 anos, 9 a 11 h; e dos 14 aos 17 anos, 8 a 10 h.
Crianças de 2 anos que dormem menos de 12 horas diárias, duplicam o risco de chegar obesas na pré-escola. Adolescentes com menos de 6h30 de sono por dia, aumentam em 150% o risco de hipertensão arterial e em 250% o de desenvolver transtornos do sono, além de apresentar agravamento dos quadros de asma e estatura mais baixa, resultado da redução dos níveis de hormônio do crescimento.
O especialista termina dizendo: “Enquanto as crianças lutam com os estresses físico e psicológico do encarceramento e se recuperam do trauma da separação das famílias, o mínimo que podemos fazer é deixá-las dormir”.
É inacreditável, leitor, que esses fatos ocorram num país de valores democráticos como os Estados Unidos. Olha o que dá, entregar a Presidência da República a um boçal.