O oxi e o crack | Artigo

Agora, no auge da epidemia de crack, surge o oxi, preparação mais bruta ainda, resultado do tratamento da pasta de cocaína com querosene, cal e líquidos oxidantes, mais baratos do que o bicarbonato e o amoníaco usados na química do crack.

jovem de perfil sopra fumaça. oxi e crack são drogas fumadas

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Publicado em: 16 de maio de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

A cocaína já foi considerada exclusiva dos mais abastados. Na imaginação popular, o pó era consumido em reuniões elegantes e em passeios de iate. Veja artigo sobre oxi e crack.

 

Nos anos 1950, a classe média chamava a maconha de “droga de engraxate”, com desprezo. Fumavam maconha apenas os marginais e a malandragem de rua; a burguesia endinheirada jamais.

Na esteira do movimento hippie e da contracultura, a maconha se tornaria a droga preferida pela juventude, a partir da década de 1960. Os primeiros a aderir foram os universitários e os intelectuais, depois vieram os mais jovens e os iletrados, num processo insidioso e persistente que disseminou o uso em todas as camadas sociais.

Tradicionalmente mais cara do que a maconha, a cocaína foi considerada exclusiva dos mais abastados, até o fim dos anos 1970. Na imaginação popular, o pó era consumido em reuniões elegantes, nos passeios de iate e nas festas em que os milionários faziam troca de casais.

Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre a guerra ao tráfico

A epidemia de aids se encarregou de escancarar uma realidade menos fantasiosa.

Os primeiros casos da doença no Brasil foram diagnosticados a partir de 1982, exclusivamente entre homens homossexuais. Em seguida, começaram a surgir homens e mulheres heterossexuais dos bairros mais pobres, que haviam contraído o vírus ao compartilhar seringas e agulhas para injetar cocaína na veia.

O acúmulo desses casos deixou claro que havia uma epidemia de cocaína injetável que se disseminava em silêncio na periferia das cidades grandes.

Quando cheguei no Carandiru, em 1989, cansei de atender presos que vinham com as veias dos braços em petição de miséria, resultado das sucessivas picadas para injetar a droga nas condições mais precárias de assepsia que alguém possa imaginar.

Nesse ano, colhemos 1492 amostras de sangue entre os que estavam inscritos no programa de visitas íntimas, com o objetivo de mostrar às autoridades do sistema prisional que era um absurdo a sociedade abrir as portas da cadeia para mais de mil parceiras sexuais daqueles homens, sem lhes oferecer qualquer tipo de informação nem lhes garantir acesso ao preservativo.

Agora, no auge da epidemia de crack, surge o oxi, preparação mais bruta ainda, resultado do tratamento da pasta de cocaína com querosene, cal e líquidos oxidantes, mais baratos do que o bicarbonato e o amoníaco usados na química do crack.

Os resultados mostraram que 17,3% dos presos eram HIV-positivos, quase todos infectados por seringas e agulhas. Estudo realizado mais tarde com as mesmas amostras revelou que 60% delas eram positivas para o vírus da hepatite C.

As mortes por aids, a aparência física dos que chegavam ao estágio final de evolução e as campanhas educativas contra o uso de droga na veia acabaram com as injeções de cocaína no presídio, tendência que se espalharia pelas ruas da cidade.

Não havia motivo para comemoração, no entanto. A cocaína injetável foi imediatamente substituída pelo crack, preparação mais impura, mais barata e de uso compulsivo, que eliminava a necessidade da aplicação intravenosa.

A ausência completa de campanhas de esclarecimento nas escolas e nos meios de comunicação de massa, de estratégias de prevenção ao uso e de programas de saúde destinados a recuperar os usuários, permitiram que o crack se espalhasse feito praga e chegasse às cidades pequenas do país inteiro.

Quando uma das facções de prisioneiros assumiu a supremacia nas cadeias de São Paulo, seus líderes concluíram que o crack colocava o usuário num estado de insolvência financeira que prejudicava os interesses da organização. Como consequência, aconteceu o que eu jamais poderia imaginar, o crack foi banido das cadeias paulistas.

Nessa época, tive a esperança de que desaparecesse também das ruas, em analogia ao que acontecera com a cocaína injetável. Logo percebi a ingenuidade: é a droga que mais lucro dá ao traficante.

Agora, no auge da epidemia de crack, surge o oxi, preparação mais bruta ainda, resultado do tratamento da pasta de cocaína com querosene, cal e líquidos oxidantes, mais baratos do que o bicarbonato e o amoníaco usados na química do crack. Na cracolândia, a pedra é vendida a R$2, enquanto a de crack custa R$10.

Caro leitor, é preciso ter curso de pós-graduação em drogas ilícitas para prever o que acontecerá?

Enquanto insistirmos em concentrar os esforços na “guerra contra as drogas”, sem nos preocuparmos em reduzir o número de usuários que formam o mercado consumidor, iremos ao sabor da droga da moda, cada vez mais barata, compulsiva e destruidora.

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