Página Inicial
Drauzio

A intuição de minha avó | Artigo

Publicado em 18/04/2011
Revisado em 11/08/2020

O cérebro é capaz de fazer associações mentais automáticas, sem que tenhamos consciência delas. Não seria isso intuição?

 

Se tivéssemos que pensar em cada ato para decidir se valeria a pena executá-lo, passaríamos a vida sem fazer nada. Por sorte, existem mecanismos adaptativos inconscientes que nos permitem tomar decisões rápidas, enquanto nosso cérebro está entretido no exercício de funções mais nobres.

Parte significativa da mente humana opera em modo automático, fora do alcance da percepção. Sem essa atividade silenciosa, teria sido impossível a sobrevivência de nossos ancestrais, obrigados a tomar decisões rápidas para obter alimentos, defender-se das feras, proteger as crianças e livrar-se de inimigos agressivos.

Como consequência desse longo processo evolutivo, tantas vezes encontramos dificuldade para explicar porque agimos daquela maneira. A incapacidade de observar nossa mente, enquanto executa suas mil e uma atividades, nos torna estranhos diante de nós mesmos.

Na verdade, somos inconscientes de nossa própria inconsciência.

Por isso, quando convidados a explicar nossas reações, quase nunca respondemos: “Não tenho a menor ideia”. Ao contrário, vamos atrás de argumentos que façam sentido para justificá-las.

Num estudo publicado em 2005, pesquisadores suecos mostraram fotografias de duas mulheres, para um grupo de homens. Cada um devia escolher a que mais o atraía. Num segundo tempo, exibiram novamente as fotos e pediram que eles explicassem a razão da preferência. Para alguns, foi exibida a foto da mulher realmente selecionada; para outros, a da que haviam considerado menos atraente.

Para surpresa geral, apenas um em cada quatro participantes percebeu estar diante da foto errada. Os demais, sem notar a troca, justificaram com argumentos lógicos a razão da escolha. Os pesquisadores não encontraram diferenças significativas entre os motivos apresentados pelos que analisaram a foto certa, e os daqueles que avaliaram a falsa.

A Psicologia clássica considera que, em qualquer tomada de decisão, as informações disponíveis seriam processadas numa fase de deliberação, com a finalidade de selecionar a opção mais sensata. Psicólogos da Universidade de Pádua, na Itália, acabam de publicar na revista “Science”, um estudo que contesta essa hipótese.

 

Veja também: Demência e intelectualidade

 

Para avaliar os mecanismos envolvidos nas tomadas de decisão, os autores estudaram as diferenças existentes entre as associações mentais automáticas e os conceitos elaborados de forma consciente diante de um mesmo fato: estar a favor ou contra a controversa ampliação de uma base militar americana na cidade de Vicenza.

Associações mentais automáticas foram definidas como aquelas que vêm à mente sem haver intenção, difíceis de controlar, e que podem ocorrer sem que tenhamos consciência delas.

Com a ajuda da informática, os autores avaliaram as diferenças entre as atitudes associadas ao automatismo e aquelas tomadas como fruto do pensamento racional, elaborado nos domínios do consciente.

Os resultados revelaram existir divergências entre os indivíduos que de início se declararam a favor ou contra a ampliação, e os outros, indecisos.

A aplicação dos testes de associações mentais automáticas entre os indecisos, deixou claro ser possível antecipar a decisão que tomariam no final. O indeciso já sabe o que fará, mesmo que se considere conscientemente confuso e incapaz de decidir.

Imagine, leitor, uma eleição que ocorrerá dentro de dois meses, na qual você não saiba em quem votar: A ou B. Você ficará atento a tudo que for dito e escrito a respeito de cada um. Depois de dois meses de análise crítica, você chegará à conclusão de que o candidato B merece seu voto.

Você concluirá que a opção foi mediada por mecanismos racionais, conscientes. Errado, dizem os novos estudos. Se você tivesse sido submetido a testes de associação automática dois meses antes, já seria possível prever que seu voto iria para B.

E o que dizer dos argumentos a favor ou contra cada candidato avaliados com tanto rigor? Só serviram para justificar de forma lógica uma preferência já definida por processos mentais automáticos, dependentes do repertório de suas vivências anteriores.

Associações mentais automáticas têm o poder de distorcer as informações novas, de modo que elas se adaptem à escolha já realizada, sem que tenhamos consciência delas.

Não seria isso que minha avó chamava de intuição?

Compartilhe
Sair da versão mobile