Tricotilomania

Tricotilomania pode manifestar-se em diferentes graus: desde pequenas falhas nos cabelos até extensas áreas de calvície total. O sintoma característico da tricotilomania é o impulso incontrolável para arrancar os cabelos, prática precedida por nível crescente de ansiedade enquanto não o faz.

mão segurando tufos de cabelos

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Tricotilomania é uma desordem comportamental caracterizada pelo impulso incontrolável de arrancar pelos ou fios ou tufos de cabelo.

 

Tricotilomania (do grego trico=cabelo + tilo=puxar + mania) é uma desordem comportamental crônica, caracterizada pelo impulso recorrente e incontrolável de arrancar fios ou tufos de cabelos do couro cabeludo, sobrancelhas e cílios ou, com menor frequência, de qualquer outra região do corpo (braços, pernas, barba, tórax, púbis, etc.), o que resulta no aparecimento de uma falha capilar perceptível na região do corpo que sofreu a agressão. Os portadores do distúrbio se referem a um período de tensão crescente que antecede à pulsão de puxar e arrancar o pelo ou fio de cabelo, seguido por sensação de alívio e prazer, assim que o desejo é atendido.

Há casos em que o ato é consciente e, de certo modo, segue um ritual.  A pessoa seleciona os fios que pretende arrancar de acordo com um critério pré-estabelecido (cabelos brancos, rebeldes, crespos, muito finos ou grossos demais, por exemplo) e passa a puxá-los com as mãos, ou utilizando objetos que facilitem o processo, visando acalmar a pressão interna.  Parte dos portadores desse transtorno psiquiátrico, porém, age automaticamente, sem se dar conta do que está fazendo, ocupada e distraída que está com atividades sedentárias, como a leitura, a conversa ao telefone, o programa na TV ou a direção de um automóvel.

 

Veja também: Tiques, síndrome de Tourette e transtorno obsessivo-compulsivo

 

É comum encontrar pessoas que, depois de arrancarem o cabelo, tocam os lábios com ele, mordem a raiz, enrolam o fio nos dedos, gestos que lhes prolonga a sensação de alívio e conforto. Estudos clínicos sugerem que, aproximadamente 40% dos pacientes desenvolvem o hábito de engolir os fios, distúrbio que caracteriza a tricofagia. Como o estômago não tem a capacidade de digerir queratina, eles se acumulam no sistema digestório, chegando ao ponto de formar um bolo compacto, denominado tricobezoar, que bloqueia o trânsito gastrointestinal com consequências graves para a saúde e que pode levar a óbito.

 

Mecanismo de recompensa

 

Se por um lado, o fato de arrancar os fios de cabelo ativa o mecanismo cerebral da recompensa e dispara a sensação de prazer, que estimula a pessoa a repetir o procedimento, por outro representa uma forma de automutilação, na medida em que faz surgir áreas de calvície ou alopecia completamente desprovidas de cabelos ou pelos. Por estranho que possa parecer, essas falhas acabam virando motivo de constrangimento, culpa e vergonha e as pessoas tentam esconder ou disfarçar os pontos lesados usando bonés, lenços, mangas comprimidas, perucas ou valem-se de recursos cosméticos para disfarçá-los. Mesmo assim, a maioria não consegue evitar o impacto negativo que provocam no desempenho pessoal, profissional e nos relacionamentos, o que pode comprometer a qualidade de vida.

As pesquisas mostram que a tricotilomania (TTM) é um transtorno muito mais comum do que se imaginava no passado. Apesar de menos frequente na infância, o arrancar patológico dos cabelos afeta igualmente meninos e meninas.  É na adolescência, porém, entre os 11 e os 15 anos, que a pessoa se torna mais vulnerável ao surgimento do distúrbio, que acomete mais as mulheres do que os homens e pode instalar-se apenas na vida adulta.

Conhecida desde a Antiguidade, foi no final do século 19 que François Henri Hallopeau, médico dermatologista francês, registrou, pela primeira vez, o comportamento de um paciente que apresentava os sintomas típicos da doença. No entanto, foi só cem anos mais tarde, que a tricotilomania foi classificada e incluída no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, na categoria dos Transtornos dos Impulsos Não Classificados em Outro Local, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria.

 

Comorbidades

 

É preciso considerar que algumas condições psíquicas podem estar associadas aos quadros de tricotilomania. Em especial, é o caso dos distúrbios da ansiedade, acompanhados de altas cargas de estresse, depressão, problemas emocionais, com álcool e outras drogas e pelo transtorno obsessivo compulsivo (TOC). É importante registrar que, simultaneamente, algumas pessoas podem desenvolver mais de uma desordem dentro do espectro do transtorno do impulso, como a compulsão por compras, o jogo patológico, a cleptomania. Conhecidos como pacientes multi-impulsivos, são pessoas que não conseguem controlar o hábito que lhe traz alívio e prazer, sensação que dura pouco e os obriga a repetir o comportamento para livrar-se da tensão e ansiedade sempre crescentes.

A síndrome de Rapunzel é uma condição psiquiátrica rara, bastante grave, também correlacionada com a tricotilomania e a tricofagia. A doença acomete principalmente crianças e adolescentes do sexo feminino, e pode estender-se vida afora. É tamanha a quantidade de cabelos que essas pessoas conseguem ingerir, que uma bola compacta formada por um emaranhado de fios toma conta de todo o estômago e lança um prolongamento pelo intestino delgado e o cólon, provocando bloqueio gastrintestinal acompanhado de dores gástricas fortes, prisão de ventre, perda de peso, anemia, inapetência, enjoo e vômitos. Na maioria das vezes, o problema exige intervenção cirúrgica. Sem tratamento, a complicação pode evoluir para óbito.

 

Causas

 

Não existe uma causa única para a TTM. As pesquisas mostram que fatores genéticos, neurobiológicos e comportamentais podem estar envolvidos no aparecimento da desordem. O ligeiro aumento do número de casos observado numa mesma família sugere que possa ter caráter hereditário.

Estudos recentes levantam a possibilidade de que a tricotilomania ocorre por deficiência de alguns neurotransmissores relacionados com a impulsividade, entre eles, a serotonina, a noradrenalina e a dopamina.

 

Diagnóstico

 

Tudo leva a crer que a tricotilomania seja um transtorno subdiagnosticado. Primeiro: porque, por vergonha, culpa ou constrangimento, os pacientes demoram para procurar atendimento médico e, feito o diagnóstico, muitos nem sequer retornam para conversar sobre as possibilidades de tratamento. Segundo: porque, até mesmo entre os profissionais de saúde, falta a informação necessária sobre a doença e suas características.

O diagnóstico baseia-se especialmente na avaliação clínica do paciente, considerando alguns critérios que levam em conta os sinais e sintomas da doença, tais como:

  • Comportamento recorrente de arrancar os cabelos, que resulta em perda capilar perceptível;
  • Sensação de tensão crescente, imediatamente antes de arrancar os cabelos ou quando o paciente tenta resistir ao impulso;
  • Prazer, satisfação ou alívio depois de arrancar os cabelos.

É importante, também, estabelecer o diagnóstico diferencial com outros transtornos mentais ou com possíveis moléstias dermatológicas que justifiquem as áreas de perda de cabelos que, em geral, são irregulares e ocorrem mais do lado da mão com lateralidade dominante.

 

Sintomas

 

Como já foi dito, o sintoma característico da tricotilomania é o impulso incontrolável para arrancar os cabelos, prática precedida por nível crescente de ansiedade enquanto não o faz ou, então, quando tenta resistir à pulsão interna, seguida por sensação de alívio e prazer depois que os fios são arrancados.  Como o efeito é passageiro, a pessoa é levada a repetir o comportamento compulsivamente, o que resulta em perdas capilares extensas e evidentes, que podem trazer sofrimento e prejudicar o desempenho da pessoa em diferentes situações.

Além desses, há outros sinais correlacionados com a tricotilomania. Entre eles, vale destacar:

  • Falhas capilares que variam de tamanho, desde bem pequenas até extensas áreas de calvície; em geral, são lesões de formato irregular que ocorrem mais de um lado, exatamente no que corresponde  maior habilidade manual do paciente;
  • Comportamentos repetitivos, como morder, mastigar e engolir os fios arrancados;
  • Hábitos automutilantes associados, como roer as unhas, cutucar a pele (picking), morder os lábios;
  • Lesões dermatológicas e infecções nas áreas em que os pelos e cabelos são arrancados;
  • Tentativas fracassadas de controlar o processo compulsivo.

Observação: Formas mais graves do transtorno podem levar os doentes a puxarem e engolirem cabelos de outras pessoas, de animais de estimação e fios retirados de brinquedos ou de roupas de uso pessoal ou doméstico.

 

Tratamento

 

O tratamento da tricotilomania é multidisciplinar, ou seja, envolve profissionais de diferentes especialidades (dermatologistas, psicólogos, psiquiatras, clínicos, por exemplo).

Embora o assunto ainda demande estudos clínicos e epidemiológicos, a combinação da terapia cognitivo-comportamental (TCC) com alguns medicamentos antidepressivos e estabilizadores do humor tem sido utilizada para controle do impulso e alívio dos sintomas da TTM.

Basicamente, a proposta da terapia cognitivo-comportamental (TCC) é ensinar o paciente a reconhecer pensamentos e sentimentos distorcidos e negativos (cognição) que funcionam como gatilhos e induzem o comportamento compulsivo e indesejável de arrancar os cabelos, a fim de substituí-los por hábitos novos e inofensivos. Essa técnica recebe o nome especial de “treinamento para a reversão de hábitos” (HRT, do inglês habit reversal training). Paralelamente, o paciente é estimulado a realizar exercícios de relaxamento que ajudam a reduzir a tensão e favorecem o controle dos impulsos e a modificação do comportamento.

Grupos de apoio aos pacientes podem ser importantes para a adesão ao tratamento, que exige empenho e persistência, uma vez que os resultados demoram um pouco para aparecer.

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