memoria
Publicado em 27/12/2012
Revisado em 11/08/2020

A memória é a forma como o cérebro adquire e armazena informações, uma das funções mais complexas do organismo humano.

 

Há duas maneiras pelas quais o cérebro adquire e armazena informações: a memória de procedimento e a memória declarativa. Essas duas formas divergem tanto no que diz respeito aos mecanismos cerebrais envolvidos, como nas estruturas anatômicas.

A memória de procedimento (também chamada implícita) armazena dados relacionados à aquisição de habilidades mediante a repetição de uma atividade que segue sempre o mesmo padrão. Nela se incluem todas as habilidades motoras, sensitivas e intelectuais, bem como toda forma de condicionamento. A capacidade assim adquirida não depende da consciência. Somos capazes de executar tarefas, por vezes complexas, com nosso pensamento voltado para algo completamente diferente.

 

Veja também: Entrevista sobre memória com o neurocientista Ivan Izquierdo

 

Por outro lado, a memória declarativa (também chamada explícita) armazena e evoca informação de fatos e de dados levados ao nosso conhecimento através dos sentidos e de processos internos do cérebro, como associação de dados, dedução e criação de ideias. Esse tipo de memória é levado ao nível consciente através de proposições verbais, imagens, sons, etc. A memória declarativa inclui a memória de fatos vivenciados pela pessoa (memória episódica) e de informações adquiridas pela transmissão do saber de forma escrita, visual e sonora (memória semântica).

Analisando a memória quanto ao tempo de armazenamento das informações, pode-se classificá-la em memória de trabalho, memória de curto prazo e memória de longo prazo.

A memória de trabalho, que alguns acreditam ser parte da memória de curto prazo, atua no momento em que a informação está sendo adquirida, retém essa informação por alguns segundos e, então, a destina para ser guardada por períodos mais longos, ou a descarta. Quando alguém nos diz um número de telefone para ser discado, essa informação pode ser guardada, se for um número que nos interessará no futuro, ou ser prontamente descartada após o uso. A memória de trabalho pode, ainda, armazenar dados por via inconsciente.

A memória de curto prazo trabalha com dados por algumas horas até que sejam gravados de forma definitiva. Este tipo de memória é particularmente importante nos dados de cunho declarativo. Em caso de algum tipo de agressão ao cérebro, enquanto as informações estão armazenadas neste estágio da memória, ocorrerá sua perda irreparável.

A memória de longo prazo é a que retém de forma definitiva a informação, permitindo sua recuperação ou evocação. Nela estão contidos todos os nossos dados autobiográficos e todo nosso conhecimento. Sua capacidade é praticamente ilimitada.

Não há uma estrutura ou uma determinada porção do cérebro reconhecidamente depositária de informações, embora se acredite que o lobo temporal esteja envolvido com a memória dos eventos do passado. Entretanto, são conhecidas várias estruturas cerebrais envolvidas com a aquisição e o processo de armazenamento de dados.

 

MECANISMOS DA MEMÓRIA

 

Ainda não se conhece definitivamente o mecanismo, ou os mecanismos, pelo qual o cérebro adquire, armazena e evoca as informações. Não obstante, alguns modelos são propostos para explicar essa função do cérebro humano.

O primeiro dos modelos propostos tem como base a atividade elétrica cerebral. Assim, a informação seria guardada em circuitos elétricos, ditos reverberantes. Evidência desse mecanismo é obtida pela existência de conexões neuronais recorrentes, ou seja, por ramificações da célula nervosa (neurônio) que voltam ao seu próprio corpo, reestimulando-a. É possível que esse mecanismo esteja presente na manutenção das informações nas memórias de trabalho e de curto prazo.

O segundo modelo baseia-se na produção de substâncias químicas que conteriam um código relacionado às informações. Esse modelo supõe que os neurônios possam sintetizar ARN (ácido ribonucleico) e que essa substância conteria um código da memória da mesma forma que o ADN (ácido desoxirribonucleico) contém a codificação genética. Embora se tenha verificado aumento da síntese de ARN em fases de aprendizado, atualmente acredita-se que essa síntese seja responsável mais pelo funcionamento celular do que pela criação de um código químico, de forma a ter-se relegado a um segundo plano essa hipótese.

Outro modelo, conhecido por modelo conexionista, pressupõe a alteração das conexões entre os neurônios. Todos os neurônios emitem ramificações que se comunicam com as de outros neurônios, tendo umas, caráter estimulante e outras, caráter inibitório para a célula a que se destinam. A transmissão do impulso nervoso é feita no ponto de encontro dessas ramificações com a célula alvo, ponto esse denominado sinapse. A hipótese é que haveria alteração da função sináptica criando novos circuitos neuronais e seriam esses circuitos que codificariam as informações. Esse modelo tornou-se bastante plausível depois que se comprovou, experimentalmente, o aumento da resposta sináptica com a aplicação de estímulos repetitivos.

Assim, acredita-se que o substrato da memória é o aumento da função sináptica (hipertrofia) ou a criação de novas sinapses. Esse modelo é bastante interessante, pois, além de esclarecer como são guardadas as informações, permite explicar, também, a atenuação das lembranças, fenômeno conhecido por todos, e que ocorreria em virtude da diminuição da função sináptica causada pelo desuso.

 

AMNÉSIA

 

A amnésia é uma entidade patológica provocada por diversas causas em que o indivíduo perde a capacidade de reter informações novas (amnésia anterógrada) ou de evocar as antigas (amnésia retrógrada).

As amnésias são sempre causadas por agressões ao cérebro e podem ter caráter transitório ou permanente, sendo algumas delas destacadas a seguir:

1. Síndrome de Korsakoff – Doença descrita como decorrência do alcoolismo crônico pode, no entanto, ter outras causas. A amnésia é o sintoma predominante nessa síndrome, sendo caracteristicamente do tipo anterógrado.

2. Amnésia traumática –  Mesmo que não percam a consciência, pessoas que sofrem um trauma de crânio de certa intensidade, muito frequentemente, esquecem-se dos fatos que ocorreram minutos antes do trauma (amnésia retrógrada) e também, dos fatos que ocorreram após o trauma (amnésia anterógrada). Existe certa relação de proporcionalidade entre a intensidade do trauma e o tempo de amnésia.

3. Amnésia global – Esse tipo de amnésia está correlacionado com grave e difuso comprometimento cerebral. De forma definitiva, instala-se a amnésia tanto anterógrada quanto retrógrada, ou seja, o indivíduo perde a capacidade de reter novas informações e de evocar seu estoque antigo de informações. Tal situação ocorre em demências, traumas muito graves e intoxicações por monóxido de carbono.

4. Amnésia global transitória – Nessa situação, a amnésia dura algumas horas, não ultrapassando um dia, e a recuperação é completa. O indivíduo tem comportamento normal, mas não retém nenhuma informação durante o episódio, ou seja, apresenta amnésia anterógrada completa e essa lacuna na memória da pessoa permanece depois da recuperação. A causa desse distúrbio não está, ainda, totalmente esclarecida, mas parece estar ligada a uma isquemia transitória que afeta as partes internas do lobo temporal. Essa patologia tem curso benigno, sendo excepcional um segundo episódio.

5) Amnésia pós-operatória – Há cerca de 50 anos, um neurocirurgião americano, para poder tratar um paciente com crises convulsivas que não respondia ao tratamento com remédios, fez uma cirurgia para retirar, de ambos os lados, certas partes do lobo temporal (hipocampo e porção medial). Esse paciente obteve controle das crises, mas ficou com amnésia anterógrada muito intensa. Por isso, até hoje, existe a dúvida de que o benefício obtido tenha compensado, se considerarmos o déficit adquirido. Quanto à lembrança de fatos e conhecimentos anteriores à cirurgia, esse paciente não sofreu alteração.

 

ESQUECIMENTO

 

Ao contrário da amnésia em que há perda de uma capacidade, o esquecimento é uma falha na retenção ou na evocação dos dados da memória.

Trata-se de fenômeno muito comum que, em maior ou menor grau, ocorre com qualquer pessoa.

No entanto, é cada vez maior o número de pessoas que se sente incomodado com o problema e que busca solução.

A principal questão, no que se refere ao esquecimento, é determinar sua causa. Alguns postulam que ocorre uma debilitação dos traços de memória com o passar dos anos. Outros, no entanto, acreditam que novos conhecimentos podem interferir e prejudicar a memória.

O desuso provocaria um enfraquecimento dos circuitos da memória, conforme o modelo conexionista, tornando cada vez mais difícil o acesso a essas informações. Isso pode explicar parte do problema, mas não todo ele. É fato que, com o passar da idade, as pessoas têm mais dificuldade para lembrar fatos passados, mas essa dificuldade é mais intensa em relação aos fatos recentes, enquanto fatos remotos marcantes, ainda que não utilizados com frequência, podem ser lembrados facilmente, inclusive em detalhes.

Considerando-se o processo de interferência, sabe-se que um novo aprendizado pode interferir com um antigo que lhe guarde alguma semelhança ou que lhe possa ser associado. Assim, a cada nova informação haveria modificação naquelas já sedimentadas. O acúmulo de informações, ao longo do tempo, faria com que pessoas de mais idade tivessem maior dificuldade em relação à evocação da memória.

Nenhuma dessas causas explica totalmente a ocorrência do esquecimento, mas não podem ser descartadas como componentes do problema.Há, no entanto, outro aspecto importante a ser considerado.

Não é possível evocar uma informação, se ela não foi devidamente arquivada. Para que o ser humano possa reter na memória  determinada informação, é necessário que sua atenção esteja voltada para isso. Sem atenção, não há qualquer possibilidade de guardar-se um fato e, sem guardá-lo, não há como recuperá-lo depois.

O combate ao esquecimento deve levar em conta a atenção e o poder de concentração, bem como os fatores que o facilitam ou o dificultam. Também se deve atentar para os fenômenos do desuso e da interferência de novos aprendizados.

 

Veja também: Memória/Esquecimento

 

FATORES INTERFERENTES

 

O cérebro humano está sujeito a estímulos externos através dos sentidos, a estímulos internos advindos do organismo e a estímulos de ordem emocional. Há quem acredite que o ser humano só consegue pensar, porque há interação desses estímulos. Com a atenção e o poder de concentração não é diferente. Assim, há fatores externos e internos que facilitam ou dificultam a atenção.

O interesse pessoal sobre determinado assunto faz com que certas pessoas possam quase que decorar informações com uma única e simples leitura. É de conhecimento geral que quanto maior o interesse, mais facilmente se aprende.

A vivência de fatos com alta carga emocional faz com que os mesmos permaneçam para sempre na memória. São os chamados fatos marcantes na vida de uma pessoa que, mesmo ocorrendo uma única vez, não são jamais esquecidos.

Por outro lado, as preocupações com os problemas diários, a ansiedade e, em muitos casos, a depressão, são fatores que turvam a atenção e, como consequência, impedem a retenção de informações novas, gerando a impressão de que a “memória está falhando”.

Esses fatores, em geral, não afetam diretamente a memória, mas, sim, a atenção e a concentração. No entanto, quando muito intensos, podem provocar alterações temporárias da memória. É o caso dos conhecidos “brancos” que ocorrem em situações de ansiedade intensa.

Há, ainda, um outro fator ao qual se começa a dar atenção. Trata-se da relação e possível interferência entre as memórias explícitas e implícitas.

Toda atividade humana, inclusive as puramente intelectuais, tendem a ser automatizadas. Muitas de nossas atividades são repetidas diariamente e, ao longo do tempo, vão deixando de ser conscientes, passando a ser executadas sem que dediquemos a elas a menor atenção. Com o avançar da idade, a maioria das pessoas começa a executar só atividades e tarefas que já realizou um sem-número de vezes. Isso, evidentemente, dificulta manter a atenção e, consequentemente, a retenção na memória dos fatos ocorridos e das informações veiculadas nesse período.

Esse fenômeno é mais comum do que se imagina, e tem como exemplo a leitura automática, em que o leitor ao cabo de uma página não consegue se lembrar de uma linha sequer.

A maioria das pessoas com problema de esquecimento, na realidade, nada tem de errado com sua memória, mas, sim, com os mecanismos que levam a informação até a memória.

 

A MEMÓRIA HUMANA E A ESCRITA

 

O ser humano desenvolveu a capacidade de transmitir conhecimento a seus semelhantes. Talvez tenha sido essa capacidade que permitiu sua sobrevivência como espécie e, certamente, foi ela que lhe deu a supremacia na escala evolutiva.

Nos primórdios da civilização, bastou que esse conhecimento fosse transmitido por uma linguagem que misturava sons e gestos. Como isso era transmitido de geração em geração e como quem conta um conto aumenta um ponto, criaram-se histórias fantásticas. Surgiram as lendas das quais até hoje temos notícia.
Durante a era do gelo, a humanidade sobreviveu graças à caça de grandes animais, mas essa fase terminou. O ambiente mudou radicalmente e o ser humano foi obrigado a encontrar outras fontes de alimentação. Daí, surgiu a agricultura e, com ela, a sedentarização, a organização social em cidades e o acúmulo de riquezas.

A humanidade percebeu que não havia mais como confiar somente na memória e, por volta do ano 3.100 a.C., surgiu a escrita. No princípio, era um simples rol de riquezas estocadas em armazéns, mas logo o homem começou a usá-la com finalidade religiosa, cultural e comercial.

Com o grande salto cultural dado pelos gregos no período clássico, a escrita tornou-se o principal instrumento na transmissão do saber e, paralelamente, um instrumento de poder político.

No entanto, a escrita não foi aceita por todos. Platão, através de Sócrates em seu diálogo com Fedro, nos traz ao conhecimento uma lenda egípcia. Thot, deus a quem era consagrada a ave íbis, inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas, os dados e a escrita. Durante o reinado de Tamuz, o deus ofereceu-lhe suas invenções, dizendo-lhe para ensiná-las a todos os egípcios. Mas Tamuz quis saber de suas utilidades e, enquanto o deus explicava, o faraó censurava ou elogiava, conforme essas artes lhe parecessem boas ou más.

Quando chegaram à escrita, Thot disse que aquela arte tornaria os egípcios mais sábios e lhes fortaleceria a memória. No entanto, Tamuz respondeu-lhe que a escrita tornaria os homens esquecidos, pois deixariam de cultivar a memória. Ao confiar apenas nos livros, só se lembrariam de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Os homens tornar-se-iam sábios imaginários.

Nesse mesmo diálogo, Sócrates considera a escrita como algo que limita o pensamento, que engessa as ideias. Um discurso escrito, dizia ele, será sempre o mesmo, repetido inúmeras vezes sem que se lhe possa agregar novas ideias.

Ironicamente, se hoje sabemos muito da filosofia de Sócrates, é porque Platão a escreveu.

Analisando a questão frente a nossos conhecimentos sobre a memória humana, podemos, no entanto, afirmar que escrever é uma forma salutar de ampliar nosso banco de dados. Salutar, porque é preciso esquecer para poder lembrar. Explicando: nossa memória não pode guardar absolutamente todas as informações que lhe chegam, sob risco de bloqueio. É armazenando somente o que interessa e associando convenientemente os dados estocados que a memória pode ser evocada.

De qualquer forma, a escrita está aí, imutável ao longo do tempo (a não ser, claro, em algumas dessas péssimas traduções com que por vezes nos deparamos), pronta para ser consultada quando precisamos e, sobretudo, liberando o cérebro humano para a associação dos conhecimentos armazenados e a criação de novas ideias.

A título de ilustração, sabe-se que, com treinamento intenso e adequado, uma pessoa pode reter uma sequência de 50, 100 algarismos. No entanto, com papel e lápis, qualquer um terá a mesma sequência guardada, com um mínimo de esforço.

Finalizando, não podemos nos esquecer do que dizia Confúcio… Bem, ele dizia… O que mesmo ele dizia?… Acho que me esqueci, teria sido melhor escrever.

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