Brasil avança lentamente na vacinação contra a covid-19 e CPI deixa cada vez mais evidente que o país demorou para comprar imunizantes
No dia 13/5/2020, a CPI da Covid recebeu, em Brasília, Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer e atual gerente-geral da empresa na América Latina, para que explicitasse aos senadores como se deram as negociações de compra do imunizante do laboratório americano com o Brasil. O depoimento do executivo foi importante porque deixou claro que a farmacêutica tentou, sem sucesso, vender sua vacina para o país logo que teve condições para fazê-lo.
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O Brasil, no entanto, desperdiçou diversas oportunidades de adquirir vacinas de vários laboratórios, e resolveu apostar suas fichas em apenas um imunizante, desenvolvido pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Isso contraria a orientação de especialistas de diversos países, que afirmam que em momento de escassez e em meio a uma pandemia dessas proporções, é preciso adquirir o maior número possível de imunizantes de laboratórios diversificados para ampliar a oferta e evitar apagões na vacinação, caso haja atraso nas entregas.
Vários países, como Chile, Estados Unidos, Reino Unido e integrantes da União Europeia começaram as negociações no primeiro semestre de 2020, quando as vacinas ainda estavam em fase de testes. Não havia, portanto, garantia de que os imunizantes seriam seguros e eficazes contra a covid-19, mas os governos resolveram apostar para garantir acesso às doses.
Todos os países que hoje contam com uma oferta maior de vacinas fecharam as compras em 2020. Com a demora, o Brasil acabou ficando para trás na fila e hoje soma mais de 450 mil mortos pela doença. É preciso lembrar que o mundo todo tem interesse nas vacinas. Quem firmou contrato primeiro, recebeu antes. Simples assim.
Pfizer
Logo no início do depoimento do dia 13/5, o executivo Carlos Murillo revelou que a Pfizer tinha interesse em vender vacina para o Brasil, um país com uma população de mais de 200 milhões de habitantes e que conta com ampla cobertura vacinal. Assim, tratou com prioridade as negociações com o governo desde maio e junho de 2020, mesmo período em que começou a negociar com Estados Unidos e outros países da União Europeia.
A primeira proposta falava em 30 milhões de doses, que logo subiram para 70 milhões, com previsão de entrega a partir de dezembro de 2020. Sem resposta, o presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, enviou, em setembro do mesmo ano, uma carta ao presidente da República, com cópia a outras autoridades, entre elas o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Economia Paulo Guedes, também sem resposta.
Uma das propostas feitas pela farmacêutica norte-americana em 26/8/20 incluía o envio de 1,5 milhão de doses em dezembro daquele ano, seguidas de mais 17 milhões no primeiro semestre e 51,5 milhões no segundo semestre de 2021, totalizando 70 milhões de doses. A proposta tinha validade de 15 dias, mas o governo não respondeu.
A Pfizer entregou à CPI uma série de emails em que a farmacêutica cobra resposta do governo brasileiro. Foram ao menos dez mensagens entre 14 de agosto e 12 de setembro de 2020, mas os contatos entre a farmacêutica e o governo só se intensificaram no fim de outubro.
Assim, o Brasil passou para o fim da fila de prioridades para o laboratório. O primeiro acordo com a Pfizer, que inclui a entrega de 100 milhões de doses, só foi firmado no dia 19/3/2021. Um segundo acordo, de mais 100 milhões de doses que devem ser entregues até dezembro deste ano, foi fechado em 6/5/2021.
Uma das justificativas do governo para a demora para fechar o acordo foi que as leis brasileiras não permitiam que o país assumisse a responsabilidade civil em relação a efeitos adversos pós-vacinação, exigência da farmacêutica em todas as suas propostas. Para facilitar as negociações, foi aprovada a lei nº 14.125, de 10/3/2021.
Para Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de Paris, não havia a necessidade da lei para que o governo firmasse o acordo de compra. “Quando o Estado compra uma vacina, aquilo passa a ser visto como uma política pública. Assim o consumidor passa a ser o Estado, ele tem a responsabilidade civil, pois política pública já cria nexo causal entre eventual dano. A lei não era necessária.”
Outra justificativa, de que a Anvisa não havia, à época, aprovado o uso emergencial, também não cabe aqui, já que o próprio governo fechou acordos de compra de outras vacinas que ainda não foram aprovadas pela agência reguladora, conforme veremos a seguir. A Anvisa concedeu registro permanente para a vacina da Pfizer em 22/2/2021.
AstraZeneca/Oxford/Fiocruz
A vacina desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford e a Fiocruz foi a principal aposta do governo brasileiro, embora especialistas do mundo todo tenham alertado os países para que investissem na compra de mais de uma vacina, visto que nenhum laboratório teria condições de oferecer todas as vacinas a praticamente nenhum país.
O acordo de cooperação Brasil – Reino Unido para a produção de vacinas contra a covid-19 e a transferência de tecnologia para o país foi fechado em junho de 2020, antes, portanto, da aprovação do uso emergencial da vacina, que só ocorreu em janeiro de 2020.
O contrato com a AstraZeneca prevê a entrega de 210,4 milhões de doses no total. Cerca de 100 milhões estavam previstos para o primeiro trimestre. Até agora, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) já recebeu 40 milhões de doses da vacina. Desse total, 36,2 milhões foram produzidas no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Outros 4 milhões de doses da vacina foram importadas da Índia.
No dia 20/5/2021, a Fiocruz informou que interromperia temporariamente a produção da vacina por atraso de entrega do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Dois dias depois foram entregues dois lotes do insumo, suficientes para produzir 12 milhões de doses.
CoronaVac
A vacina do laboratório chinês Sinovac desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan foi motivo de disputa política entre o presidente da República Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo João Doria.
Segundo o diretor do Butantan, Dimas Covas, o governo federal recusou seis propostas de compra, que começaram a ser feitas em julho de 2020. Uma delas, realizada em 18/8/2020, incluía a entrega de 45 milhões de doses ainda em dezembro de 2020 e de mais 15 milhões no primeiro trimestre de 2021.
O governo só manifestou a possibilidade de adquirir a vacina em dezembro de 2020, depois que o governo de São Paulo anunciou que compraria as vacinas e iniciaria a vacinação no estado em janeiro de 2021.
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O governo federal fechou acordo de compra de 100 milhões de doses em 17/1/2021; posteriormente, foi acertada a compra de mais 30 milhões. Hoje a CoronaVac é a vacina mais usada no país (representa mais de 70% de todas as vacinas aplicadas).
No entanto, o Instituto Butantan também precisou interromper a produção da vacina por conta do atraso na entrega dos IFAs. Covas deu várias entrevistas afirmando que as declarações feitas pelo presidente da República acerca da China dificultam a burocracia para a aquisição dos insumos e geram atraso no cronograma.
Em um evento no Palácio do Planalto em 5/5/2021, o presidente. da República disse: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí, os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica.. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”.
Embora não tenha citado nominalmente o país, representantes do governo chinês manifestaram incômodo diante das declarações do presidente brasileiro.
Covax Facility
A aliança entre mais de 150 países, liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o intuito de acelerar a vacinação no mundo, permitia aos membros a compra de doses suficientes para vacinar até 50% de suas populações, mas o governo brasileiro optou, em agosto de 2020, por doses para imunizar 20% da população, total que foi reduzido, em setembro do mesmo ano, para 10%, cota mínima oferecida pelo consórcio.
Segundo o diretor-geral da OMS Tedros Adhanom, o Brasil só aderiu ao consórcio no terceiro convite para a aquisição das doses. Em outubro de 2020, o governo anunciou que adquiriria 42,5 milhões de doses do consórcio.
A CPI apura os motivos que levaram o governo brasileiro a optar pela cota mínima.
Janssen
O governo federal assinou contrato com a Johnson & Johnson para a compra de 38 milhões de doses da Janssen, que devem começar a ser entregues no segundo semestre deste ano, em 19/3/2021.
Essa é a única vacina contra a covid-19 que requer apenas uma dose para imunização.
Moderna
Em março de 2021, o laboratório Moderna fez uma proposta ao governo de 13 milhões de doses, com previsão de entrega a partir de agosto, mas as negociações não avançaram à época.
O atual ministro da Saúde Marcelo Queiroga afirmou em entrevistas que o governo deve fechar acordo com a farmacêutica norte-americana em breve.
Sputnik V e Covaxin
Apesar de a Anvisa ainda não ter aprovado o uso emergencial da vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya e o Fundo de Investimento Direto da Rússia, o Brasil fechou acordo de compra de 10 milhões de doses do imunizante em março de 2021.
Já da vacina Covaxin, desenvolvida pela empresa de biotecnologia indiana Bharat Biotech, o Brasil comprou 20 milhões de doses em fevereiro deste ano. A Anvisa negou o primeiro pedido de importação feito em 31/2/2021 e analisa um segundo pedido, protocolado pelo Ministério da Saúde em 24/3/2021.
A Anvisa autorizou testes de fase 3 da Covaxin no Brasil em 13/5/2021.