Estudo registrou, pela primeira vez, o movimento inicial das células cardíacas. Entenda como o coração é formado e qual é a importância de pesquisas como essa.
Recentemente, pesquisadores da University College London (UCL), da Inglaterra, registraram em time-lapse o momento em que um coração começa a se formar. O processo já era conhecido pela ciência, mas foi a primeira vez que foi possível visualizá-lo. O estudo, feito a partir de um embrião de camundongo vivo, abriu espaço para entender e prevenir malformações ao longo desse percurso.
Das células ao batimento cardíaco: como o coração se forma?
“O processo começa desde o momento da concepção. O embrião já carrega uma carga genética que determina, em grande parte, como as células vão se organizar e se diferenciar. Existe uma sequência pré-determinada para o surgimento e movimentação dessas células”, explica Ana Paula Damiani, assessora científica da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP).
A gastrulação, fase registrada pelo estudo britânico, começa com cerca de 15 dias de gestação, antes mesmo de a mulher saber que está grávida. Ou seja, quando a gestante descobre a gravidez, o coração do embrião já começou a se formar.
O estudo utilizou um marcador fluorescente nessas células e registrou imagens a cada dois minutos durante 40 horas para criar o vídeo capaz de registrar as células se multiplicando, movendo-se e se organizando.
“As primeiras células do coração se movimentam e definem seus destinos muito antes do coração estar formado. Ao observar células individuais em tempo real, os pesquisadores descobriram que as células destinadas a formar diferentes partes do coração, como os átrios ou ventrículos, iniciam suas jornadas e decisões muito mais cedo do que se imaginava”, afirma Roberto Kalil, presidente do Conselho Diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Com o tempo, essas células se diferenciam em estruturas essenciais do coração, como as câmaras, válvulas e artérias. Por volta da sexta semana de gestação, o embrião ainda tem apenas 7 milímetros (o tamanho de um grão de arroz), mas o coração já começa a apresentar movimentos de contração. Esse é o batimento cardíaco que pode ser ouvido pelo ultrassom.
“A estrutura básica do coração está praticamente completa por volta da sétima semana. Depois disso, o que acontece é crescimento: aumento do tamanho, do número de células e da potência de contração. A circulação também se desenvolve mais, com o surgimento do fluxo sanguíneo e da placenta. Mas a base já está ali”, diz a dra. Ana Paula.
Cardiopatias: quando elas surgem?
É na fase de formação do coração que ocorre boa parte das malformações. Muitas têm origem genética, isto é, a conformação do coração já está pré-estabelecida. Outras podem acontecer por interferências externas durante, principalmente, o primeiro trimestre da gestação.
“Por exemplo, se a mulher não sabe que está grávida e, nesse início [da gestação], usa alguma medicação contraindicada ou apresenta condições como diabetes mal controlado, isso pode afetar essa migração celular tão delicada e causar malformações”, alerta a cardiologista.
A maioria das cardiopatias pode ser detectada a partir do primeiro ultrassom morfológico, feito entre 11 e 14 semanas. O exame morfológico é essencial durante o pré-natal e permite avaliar tanto a anatomia quanto a função cardíaca do feto. Exames mais específicos, como o ecocardiograma fetal, também podem ser indicados.
O estudo do University College London, além de inovador, também contribui para a identificação precoce desse tipo de malformações.
“Essas descobertas oferecem um mapa detalhado de como o coração começa a se formar a partir de um grupo aparentemente desorganizado de células. No futuro, esse conhecimento poderá nos ajudar a entender melhor as origens das cardiopatias congênitas e talvez orientar o desenvolvimento de terapias para corrigi-las ou preveni-las ainda antes do nascimento”, afirma o dr. Roberto Kalil.
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