Conheça os principais fatores de risco do infarto e saiba que medidas adotar para se prevenir.
Drauzio – Que fatores aumentam o risco de infarto do miocárdio?
Edson Stefanini – O infarto do miocárdio é uma doença multifatorial, ou seja, uma doença provocada por diversos fatores que agem conjunta e simultaneamente. Entre eles, destacam-se:
- Hereditariedade: se na família existirem parentes próximos que tiveram infarto, angina ou foram operados do coração antes dos 60 anos, é preciso estar atento, porque aspectos genéticos são relevantes para o desenvolvimento da doença;
- Pressão arterial: controlar a pressão arterial e mantê-la em níveis adequados é fundamental para prevenir doenças cardíacas. Considera-se pressão arterial normal a que se encontra entre a máxima de 12 e a mínima de 8;
- Diabetes: o controle da glicemia (nível de açúcar no sangue) é indispensável, especialmente se a pessoa já for portadora da doença. Os diabéticos, às vezes, sofrem infartos subclínicos, que não provocam o sintoma convencional de dor no peito. Nesses casos, mal-estar, sudorese, náuseas e até vômitos são atribuídos a algum problema de menor importância;
- Colesterol: o controle do metabolismo das gorduras tem de ser sistemático e permanente. Existem medicamentos eficazes que ajudam manter o valor do colesterol total abaixo de 200 e elevar o nível de sua fração protetora, o HDL, conhecido como o bom colesterol. Exercícios físicos favorecem o aumento do HDL; o cigarro o diminui;
- Triglicérides: em geral, os triglicérides sobem quando há aumento da ingestão de carboidratos;
- Tabagismo: a nicotina é um dos mais agressivos fatores de risco das doenças cardiovasculares. Ficar longe do cigarro é a única opção para quem quer e precisa prevenir-se.
METABOLISMO DO COLESTEROL
Drauzio – Conheci um homem fortíssimo, com mais de 60 anos, que praticava halterofilismo desde menino. Seu colesterol era bem baixo: 138, se não me engano. Numa consulta, perguntou se poderia continuar comendo ovos. Não vi nenhum empecilho. Seu colesterol era seguidamente controlado e nunca tinha apresentado alterações. Por mera curiosidade, quis saber quantos ovos comia e fiquei atônito com a resposta: uma dúzia por dia, porque faço muito exercício e a proteína dos ovos me ajuda a manter a musculatura. Soube depois que, desde os 25 anos, mantinha essa dieta sem reflexo algum nos valores do colesterol. Fato semelhante ocorre com algumas pessoas obesas. No entanto, encontrei gente que apresenta aumento do colesterol se comer um único ovo ou engordar um pouquinho. O que demonstram casos como esses?
Edson Stefanini – Nem sempre é verdadeira a ideia de que quem come muita carne, muita gordura, muito ovo, engorda ou tem colesterol elevado. Pessoas, cujo fígado metabolize bem esse excesso de gordura, não apresentam alterações significativas nos níveis do colesterol no sangue. Entretanto, existem outras que, apesar da dieta restrita e equilibrada, possuem colesterol elevado, porque suas funções hepáticas são desfavoráveis ao metabolismo das gorduras. Essas precisam ser medicadas. É importante deixar isso bem claro, pois é falsa a ideia de que quem é magro, faz exercícios e observa uma dieta pobre em gorduras não precisa avaliar a dosagem do colesterol no sangue.
ESTRESSE
Drauzio – O estresse também é indicado como um dos fatores responsáveis pelo infarto. No entanto, como não ficar estressado se vivemos numa cidade caótica, trabalhando mais de 12 horas por dia?
Edson Stefanini – Inúmeras são as manifestações orgânicas provocadas pelo estresse. Além de úlcera, hipertensão, queda de cabelo, o estresse pode aumentar a probabilidade de manifestação das doenças coronarianas, desde que associado a outros fatores de risco. Muitos me perguntam se estresse pode causar morte súbita por infarto. De certa forma, ele pode ser o empurrãozinho que faltava. Se já existia predisposição anterior em virtude da existência dos outros fatores, estresse muito violento pode ser fatal. Por isso, como medida preventiva, a orientação dada aos pacientes é evitar situações que habitualmente provoquem tensão. Não é fácil, mas é possível. Organizar melhor os horários, tentar resolver os problemas pendentes, deixando de lado os que não conseguimos resolver, talvez seja um bom começo.
Drauzio – Diante de uma pessoa evidentemente estressada, quantas vezes não recomendei que tirasse férias, se afastasse dos problemas, procurasse viver mais tranquila. Recomendei o que não faço, porque é difícil ficar indiferente ao que se passa ao redor. Entretanto, o estresse é um mecanismo criado pela natureza visando à sobrevivência e a teoria da evolução explica por que não desapareceu. Quem não se estressava ficava olhando o leão aproximar-se e era comido por ele. Hoje, a ameaça não se reduz a momentos esparsos de grande tensão. Transformou-se no cerco diário representado por contas a pagar, promissórias a serem quitadas, cara feia do chefe, desentendimentos familiares e violência urbana. Esse estado de pressão permanente acelera o pulso, a frequência cardíaca e piora a irrigação do miocárdio. Que peso tem o exercício físico para reduzir o estresse já que não se consegue evitar as atribulações do dia a dia?
Edson Stefanini – A experiência clínica tem demonstrado as vantagens da atividade física diária no controle do nível de estresse. Não há necessidade de ser um exercício intenso como correr a maratona. Basta meia hora por dia, pelo menos quatro vezes por semana, e o nível de tensão cai consideravelmente. Os benefícios não são apenas físicos. Concomitantemente, ocorre um relaxamento psíquico e emocional que faz as pessoas se sentirem com mais pique para encarar o dia a dia.
Além disso, estudos comprovam que a probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares é menor em quem se exercita regularmente. Em se tratando de hipertensos, por exemplo, a atividade física ajuda a controlar a pressão arterial. Esses pacientes, porém, precisam estar sob supervisão médica. Se o indivíduo já apresenta fatores de risco coronarianos, não pode sair por aí correndo ou entrar numa academia sem avaliação prévia de suas condições orgânicas. É preciso verificar a pressão arterial, fazer eletrocardiograma e teste ergométrico a fim de analisar sua performance quando submetido a esforço. Alterações importantes no eletrocardiograma e na pressão arterial podem significar deficiência coronariana ou cardiopatia isquêmica. Os portadores dessas patologias exigem orientação meticulosa antes de aderirem ao programa de condicionamento físico essencial ao tratamento. Exercícios são indicados, também, para quem sofreu infarto agudo do miocárdio, não só como parte do processo de reabilitação, mas como prescrição terapêutica durante o acompanhamento clínico posterior, que precisa ser mantido indefinidamente.
TABAGISMO
Drauzio – Não se pode contestar que o cigarro está incluído entre os fatores de risco das doenças cardíacas. Muitos fumantes jovens (chamo de jovens os que estão entre 35 e 50 anos) têm infarto do miocárdio. Que peso tem o cigarro nessa fatalidade?
Edson Stefanini – O tabagismo é considerado um dos mais importantes fatores de risco do infarto. Por isso, procura-se combater, com veemência, o cigarro, principalmente nas pessoas que além de fumantes apresentam outros fatores de risco para as doenças coronarianas. Não podemos mudar de pais nem as características que deles herdamos, mas podemos afastar os danos que o fumo traz consigo. A medicina moderna já oferece alguns recursos para combater a dependência de nicotina.
Drauzio – Você poderia explicar o que acontece com a coronária quando o fumante dá uma tragada?
Edson Stefanini – O cigarro contribui para a aceleração da aterosclerose e para tornar mais instáveis os quadros de insuficiência coronariana. A nicotina aumenta a frequência cardíaca e a probabilidade de espasmo dos vasos sanguíneos. Aumenta, também, a predisposição da placa aterosclerótica para formar coágulos. Portanto, o risco de o fumante ter infartos e anginas é altíssimo.
Drauzio – Se uma pessoa, que fumou durante 20 anos, deixar de fumar, quanto tempo leva para desaparecerem os efeitos da nicotina sobre o coração?
Edson Stefanini – Os efeitos agudos da nicotina desaparecem logo. Naturalmente o fato de a pessoa ter fumado durante 20 anos deixou sequelas no organismo. Por exemplo, placas ateroscleróticas podem ter-se formado, mas a probabilidade de permanecerem estáveis aumenta muito, se a pessoa deixar de fumar. Por outro lado, se outros fatores de risco estiverem fora de controle, fumar acelera a desestabilização da placa e o aparecimento de quadros agudos coronarianos, como dores no peito, angina, infarto agudo do miocárdio e até morte súbita.
Drauzio – É importante esclarecer que fumam muito não só quem fuma dois ou três maços, mas as pessoas que fumam mais de cinco cigarros por dia. Como podem os médicos auxiliar os pacientes a vencer a dependência do fumo?
Edson Stefanini – Atualmente se procura convencer a pessoa de que não há outra saída a não ser parar de fumar. É frequente ouvirmos, no consultório, que alguém fumava dois maços por dia e que agora fuma um ou outro cigarro. Infelizmente, esse propósito é transitório porque, sem que se dê conta, logo terá voltado a fumar um maço, um maço e meio por dia. Por isso, a solução não admite meios termos. É preciso abandonar de vez o cigarro. Os médicos, além de aconselhamento e orientação psicológica, podem intervir farmacologicamente prescrevendo medicamentos. Existem adesivos de nicotina que ajudam a diminuir os efeitos da síndrome de abstinência. A nicotina é uma droga poderosa que provoca dependência física brutal. Quando o fumante para repentinamente de fumar, por alguns dias pode sentir-se muito mal, ficar ansioso, desesperado mesmo. Por isso, parar de fumar é tão penoso quanto se livrar de qualquer outra dependência química.
Drauzio – É revoltante pensar que o público alvo da publicidade do cigarro é a criança. Se elas soubessem como sofrerão para libertar-se dessa dependência, jamais poriam um cigarro na boca. Toda droga tem sua armadilha; a da nicotina é o primeiro cigarro.
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
Drauzio – Até este ponto da entrevista falamos mais da prevenção do infarto. Fale um pouco sobre o que devem fazer os pacientes que já tiveram infarto e temem ter outro?
Edson Stefanini – Embora fosse maravilhoso, é utópico imaginar que poderíamos detectar e combater os fatores de risco na população como um todo. Por isso, a grande batalha do cardiologista concentra-se na prevenção secundária, isto é, no atendimento a pessoas que já tiveram uma doença coronariana – angina, arritmia, infarto do miocárdio – ou fizeram cateterismo. Vencida a fase aguda da doença, elas entram num programa de prevenção secundária, ou seja, identificação e controle de todos os fatores de risco. Se forem fumantes, não têm escolha: precisam parar de fumar.
Hipertensão, diabetes, níveis elevados de colesterol recebem atenção e cuidados específicos. Procura-se orientar esses pacientes em relação ao nível de estresse, pois devem redimensionar as atividades e descobrir uma forma menos desgastante de encarar os problemas do dia a dia.
Pessoas com problemas coronarianos recebem obrigatoriamente um esquema de exercícios físicos que vai desde de um programa sofisticado realizado em academias especializadas na reabilitação de doentes cardiopatas, até os mais simples, como caminhar pelas ruas ou parques. Nos dois casos, porém, o acompanhamento médico é indispensável para estabelecer o nível de esforço adequado para cada uma.
Basicamente é esse o programa a que se submete uma pessoa que já sofreu infarto agudo do miocárdio. Observá-lo é fundamental, pois o controle dos fatores de risco pode prevenir um novo acidente vascular. Além disso, também previne sintomas de angina que podem requerer hospitalização, angioplastias ou cirurgias de revascularização.
Drauzio – Muita gente toma o primeiro infarto como aviso de que algo grave pode acontecer a qualquer momento. Na sua experiência como cardiologista, a vida dessa gente muda radicalmente para melhor ou, como suicidas, muitos repetem os mesmos erros?
Edson Stefanini – Temos alguns exemplos de pessoas estressadas que viviam num redemoinho. Trabalhavam em quatro ou cinco lugares diferentes, fumavam muito, estavam acima do peso, não controlavam os níveis de colesterol nem do açúcar e tinham antecedentes familiares de infarto do miocárdio. Depois do primeiro infarto, felizmente pequeno e com sequelas menos significativas, essas pessoas realmente mudaram de vida. Passaram a controlar os fatores de risco, diminuíram o ritmo das atividades, dedicaram pelo menos duas horas por dia ao lazer e transformaram-se em símbolos do consultório. O problema é que nem sempre é assim. Muitas, passado o susto inicial, retomam os hábitos antigos e, na maioria das vezes, arcam com consequências que poderiam ser evitadas.
Drauzio – Certa vez, perguntei, ao dr. Sérgio Simon, médico cancerologista, se pudesse escolher, preferiria morrer de câncer ou de infarto. Dr. Sérgio respondeu que preferia morrer de câncer. E você, como escolheria morrer?
Edson Stefanini – Eu preferiria não escolher nenhuma das alternativas. Todavia, tenho a impressão de que a morte súbita é uma forma menos sofrida de morrer. Uma vez obrigado a escolher, acho que seria essa minha opção.