Monkeypox: existe uma vacina disponível para a doença?

Acredita-se que a vacina da varíola humana pode ser usada no combate à monkeypox, mas ainda faltam dados sobre a sua eficácia. Entenda.

Atualmente, existe um único imunizante autorizado. No entanto, a Organização Mundial da Saúde exige mais dados para comprovar a eficiência da vacina para monkeypox.

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Publicado em: 17 de agosto de 2022

Revisado em: 8 de setembro de 2022

Atualmente, existe um único imunizante autorizado. No entanto, a Organização Mundial da Saúde exige mais dados para comprovar a eficácia da vacina para monkeypox.

 

O smallpox, vírus da varíola humana, e o monkeypox, vírus da varíola dos macacos, são praticamente irmãos. Cientificamente falando, eles pertencem ao mesmo gênero, à mesma família e compartilham uma semelhança genética de quase 90%. Na prática, isso significa que medicamentos e vacinas utilizados para proteger contra a varíola humana também poderiam funcionar na prevenção da varíola dos macacos. 

Mas, se já conseguimos erradicar a varíola humana com campanhas de vacinação no passado, por que atualmente não temos vacinas para proteger a população contra o monkeypox

Para responder a essa pergunta, é preciso entender onde a história dessas duas doenças se entrelaça.

        Veja também: 11 perguntas e respostas sobre a varíola dos macacos

 

Vacinas contra a varíola humana

Dois anos depois de o médico inglês Edward Jenner inocular o vírus da varíola, pesquisadores desenvolveram as primeiras vacinas contra a doença. Ao longo do tempo, surgiram os imunizantes de segunda e terceira geração, ou seja, com técnicas de proteção mais avançadas. Os principais são:

 

ACAM-2000 (2° geração)

A ACAM-2000 é uma vacina atualmente fabricada pela americana Emergent BioSolutions. Ela é feita com o vírus vivo que ainda tem a capacidade de se multiplicar, porém sem causar a doença. É aplicada em dose única, e o paciente é considerado imune depois de 28 dias.

“Essa vacina tem várias limitações. Ela dá bastante reação, não pode ser usada em indivíduos imunocomprometidos ou mulheres grávidas, e a agulha provoca um machucado na pele”, explica o dr. Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

 

LC16 (3° geração)

Já a LC16, desenvolvida pela japonesa KM Biologics, é utilizada desde 1975, o auge do combate à varíola humana. Ela é feita com o vírus atenuado, com pouca capacidade de replicação, e também tem algumas restrições em relação a pessoas imunocomprometidas ou com problemas de pele. Não há dados sobre sua segurança em gestantes, mas ela é aprovada para crianças de todas as idades.

 

Jynneos (3° geração)

A MVA-BN, por sua vez, é popularmente conhecida como Jynneos nos Estados Unidos, Imvanex na Europa e Imvamune no Canadá. Produzida pela dinamarquesa Bavarian Nordic, ela também é feita com vírus vivo, mas que não se replica. É aplicada em duas doses com quatro semanas de intervalo, e a imunização vem 14 dias após a segunda dose.

Diferentemente das demais, ela também pode ser usada como profilaxia pós-exposição.

“Quem vive com alguém que está contaminado também pode ser vacinado após o contato. É possível prevenir a doença se [a vacina for] tomada após 4 dias do contato, e as formas mais graves, se tomada até 14 dias depois”, explica o dr. Renato.

        Veja também: Conheça os sintomas da varíola dos macacos

 

O surgimento da varíola dos macacos

Todas essas vacinas foram incluídas na imunização de rotina até 1980, quando a varíola humana foi considerada mundialmente erradicada. Isso promoveu àqueles que tinham sido vacinados até a década de 1980 uma proteção cruzada contra todos os vírus do gênero Orthopoxvirus, ao qual pertencem o smallpox e o monkeypox. Estima-se que esse efeito dure em torno de 10 anos.

Por outro lado, em 1970, foi descoberto o primeiro caso de varíola dos macacos em humanos: um menino de 9 anos na República Democrática do Congo. Desde então, a doença foi lentamente se espalhando pela região do continente africano, ao mesmo tempo em que a imunidade remanescente da vacinação contra a varíola humana diminuía. Entre 1986 e 2007, o número de casos de monkeypox aumentou cerca de 20 vezes.

Em 2003, a doença passou a ser relatada fora da África, mas sempre relacionada a uma viagem para o continente ou ao contato com alguma pessoa ou animal vindo de lá. Em 2022, a quantidade de infecções explodiu em países de todos os continentes.

 

A Jynneos no combate à monkeypox

Para tentar controlar sua disseminação, a primeira vacina autorizada na prevenção da monkeypox foi a Jynneos, em 2019. De acordo com dados de estudos em animais reunidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, ela oferece pelo menos 85% de efetividade na proteção contra a monkeypox. 

“A Jynneos está licenciada pelo FDA [Food and Drugs Administration, agência regulatória estadunidense] para adultos acima de 18 anos. É utilizada por profissionais de saúde que trabalham em laboratórios e pessoas que viajam para regiões da África onde a varíola dos macacos está presente. Então, já é uma vacina conhecida”, detalha o dr. Renato.

Com o surto atual, esse é o único imunizante autorizado no combate à doença em países como Canadá, União Europeia e Estados Unidos. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta para a falta de algumas informações relacionadas à eficácia e pede que os países que a estão utilizando compartilhem esses dados.

“Além disso, a produção é muito pequena, porque antes não se usava tanto, e agora o mundo todo está precisando. Discute-se construir uma nova fábrica e aumentar a produção para que a gente realmente consiga oferecer a vacina a todos”, ressalta o infectologista.

A Bavarian Nordic, o único laboratório fabricante no mundo, possui uma capacidade de produção anual de 30 milhões de doses. Alguns países e a própria OMS possuem estoques da Jynneos por segurança contra bioterrorismo, mas é difícil saber exatamente quantas unidades existem devido ao sigilo de defesa.

Até o momento, o Brasil anunciou a compra de 50 mil doses através da Organização Pan-Americana da Saúde, a Opas. O calendário de vacinação, segundo a representante da Organização, Socorro Gross, deve chegar na próxima semana (a partir do dia 22/08). 

        Veja também: Mitos e verdades sobre a varíola dos macacos

 

E as outras duas vacinas?

Ainda que especialistas acreditem que todas as vacinas contra a varíola humana funcionem contra a varíola dos macacos, ainda estão sendo realizados estudos que comprovem isso.

Em relação à ACAM-2000, por exemplo, não existem dados sobre sua efetividade no atual cenário de disseminação da monkeypox. Apenas os Estados Unidos autorizaram o imunizante contra a doença. Se aprovada, a Emergent BioSolutions afirmou que poderá produzir 18 milhões de doses por ano, chegando a 40 milhões em situações de emergência.

A LC16 também está em fase de testes e já demonstrou proteção contra a monkeypox em animais, além de estimular uma resposta imune em humanos. 

 

Por enquanto, quem pode tomar a vacina?

Enquanto a única vacina disponível no mundo é a Jynneos, a OMS se desdobra para garantir o acesso global ao imunizante. Por ora, a recomendação de vacinação em países com transmissão comunitária, como o Brasil, é restrita a pessoas com alto risco de exposição à monkeypox. São elas:

  • homens gays, bissexuais ou que fazem sexo com homens;
  • profissionais da saúde que lidam com casos suspeitos ou confirmados;
  • alguns profissionais de laboratório;
  • pessoas que fazem sexo com múltiplos parceiros;
  • pessoas que vivem em regiões de maior transmissão.

Em relação às gestantes, lactantes e puérperas, também parte do grupo de risco, a indicação da vacina depende dos possíveis riscos e benefícios em cada caso. Como ainda não há muitas informações sobre como a doença se comporta nessas populações, o Ministério da Saúde orienta o uso de máscaras, bem como o de preservativos durante as relações sexuais.

Segundo o dr. Renato, é provável que não seja preciso vacinar toda a população, como foi com a covid-19, mas não dá para ter certeza. 

“É uma doença que não tem tanta gravidade como a covid. Parece mais com a gripe ou a meningite: você não vacina a população inteira, apenas quem tem mais risco. Em geral, é isso que deve acontecer, mas ainda estamos no começo da epidemia. Não sabemos que proporção vai ter”, pontua.

        Ouça: DrauzioCast sobre varíola dos macacos

 

Já tomei a vacina quando era criança. Estou protegido(a)?

As incertezas também se estendem àqueles que supostamente teriam algum resquício de proteção. Dependendo do país, os casos de infecção por monkeypox em pessoas com mais de 40 ou 50 anos – e, portanto, vacinadas contra a varíola humana durante a infância – não passa de 15%. Em torno disso, criou-se uma expectativa de que as vacinas do passado teriam conferido certa imunização a essa geração.

“Mas é muito cedo para saber se há uma proteção efetiva e com que grau. Já faz muito tempo dessa vacinação, então pode ser que tenha algum grau de proteção, pode ser que seja pequeno, pode ser que seja maior dependendo do indivíduo. Há uma expectativa, mas não se sabe. Essa é uma resposta que a ciência ainda não tem”, destaca o infectologista.

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