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Sexualidade

Medicamento pode reduzir em mais de 70% risco de infecção por HIV | Entrevista

O infectologista Esper Kallás, integrante da equipe brasileira que participou da pesquisa, fala sobre as perspectivas para os métodos de prevenção contra a aids a partir dos resultados de estudo.
Publicado em 14/07/2011
Revisado em 07/04/2021

O infectologista Esper Kallás, integrante da equipe brasileira que participou da pesquisa, fala sobre as perspectivas para os métodos de prevenção contra a aids a partir dos resultados de estudo.

 

Em novembro de 2010, um estudo publicado no The New England Journal of Medicine, um dos mais conceituados na área de pesquisa médica, trouxe uma das maiores promessas para o combate à transmissão do HIV: um medicamento que reduz em 43,75% o risco de contaminação pelo vírus da aids.

 

Veja também: Infectologistas esclarecem dúvidas sobre a profilaxia pré-exposição

 

Equipes do Peru, Equador, África do Sul, Estados Unidos, Tailândia e Brasil acompanharam 2.499 homens e transexuais femininas que mantinham relações sexuais com outros homens e tinham um perfil de alto risco. Durante 2,5 anos, metade tomou o Truvada, uma pílula composta por dois medicamentos usados em coquetéis para tratamento de aids, e metade tomou um placebo. No final do estudo, o grupo dos que tomavam placebo tinha 64 infectados, enquanto o dos que recebiam Truvada tinha pouco mais que a metade, 36.

O infectologista Esper Kallás, integrante da equipe brasileira que participou da pesquisa, falou ao Portal do Dr. Drauzio Varella sobre as perspectivas para os métodos de prevenção contra a aids a partir dos resultados do estudo.

 

Drauzio Varella – É comum pesquisas verificarem se medicamentos usados em tratamento são eficazes também como prevenção?

Esper Kallás – Essa foi a primeira vez que se empregou o uso de medicamentos preventivos para transmissão sexual consensual. Remédios desse tipo são usados há muitos anos em outras circunstâncias. Por exemplo, para prevenir uma grávida com HIV transmita o vírus para o bebê, evitar que uma enfermeira que sofreu um acidente com material contaminado seja infectada, em casos de estupro, ou se um casal em que um é soropositivo e outro é negativo teve uma relação com penetração sem preservativo. São casos que podem preencher os critérios padronizados pelo Ministério da Saúde para distribuição do que se chama de profilaxia pós-exposição. Entretanto, é a primeira vez que se demonstra a proteção com o uso de remédios antes de a pessoa se expor a uma relação sexual.

 

Drauzio Varella – Segundo o relatório do estudo, parte dos indivíduos analisados tomava a pílula de forma irregular. Isso significa que a eficácia do comprimido pode ser ainda maior?

Esper Kallás – A eficiência é tanto maior quanto melhor a pessoa seguir a prescrição. Verificamos o que se chama de plausibilidade biológica, ou seja, quanto mais corretamente o indivíduo tomar a medicação, melhor é o efeito do remédio. No geral, houve uma redução de 44% na infecção pelo HIV, mas naqueles que tomaram mais de 90% dos comprimidos, a redução chegou a 73%.

 

Drauzio Varella – Quando foram divulgados os primeiros resultados da pesquisa com a vacina RV144, a proteção anunciada era de 31%. Posteriormente, esse número foi revisado e reduzido para 26%. Algo semelhante pode acontecer no caso do Truvada?

Esper Kallás – A pesquisa do RV144 foi realizada na Tailândia e durante o estudo teve um efeito de proteção considerado muito modesto. Em uma subanálise, teve efeito de até 60% no primeiro ano, mas depois caiu e está sob investigação para verificar se existe possibilidade de fazer outra combinação de vacinas e atingir um resultado um pouco melhor. Já o remédio do nosso estudo, enquanto o indivíduo usar, será eficiente.

 

Drauzio Varella – Por que o estudo foi conduzido somente com homens homossexuais?

Esper Kallás – Porque a agenda de pesquisa de profilaxia para exposição começou com mulheres. Os primeiros trabalhos concebidos nesse sentido foram feitos no Cambodja e em alguns países da África, sempre envolvendo só homens heterossexuais ou mulheres. Os homens homossexuais estavam fora dessa agenda de pesquisa. Como os homens que têm múltiplos parceiros, especialmente os que praticam sexo com travestis e transexuais femininas, constituem um grupo muito vulnerável à doença, consideramos uma boa ideia expandir a agenda de pesquisa para esse grupo.

 

Drauzio Varella – Não são feitas pesquisas para esse grupo?

Esper Kallás – Outros estudos que envolviam homens homossexuais enfrentaram problemas. Alguns foram interrompidos, outros retardaram os resultados e até o momento não foram concluídos. Por isso, esse estudo acabou ganhando destaque.

 

Drauzio Varella – Quando um indivíduo relatava que havia se exposto ao vírus, ele era encaminhado para exame e tratamentos pós-exposição. Tais medidas não podem ter diminuído o número de infectados, influenciando o resultado?

Esper Kallás – É obrigatório adotar sempre o que há de melhor na norma vigente.  A norma vigente é: se uma pessoa se expôs ao vírus, ela é candidata a receber profilaxia pós-exposição. Metade dos participantes estava tomando um placebo, então não se podia privá-las de receber um remédio após uma exposição confirmada de risco ou de altíssimo risco. Por isso, em tais circunstâncias, a pessoa saía do estudo, recebia o melhor remédio disponível e depois voltava para o estudo.

 

Drauzio Varella – Os medicamentos que compõem o comprimido fazem parte do coquetel oferecido pelo SUS?

Esper Kallás – Eles fazem parte do coquetel oferecido em muitos países. No Brasil, A entricitabina tem um equivalente muito mais barato e genérico, então o programa brasileiro resolveu não investir na sua compra. Já o tenofovir, que completa a pílula, é um dos remédios mais usados no coquetel para pacientes que vivem no Brasil.

 

Drauzio Varella – O remédio em estudo seria de alto custo?

Esper Kallás – É uma questão que vai para o lado da saúde pública de forma geral e de políticas de assistência à saúde. A execução de um determinado investimento depende do benefício que se tem em retorno, e só teremos a resposta sobre o custo-benefício depois que concluirmos a próxima etapa.

 

Drauzio Varella – Quais são os próximos passos?

Esper Kallás – Esse é um estudo cujo resultado vale em uma situação de pesquisa muito controlada. Os voluntários faziam teste todos os meses, recebiam aconselhamento pré e pós-teste, faziam exames para DST, recebiam preservativos, géis e educação de prática de sexo seguro. Essa é uma situação que representa o que se tem de melhor em profilaxia. O que ainda precisamos saber é se o que vimos nesse estudo pode ser transposto para uma situação onde a pessoa tem somente os cuidados do dia a dia. Essa é a próxima etapa. Se nós ou outros grupos demonstrarmos que é possível manter esse tipo de proteção em uma situação do cotidiano, acho que essa intervenção é uma boa candidata a tomar lugar na saúde pública para os grupos de pessoas de alta vulnerabilidade.

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