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Sexualidade

Brasil tem altas taxas de gonorreia

Apesar do tratamento ser relativamente simples, o diagnóstico correto da gonorreia ainda é um desafio no país, principalmente quando a infecção ocorre na garganta ou no anus.
Publicado em 18/08/2021
Revisado em 28/02/2023

Apesar do tratamento ser relativamente simples, o diagnóstico correto da gonorreia ainda é um desafio no país, principalmente quando a infecção ocorre na garganta ou no anus.

 

A gonorreia (blenorragia) é uma das infecções sexualmente transmissíveis (IST) com maior incidência no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, ocorrem cerca de 500 mil novos casos por ano no país. Mesmo sendo curável com uma dose única de antibiótico, a dificuldade de diagnóstico e a facilidade com que a bactéria é transmitida podem estar por trás da enorme quantidade de casos.

Causada pela bactéria gonococo (Neisseria gonorrhoeae), a gonorreia pode provocar inflamação nos genitais masculinos e femininos, causando ardor ao urinar e corrimento esverdeado ou amarelado. Os sintomas podem surgir no pênis rapidamente, de 24h a 72h após o contato, mas há uma grande prevalência de assintomáticos, principalmente quando a bactéria atinge a garganta, vagina e anus.

Apesar da discussão ter avançado, ainda existe uma visão preconceituosa da sociedade de que as ISTs estão associadas à população LGBT. “A gonorreia é uma das maiores causas de infertilidade nas mulheres cisgêneras, dentro de uma relação heterossexual. Elas vão ter sintomas só na fase tardia, quando a infecção já atingiu as tubas uterinas, causando uma inflamação que dificulta a fecundação”, afirma o dr. Vinícius Borges, infectologista formado pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e idealizador do Dr. Maravilha, com foco em Saúde LGBT+ e sexualidade.

Transmissão

A gonorreia pode infectar qualquer pessoa, independentemente da orientação sexual, da identidade de gênero e da modalidade de sexo. Pode ser transmitida sem penetração, mesmo que não haja ejaculação. “Só o contato entre os genitais, preliminares, sexo oral ou ficar brincando ‘na portinha’ já podem transmitir”, explica o médico. Brinquedos sexuais e vibradores não devem ser compartilhados, para evitar a transmissão.

Apesar da camisinha ser uma grande aliada na prevenção contra as ISTs, o seu uso é ainda bastante baixo na população brasileira. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, somente 22,8% da população adulta utilizou o preservativo em todas as relações sexuais nos doze meses anteriores à pesquisa. O método é visto muitas vezes apenas como contraceptivo, e quando há outro método que impeça uma gravidez indesejada, é comum a dispensa da camisinha.

Além do contato sexual, a gonorreia também é transmitida de mãe para filho. No momento do parto, pode ocorrer a infecção do bebê pela bactéria, causando a oftalmia neonatal, uma conjuntivite que afeta os recém-nascidos e pode levar à perda da visão, se não for tratada. Atualmente, logo após o nascimento é aplicado um colírio que elimina a bactéria.

Veja também: Quase 40% das jovens não usam camisinha

Além do genital

Uma das maiores dificuldades do controle das altas taxas de gonorreia é que essa IST pode ser transmitida entre os genitais, a garganta e o anus. “A gente sabe que é quase cultural que o sexo oral seja feito sem preservativo, mas ele é necessário. Tenho pacientes que receberam sexo oral e a bactéria na garganta foi transmitida para o pênis”, afirma dr. Vinícius.

Os sintomas na garganta podem variar entre queimação, inchaço, dor e surgimento de manchas brancas. Já no anus, a bactéria pode ocasionar secreção, sangramento, coceira e dor.  Mas é preciso ficar atento, já que casos nessas regiões são assintomáticos em sua maioria.

“90% das pessoas que têm gonorreia na garganta ou no anus não apresentam sintomas e podem transmitir a bactéria”, aponta o infectologista. Nesses casos, somente através de exames laboratoriais é possível identificar a infecção.

 

Rastreamento

Como se associa ISTs aos órgãos genitais, realizar testes na garganta e no anus é algo raro, principalmente em pessoas que não apresentam sintomas. É exatamente o que ocorre com a gonorreia.

Existem alguns testes disponíveis que podem auxiliar no diagnóstico desses casos. “Temos a bacterioscopia (ou Gram) e o de cultura de bactéria, mas esses possuem sensibilidade baixa. O exame padrão ouro é feito através de PCR, que tem alta sensibilidade. É feito com swab, igual ao teste de covid-19”, explica o infectologista.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, alguns grupos devem ficar mais atentos à testagem, principalmente porque podem não apresentar sintomas  ou apresentá-los em fases mais tardias. São eles:

  • Mulheres com 25 anos ou menos e vida sexual ativa: devem realizar o teste anualmente;
  • Grávidas (por conta do risco de transmissão ao bebê):  no início da gestação;
  • Homens que fazem sexo com homens: a cada 6 meses;
  • Profissionais do sexo: a cada 6 meses.

No Brasil, o exame de PCR não é amplamente utilizado no SUS, mas é possível encontrá-lo em laboratórios particulares.

Veja também: O que fazer depois do sexo sem proteção

 

Coinfecção e resistência bacteriana


Ao lado da gonorreia, a clamídia é uma das ISTs mais comuns. Também provocada por bactéria (Chlamydia trachomatis), é comumente transmitida junto à gonorreia. De acordo com o dr. Vinícius, quando uma pessoa tem uma IST, ela favorece a transmissão de outras, por isso ocorre a coinfecção.

“No Brasil, no sistema público de saúde indica-se fazer o exame e depois tratar, onde houver. Por uma questão epidemiológica e por falta de recursos. Onde não há exame, indica-se tratar empiricamente as duas, clamídia e gonorreia. Os sintomas são muito parecidos”, afirma o médico. O paciente pode, nesse caso, estar tomando um antibiótico sem a real necessidade, já que não houve a testagem. Isso vem provocando a chamada resistência bacteriana.

Em 2016, o Projeto SenGono analisou 550 cepas da bactéria que provoca a gonorreia no Brasil. O estudo identificou que entre 47% e 78% delas já apresentavam resistência ao tratamento com  penicilina, tetracilina e ciprofloxacina, além de uma crescente resistência à azitromicina.

A Organização Mundial da Saúde já alerta sobre o surgimento de “supergonorreias”, e os tratamentos disponíveis não são efetivos contra elas. “A gonorreia é causada por uma bactéria com alta capacidade de mutação e de troca de gene de resistência. Existem programas mundiais de controle do gonococo”, afirma o médico.

Além do risco do surgimento de novas variantes resistentes aos tratamentos, o paciente infectado pode continuar transmitindo a bactéria, principalmente se não houver acompanhamento. Há também a possibilidade de desenvolver complicações a longo prazo, como doença inflamatória pélvica, inflamação nos testículos, infecção gonocócica disseminada, infertilidade, entre outras.

Veja também: O problema da resistência bacteriana | Coluna #109

 

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