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Reportagens

Como lidar com o paciente de Alzheimer?

idoso sentando, de mãos dadas com jovem. Suicídio assistido ainda é tabu
Publicado em 21/09/2018
Revisado em 11/08/2020

É importante que as pessoas com Alzheimer sejam estimuladas a colaborar com tarefas rotineiras e familiares, para que se sintam incluídas socialmente e mantenham ao máximo uma certa autonomia.

 

A doença de Alzheimer é um tipo de demência que prejudica a memória, o pensamento e o comportamento. Em se tratando de prevalência, podemos dizer que é a principal demência, visto que é responsável por mais da metade dos casos no mundo. Mais comum após os 65 anos, trata-se de uma doença degenerativa que causa a perda progressiva de células neurais.

Ainda não há cura para o Alzheimer, mas existem medicamentos capazes de retardar sua progressão. Os sintomas surgem aos poucos e ficam mais evidentes com o passar do tempo. É preciso ter muita paciência e atenção para cuidar do paciente, especialmente no estágio avançado, momento em que ele precisa de ajuda para realizar até as tarefas mais básicas, como tomar banho e se alimentar.

Existem três estágios principais: inicial, moderado e avançado. A Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) destaca que o papel dos cuidadores no estágio inicial inclui lidar com impacto e aceitação do diagnóstico, decidir sobre a revelação ou não desse diagnóstico, procurar saber mais sobre a doença e os sintomas e decidir sobre os tratamentos; na moderada, também é preciso garantir a segurança física, emocional e financeira do paciente, considerar a necessidade de um cuidador em tempo integral e estabelecer novas formas de relacionamento; na fase avançada, acrescenta-se oferecer cuidados intensivos e constantes e buscar alternativas de comunicação, interação e manifestação de afeto.

 

Perda de memória

 

A perda de memória é uma das principais características da doença. Com o passar do tempo, o idoso esquece acontecimentos importantes da sua vida e de pessoas próximas. Às vezes, não se recorda da morte de algum parente e pergunta sobre ele normalmente, como se ainda estivesse vivo. Nesses casos, a família pode não saber como agir: afinal, é melhor contar a verdade ou evitar o assunto?

De acordo com a dra. Roberta Saba, neurologista e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a decisão deve levar em conta o grau de comprometimento cognitivo e de memória. “Se for na fase inicial, quando há falhas de memória mas os pacientes ainda se mantêm independentes para as atividades diárias, a verdade pode ser dita e tenta-se, junto dele, recordar como o fato ocorreu, mesmo que seja o falecimento de um ente querido”, explica.

Quem tem Alzheimer muitas vezes cria algumas histórias cotidianas que não ocorreram, mas que para ele são reais. Nesses casos, é mais indicado concordar em vez de criar ansiedade negando as histórias. Esse tipo de atitude só gera mais conflito e insegurança

Ao se decidir contar a verdade, é importante observar como é a reação à notícia. Há aqueles que acabam se lembrando do acontecido e reagem tranquilamente, mas também há os que reagem com grande tristeza e sofrem muito ao saber dos fatos novamente. “Se há situação de estresse, agitação ou preocupação com a notícia repetida, é melhor não insistir e inclusive evitar o assunto em outras ocasiões”, indica a dra. Maramélia Miranda, neurologista do Hospital São Luiz Morumbi.

A ideia é mais ou menos pesar o custo-benefício: vale a pena contar a verdade se ela causa tanto estresse ou tristeza? Claro que não é tarefa fácil, mas não há um manual que ensine exatamente como lidar com a questão. Existem até situações nas quais o paciente nega o falecimento em questão, pois tem certeza de que o ente querido está vivo. Segundo a neurologista, o melhor é não confrontá-lo, evitando maior sofrimento. “Quem tem Alzheimer muitas vezes cria algumas histórias cotidianas que não ocorreram, mas que para ele são reais. Nesses casos, é mais indicado concordar em vez de criar ansiedade negando as histórias. Esse tipo de atitude só gera mais conflito e insegurança”, recomenda a dra. Saba.

 

Revelação do diagnóstico para o próprio paciente

 

De acordo com a Abraz, contar ou não ao paciente sobre a doença é uma decisão que cabe à família, mas os profissionais de saúde envolvidos no caso podem discutir e auxiliar. Assim como optar por confrontar ou não ideias equivocadas que o paciente tenha sobre acontecimentos passados, o ideal é que os responsáveis pesem as vantagens e desvantagens de revelar a notícia. Muitos optam por não falar para preservar a pessoa de enfrentar a realidade de prejuízos que a enfermidade provocará em sua vida e evitar mais sofrimento.

A professora de educação física Juliana Corrêa, de 30 anos, viveu esse dilema. Seu pai, Telmo Pinho, de 60 anos, foi diagnosticado em 2013, aos 55. “Quando ele foi diagnosticado, fazia um ano que tinha se aposentado, mas no último ano de trabalho dele já tínhamos notado alguns sinais de mudança no comportamento e na fala. Quando de fato se aposentou e diminuiu as atividades, notamos uma progressão muito grande. Ele repetia as coisas, às vezes se enrolava nas falas, errava as ruas ao dirigir”, conta. Ele nunca soube que tem Alzheimer. Sua família entendeu que não seria benéfico e Juliana acredita que essa foi a melhor decisão. A doença surgiu precocemente e evoluiu muito rápido. Hoje, ele já não fala, não reconhece as pessoas e precisa de ajuda em coisas básicas, como tomar banho. “No começo ele encontrou uma maneira de se expressar por meio de livros de pintura. Pintava o dia inteiro. Mas de um tempo para cá está em outra fase, não pinta mais, só anda com os livros embaixo do braço e mostra as pinturas”, conta Juliana.

Ainda segundo a Abraz, quem decide contar sobre o diagnóstico deve fazer isso no estágio inicial, para que o paciente compreenda a informação. É fundamental ter cuidado e sensibilidade para explicar os fatos de maneira simples, facilitando o entendimento. É claro que é preciso avaliar também a personalidade de cada paciente e buscar antecipar como ele irá lidar com a notícia. Pessoas que encaram bem o diagnóstico podem inclusive participar das decisões para o seu futuro, como heranças e procurações para designar pessoas que serão responsáveis por questões diversas futuramente.

 

Cuidados acompanham a progressão da doença

 

Os cuidados no dia a dia vão depender da idade e das dificuldades de cada um naquele momento. “Se for um indivíduo mais jovem que ainda apresenta atividade profissional e tem independência para as tarefas da vida diária, é importante que ele continue produzindo e mantenha sua rotina”, afirma a dra. Saba.

De acordo com a dra. Maramélia, quando os sintomas ainda são leves, medidas comportamentais e ambientais dentro de casa podem amenizá-los, como:

  • Fazer passeios para socialização;
  • Realizar atividades como fisioterapia, academia e encontros familiares;
  • Reduzir opções de escolha do paciente (por exemplo, ter que escolher entre apenas duas roupas, ou entre duas sobremesas), de forma a simplificar as respostas e diminuir o estresse dessas decisões;
  • Manter o ambiente sempre com indicativos da hora e janelas abertas para que ele tenha noção do transcorrer do dia e transição para a noite.

“Todas essas medidas reduzem a agitação e a agressividade. Quando os sintomas estão mais exacerbados, além dessas ações é necessário a adição de medicamentos para que se tenha condição de manter a pessoa mais sociável e não causar mais estresse aos familiares e seus cuidadores”, explica a médica.

Em razão da evolução progressiva da doença, em algum momento haverá comprometimento das ações diárias e os familiares devem estar atentos a essas mudanças. Nos casos em que os pacientes já são mais velhos e/ou têm dificuldade maior para realizar atividades, os cuidados acompanham, e também aumentam.

 

Veja também: Alzheimer e as perdas diárias

 

No estágio avançado, por exemplo, é comum a perda do controle da bexiga e do intestino. Nessa fase, é importante tranquilizar o paciente para reduzir o constrangimento de situações difíceis como urinar na roupa. Diga, por exemplo, que qualquer um pode sofrer um acidente como esse, em vez de repreendê-lo por ter se molhado, e respeite a sua privacidade sempre que possível.

Segundo a Alzheimer’s Association (Associação de Alzheimer, entidade que funciona nos Estados Unidos), quando há incontinência não é indicado diminuir a ingestão de líquidos, pois o paciente corre risco de ficar desidratado, mas é interessante controlar o consumo antes de dormir. A forma de comunicação é essencial: use palavras adultas para se referir a idas ao banheiro em vez de falar como se fala com bebês. Memorize as palavras que acionam a pessoa a usar o banheiro e lembre-a de ir regularmente, a cada duas horas, por exemplo.

 

Atividades do dia a dia

 

É importante que as pessoas com Alzheimer sejam estimuladas a colaborar com tarefas rotineiras e familiares, para que se sintam incluídas socialmente e mantenham ao máximo uma certa autonomia. Além disso, atividades intelectuais, como ler e fazer palavras cruzadas, podem exercitar o cérebro, ajudando a retardar o avanço da doença.

Exercícios físicos (como fisioterapia, pilates e caminhada) são benéficos e existem estudos clínicos que mostram redução do ritmo de declínio das capacidades em médio e longo prazo, de acordo com a dra. Maramélia. Cursos rápidos, aulas de culinária, jogos lúdicos e participação em grupos de discussão, especialmente nas fases iniciais, também são ações positivas. “Tudo isso tem o potencial de aumentar a ‘reserva cognitiva’ das áreas cerebrais ainda não afetadas, ainda que se trate de uma doença degenerativa. Ou seja, mesmo sabendo que haverá deterioração, a estratégia é reduzir a velocidade do declínio”, explica a médica.

Segundo Juliana, o mais difícil são os cuidados com higiene e a necessidade de atenção, que deve ser em tempo integral. Telmo quer ir embora toda hora, fica andando pela casa e tirando as coisas do lugar. Além disso, ele acorda cedo e não dorme durante o dia, portanto demanda muitas horas de dedicação. “Não podemos deixá-lo sozinho, o que torna muito difícil a vida do cuidador, que no caso é a minha mãe. Ela simplesmente parou a vida para cuidar dele e isso acontece com todos os que têm alguém com Alzheimer.”

É interessante organizar o que será feito no dia a dia, criando uma rotina para o paciente. De acordo com a Alzheimer’s Association, atividades estruturadas e agradáveis ajudam a reduzir a agitação e melhoram o humor. Mas, antes de fazer um plano, leve em consideração os gostos, interesses e habilidades do paciente. À medida que a doença avança, ele pode enfrentar mudanças em suas habilidades. Conforme isso acontece, é preciso observar e ter flexibilidade para ajustar sua rotina. Se um paciente tem a jardinagem como hobby, é importante estimular essa atividade, mas conforme se observa a dificuldade para cuidar de todo o jardim, pode-se diminuir a quantidade de plantas, por exemplo.

É possível relacionar os passatempos à antiga profissão do idoso ou preservar hábitos que ele já tinha antes, como tomar café lendo o jornal. É importante notar que não necessariamente o paciente precisa ter entendimento completo da atividade. Ele não precisa compreender plenamente as notícias que lê, mas ainda assim o hábito pode permanecer como um momento agradável. Vale sempre observar suas reações para identificar as atividades que mais ele aprecia. Algumas sugestões:

  • Assistir a programas de TV;
  • Ajudar a cuidar do jardim;
  • Pintar telas;
  • Executar tarefas domésticas básicas, como pôr a mesa do jantar ou varrer o chão da cozinha, que fazem com que a pessoa se sinta útil.

 

Presença do cuidador

 

É muito comum, principalmente no primeiro estágio do Alzheimer, que o paciente não aceite bem a presença de um cuidador, principalmente se for alguém desconhecido, pois ele pode acreditar que ainda tem autonomia para realizar suas tarefas e se cuidar sozinho. Porém, no momento em que ele não consegue mais fazer suas atividades de forma independente, seja pelo risco de acidentes ou de se perder, por exemplo, a presença de alguém que o auxilie se torna fundamental.

 

Veja também: Atividade física e Alzheimer

 

A dra. Roberta Saba recomenda que, nesse momento, a família converse com o paciente e atribua ao cuidador a função de alguém que irá ajudá-lo no dia a dia, evitando passar a impressão de aquela pessoa será uma espécie de babá. “O que percebemos na prática é que aos poucos eles aceitam a presença dessa pessoa. Não podemos esquecer que os cuidadores devem ser capacitados para essa função e devem ser orientados caso a caso”, orienta.

Outro dica importante é que os familiares comecem fornecendo a “supervisão” apenas durante o dia e expliquem para a pessoa com Alzheimer que o cuidador está ali para dar suporte nas tarefas de casa e nas saídas que ela fizer. “Ao longo da evolução da doença, a necessidade vai aumentar, e será necessária a supervisão em tempo integral”, afirma a dra. Maramélia.

 

Agressividade

 

Pessoas com Alzheimer podem apresentar agressividade no curso da doença. Os comportamentos agressivos podem ser verbais ou físicos e ocorrer de repente, sem razão aparente, mas também podem ser fruto de alguma situação que causou frustração, algum desconforto físico (dor, cansaço, sono, fome ou sede) ou fatores externos desagradáveis (multidões, ambiente hiperativo ou com pessoas desconhecidas). O primeiro passo é entender que aquela atitude não é proposital.

Nesses casos, a Alzheimer’s Association recomenda tentar identificar a causa imediata (pensar no que aconteceu logo antes da reação), descartar a dor como causa do comportamento agressivo, concentrar-se nos sentimentos e nas emoções por trás das palavras ou ações do paciente, não ficar chateado, falar devagar e em tom suave e examinar os arredores, buscando limitar as distrações.

A dra. Saba explica que as alterações comportamentais constituem um desafio no tratamento do doença de Alzheimer, pois os medicamentos podem não controlar totalmente os sintomas, que acabam se tornando um fator de muito estresse para pacientes, familiares e cuidadores. “Dessa forma, a melhor maneira de lidar com a situação é a paciência e uma boa conversa. É claro que não é simples e muitas vezes as pessoas que cuidam sentem-se cansadas e frustradas, mas dar segurança aos pacientes e acalmá-los em momentos de agressividade e irritabilidade é uma forma eficaz de contornar os sintomas”, afirma.

 

Importância do afeto

 

Juliana é a caçula de quatro filhos e sempre teve uma ligação muito forte com o pai. “Ele era parceiro de todos, sempre foi muito carismático, alegre, brincalhão e calmo, nunca imaginaríamos que isso fosse acontecer, sequer conhecíamos a doença direito. Foi um baque muito grande para nós, principalmente para a minha mãe, pois agora eles estariam aproveitando a aposentadoria e os netos, e ela acabou ganhando um outro ‘filho’.”

Apesar da perda cognitivo e da memória prejudicada, a função motora de Telmo ainda é boa: ele anda normalmente e se movimenta bem, tanto que levou a filha ao altar em abril de 2018, mesmo sem reconhecê-la mais. Para a entrada, Juliana escolheu uma música de que o pai gostava muito, e Telmo entrou assobiando, dançando e feliz ao lado dela. “A nossa entrada foi um momento único e inesperado. São ocasiões como essas que nos fazem sentir o amor e o carinho tão grandes que sempre tivemos um pelo outro. Mesmo com a memória bastante afetada, ele ainda é muito carinhoso, sorridente e amoroso”, conta.

A nossa entrada [no casamento] foi um momento único e inesperado. São ocasiões como essas que nos fazem sentir o amor e o carinho tão grandes que sempre tivemos um pelo outro. Mesmo com a memória bastante afetada, ele ainda é muito carinhoso, sorridente e amoroso

Juliana e o pai, Telmo, durante o seu casamento, em abril de 2018

Para ela, é fundamental não isolar a pessoa do mundo. Por isso, a família nunca deixa de levar Telmo para as viagens, visitas a parentes e para passear, já que ele sempre gostou de sair. “Com o tempo vamos aprendendo a lidar com as situações. É importante ter paciência, carinho e atenção, fazer a pessoa se sentir viva. Ela tem Alzheimer, não está morta. Quando existe amor, tudo fica mais fácil. Não que o dia a dia seja fácil. É muito difícil, mas com tudo isso a gente vive mais leve e eles também, porque podem até perder alguns sentidos, mas o afeto eles não perdem. Só o amor fica.”

Eles também colocam músicas de que Telmo gosta para acalmá-lo. Às vezes, a filha mostra algumas fotos que fazem o pai se lembrar dela, de outras pessoas ou até dele mesmo. Juliana diz que esses momentos são únicos e devem ser aproveitados ao máximo. “Nada paga os momentos que tenho com ele. Sinto muita saudades de como éramos, mas hoje, cada gesto, cada fala, cada sorriso dele faz o meu coração sorrir. Meu pai é o nosso centro das atenções e a nossa alegria como sempre foi. Vamos sempre cuidar e amar”, afirma.

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