Outras Histórias #47 | Rita Cadillac

Rita Cadillac, símbolo de molejo e sensualidade, levou os presidiários à loucura quando apareceu em um evento no Carandiru. Ouça!

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Publicado em: 12 de abril de 2022

Revisado em: 24 de maio de 2022

Paixão da maioria dos homens de sua época, a ex-chacrete Rita Cadillac encantou os presidiários no palco do Carandiru.

 

 

 

No presídio do Carandiru, foi realizado um concurso de cartazes de prevenção à aids. O prêmio era de U$ 1.000 convertidos em maços de cigarro, a moeda local, e dividido entre cinco ganhadores. O primeiro colocado, um preso que cumpria 5 anos de pena por pequenos assaltos, resumiu bem a mensagem: desenhou uma seringa pingando sangue dentro de uma camisinha ao lado dos dizeres “Aids: você pode evitar”.

Para entregar o prêmio, a cerimônia contou com uma roda de samba conduzida pelo grupo Reunidos por Acaso. Para o êxtase dos presidiários, a ex-chacrete Rita Cadillac, conhecida como madrinha da Casa de Detenção, foi a atração principal daquela tarde. Ouça como foi o show neste episódio do Outras Histórias.

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Esse texto é do livro “Estação Carandiru”, é sobre a Rita Cadillac. Eu, quando era adolescente, era apaixonado pela Rita Cadillac, como todos na minha geração. Ela era chacrete, trabalhava no programa do Chacrinha, e rebolava… Era uma mulher muito, muito sedutora. Então, este capítulo chama Rita Cadillac.

Fizemos um concurso de cartazes de prevenção a aids, patrocinado pela UNIP, com prêmio de mil dólares convertidos em maços de cigarro — a moeda local —, dividido entre os cinco ganhadores.

O Valdemar Gonçalves, da seção de esportes, e um grupo de presos dos postos culturais dos pavilhões distribuíram cartolina branca e pincel mágico preto. Cópias dos melhores cartazes foram posteriormente afixadas pela cadeia inteira.

O primeiro colocado desenhou uma camisinha, dentro da qual havia uma seringa pingando sangue, e embaixo os dizeres “aids, você pode evitar”. Tantos cartazes de aids e nunca vi alguém unificar com tanta propriedade a ideia do preservativo e da seringa, numa mensagem única, como fez o vencedor — um magrinho com dentes em péssimo estado, que tinha parado de estudar na escola primária e cumpria cinco anos por pequenos assaltos em parceria com um primo mais velho na região do Largo Treze, Zona Sul de São Paulo.

Os prêmios foram entregues numa tarde de calor intenso, no cinema do pavilhão seis. Estavam presentes mais de mil detentos. Para abrilhantar a cerimônia, o Valdemar convidou Rita Cadillac, ex-chacrete que encantava os homens diante da TV sábado à noite.

O pagode ficou por conta do ‘Reunidos por acaso’, um grupo da Casa de Detenção. Depois da quinta música, o mestre de cerimônias, Demétrio, um senhor careca com anel no dedinho, viciado em corrida de cavalo, anunciou com voz melosa:

— Prezados reeducandos deste estabelecimento penal, o humilde locutor que vos dirige o verbo tem a honra de anunciar esta grande artista figurativa da televisão, musa indomável da arte dançarina, aquela que foi a bailarina gruner do imprevisível Chacrinha — que deus o tenha. Neste momento festivo, convido para adentrar no palco a madrinha da Casa de Detenção: Rita Cadillac.

As últimas sílabas dos dois nomes próprios saíram intermináveis. De saia justa, Rita subiu decidida. Os seios balançando na blusa entreaberta. Uivos e suspiros na plateia. Com um sorriso malicioso, ela encarou o público, fez um sinal para os músicos e caiu no samba — mulher sensual, requebrado maravilhoso.

Excitada, a massa gritava: “vira, madrinha, vira Rita, pelo amor de Deus”. Ela, desentendida, continuou seu bailado lascivo de frente, no máximo, de lado, para os homens suplicantes.

— Vira como a gente gosta. Vira, Ritinha, só uma vez.

Quando os gritos atingiram o clímax, Rita, de saia preta, ar de colegial, levou a ponta do dedo indicador ao lábio e com a outra mão desenhou um círculo imaginário, como ao consultar o desejo da malandragem.

— Isso, vira. Agora, madrinha, mata nóis.

Suada, dois botões desabotoados, ela afinal fez a vontade dos fãs. Imediatamente as vozes calaram. Silêncio total. No pagode do Reunidos, o cantor de cavaquinho atacou o estribilho de sua autoria: “liberdade é você, o nosso amor e um barraco pra nos aquecer”.

De costas para o público extasiado, no ritmo, suas cadeiras começaram um movimento sinuoso de amplitude crescente. Quando esta atingiu o grau máximo, Rita, com a mão na nuca e outra abaixo do umbigo, dobrou gradativamente os joelhos, sem afrouxar o rebolado, até as coxas ficarem paralelas ao nível do palco.

Resistiu longo tempo requebrando nessa posição, de salto alto e costas eretas. Depois, tomou o caminho inverso ao da descida. No meio do percurso para cima, quando as coxas atingiram 45 graus em relação ao palco, subitamente sua bunda estancou no ar por segundos.

Rosto de perfil, o queixo sobre o ombro, mão esquerda levantando o cabelo do pescoço molhado, as cadeiras, afinal, deram o tranco definitivo para o alto e a artista saiu na direção do pandeiro, para delírio total da malandragem, que quase pôs abaixo o velho cinema — com todo respeito.

Veja também: Outras Histórias #46 | Mulher, motel e gandaia

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