O programa Acolhe, lançado no estado do Rio de Janeiro, tem sido referência em atendimento à saúde integrada da mulher.
A gravidez não planejada em adolescentes é uma das questões de saúde pública que tem impacto significativo na sociedade, afetando não apenas a saúde das jovens, mas também seu acesso à educação e ao mercado de trabalho. Em resposta a essa preocupação, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) e da Fundação Saúde, lançou em agosto de 2023 o Programa Acolhe. Essa iniciativa pioneira visa prevenir a gravidez não planejada em adolescentes, com foco em jovens de 14 a 25 anos.
Para aprofundar nosso entendimento sobre o Programa Acolhe, conversamos com a dra. Ana Teresa Derraik, médica ginecologista e coordenadora do programa. Ela compartilhou informações importantes sobre como o programa opera, sua importância e sua visão para o futuro.
O Programa Acolhe: o que é e como funciona
O Programa Acolhe enfrenta um problema crítico de saúde pública: a gravidez não planejada em adolescentes. Ele prioriza jovens de 14 a 25 anos, buscando fornecer informações, orientação e acesso a métodos contraceptivos eficazes. O objetivo é capacitar as jovens, para que elas possam tomar decisões sobre sua saúde reprodutiva.
A dra. Ana Teresa Derraik explica que o programa funciona em duas etapas fundamentais. Primeiramente, as pacientes participam de palestras educativas abrangendo tópicos como gestação, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, exposição a situações violentas e conscientização sobre métodos contraceptivos. Essas palestras fornecem um conhecimento essencial e esclarecem dúvidas sobre os métodos disponíveis para evitar uma gravidez não planejada.
“Não podemos inserir no corpo de uma pessoa algo que ela não saiba o que é; então é explicado sobre efeito colateral, complicações, vantagens e desvantagens. É comum [as jovens] começarmos a roda de conversa querendo botar o implante e sair de lá querendo o DIU. Isso ocorre porque a pessoa ouviu as vantagens, desvantagens, pesou e concluiu o que é melhor para ela”, diz a dra. Ana Teresa.
Após as palestras, as pacientes são encaminhadas para consultas com ginecologistas. O programa oferece uma variedade de opções contraceptivas, incluindo o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre, pílulas anticoncepcionais, injeções anticoncepcionais e o implante do contraceptivo subdérmico.
É importante ressaltar que todos os serviços prestados pelo Programa Acolhe são gratuitos e acessíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pacientes com menos de 18 anos que optam por métodos contraceptivos de longa duração, como o DIU ou o implante, precisam obter autorização de um responsável legal. Isso garante que a decisão seja tomada de forma consciente e informada, levando em consideração o bem-estar da jovem.
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Primeiros resultados do Programa Acolhe
Desde a inauguração do Programa Acolhe em agosto de 2023, os resultados têm sido promissores. Segundo a dra. Ana Teresa, até o final de setembro deste ano, foram realizadas 563 palestras, com especialistas abordando questões importantes relacionadas à saúde da mulher, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos disponíveis.
Além disso, o programa já implantou 1.371 contraceptivos subdérmicos e 263 DIUs, proporcionando às jovens a oportunidade de escolher um método contraceptivo que atenda às suas necessidades e preferências individuais.
Uma equipe multidisciplinar de apoio
O programa conta com 27 médicos que desempenham um papel crucial na educação das pacientes, na aplicação de contraceptivos e na realização de exames de ultrassonografia. Além disso, há dois enfermeiros e quatro técnicos de enfermagem que auxiliam no atendimento médico.
Para garantir um acolhimento integrado, o programa também incorpora psicólogos e assistentes sociais em sua equipe. Esses profissionais abordam questões emocionais e sociais relacionadas à saúde reprodutiva e promovem uma experiência positiva para as pacientes.
A importância da prevenção da gravidez não planejada
A gravidez não planejada na adolescência é um problema significativo que afeta não apenas a saúde, mas também as perspectivas de educação e carreira das jovens. A dra. Ana Teresa destaca que “estudos indicam que a evasão escolar é uma das principais consequências da gravidez precoce, afetando desproporcionalmente as alunas em condições vulneráveis”.
Ela também ressalta que, no estado do Rio de Janeiro em 2022, houve 777 nascimentos de mães com menos de 15 anos e 19.347 nascimentos de mães com idades entre 15 e 19 anos, representando 11,16% do total de nascimentos, segundo dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Isso destaca a necessidade urgente de programas como o Acolhe para prevenir a gravidez não planejada em adolescentes.
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Acolhimento, informação e empoderamento
Uma das principais razões do êxito do programa é sua abordagem centrada na paciente. “É muita conversa e informação científica, bem explicada, para as jovens a partir de 14 anos que chegam para atendimento. Depois dessa experiência, ter arestas aparadas e a superação das dificuldades e dos tabus.”, enfatiza a dra. Ana Teresa.
Ela continua, explicando que “os principais temas abordados, em palestras francas, são sobre a saúde da mulher, sobre como a gravidez precoce não planejada leva a condições sociais de difícil reparação (interrupção dos estudos e a entrada precoce e não qualificada no mercado de trabalho) e ainda sobre as altas taxas de mortalidade materna e do recém-nascido. O Acolhe funciona com muita informação e aconselhamento contraceptivo, para que a jovem escolha de uma forma legítima e esclarecida qual é a melhor forma que se adequa a ela”.
O futuro do Programa Acolhe
A dra. Ana Teresa tem uma visão entusiasmada para o futuro do Programa Acolhe. Ela espera que o programa possa continuar a crescer e se expandir para atender a todas as jovens do estado do Rio de Janeiro, com uma possível expansão nacional, proporcionando acesso a serviços de saúde integral.
“Eu acredito que é uma questão de tempo e espero que consigamos multiplicar o projeto para todo o estado porque a repercussão está sendo fantástica. Sonhamos, com os pés no chão e a cabeça em um mundo onde as mulheres tenham suas necessidades em saúde integralmente atendidas”, diz.
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