As doenças cardiovasculares não vitimam apenas homens. Veja quais os riscos do infarto nas mulheres.
*Colunista convidada: Sandra Regina Arcencio
As DCV (doenças cardiovasculares) são a principal causa de óbito tanto para homens quanto para mulheres em todo o planeta e englobam quadros de AVC (acidente vascular cerebral) e IAM (infarto agudo do miocárdio). Em 2017, foram notificados 383.960 mil óbitos por DCV no Brasil, sendo quase 180 mil por infarto.
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O que nos chama a atenção é que apesar da evolução dos tratamentos clínicos e da melhoria nas possibilidades diagnósticas, o número de óbitos por tais patologias continua muito elevado e crescente.
Contudo, outro fator deve soar como sinal de alerta: o aumento significativo desses óbitos entre as mulheres.
Em geral, as pessoas desconhecem que os problemas cardiovasculares estão entre os maiores responsáveis pelas mortes das mulheres no Brasil e no mundo.
Um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), mostrou que o infarto mata três vezes mais as brasileiras (em todas as idades) do que o câncer de mama.
E, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares são responsáveis por 1/3 de todas as mortes de mulheres no mundo, o equivalente a cerca de 8,5 milhões de óbitos por ano, mais de 23 mil por dia.
Há aproximadamente cinco décadas, para cada dez óbitos por infarto agudo do miocárdio, nove eram homens (90%) e apenas um era mulher (10%). Hoje, no entanto, as mulheres somam quase 50% do total de mortes por ataque cardíaco, segundo estimativas da SBC.
O que poderia justificar esse triste desempenho feminino?
Sabemos que o estilo de vida adotado pela mulher contemporânea trouxe inúmeras perspectivas para sua carreira profissional e satisfação pessoal. Porém, ao assumir a tripla jornada de trabalho, houve considerável aumento do nível de estresse e ansiedade, pelas cobranças impostas ao seu desempenho laboral associado à necessidade determinada culturalmente em se manter à frente da administração da casa, da família e dos filhos. Além disso, houve uma piora significativa na alimentação adotada por essa nova mulher, que diminuiu sua atividade física, tornou-se mais sedentária e, consequentemente, teve aumento do peso corpóreo.
Com esses comemorativos, houve um aumento significativo dos fatores de risco para as DCV, tais como obesidade, hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia (alteração dos níveis de gordura no sangue). Notou-se também o aumento do número de mulheres tabagistas nesse período. Todos esses fatores deixaram as mulheres mais suscetíveis, tornando-as vítimas potenciais para os danos cardíacos.
Na mulher, o hormônio estrógeno se apresenta como um agente protetor para o desenvolvimento das DCV, pois está associado à manutenção dos níveis elevados de HDL (o chamado “colesterol bom“) e tem ação vasodilatadora. Porém, com o advento da menopausa, o fator protecionista diminui, e o risco para as DCV eleva-se substancialmente. Assim, o risco de IAM para mulheres se dá em torno de sete anos mais tarde que nos homens, em função da queda do nível de estrógeno após a menopausa.
Surpreendentemente, ao atingir a faixa etária correspondente à fase de menopausa, a possibilidade da mulher desenvolver IAM aproxima-se das taxas masculinas. Contudo, estimativas apontam que a probabilidade da mulher falecer por essa patologia é quase 50% maior quando comparada aos homens. Uma das possíveis explicações que justificaria essa situação seria a condição anatômica das coronárias femininas: estas apresentam um calibre menor quando comparada às artérias coronárias masculinas, por vezes, acompanhada de maior tortuosidade, favorecendo a obstrução.
Além disso, há outras causas para o desenvolvimento do IAM, como a “doença do coração partido” (“Broken Heart Disease” ou “doença de Taksotubo”), que ocorre na proporção de 9:1 em favor da população feminina. Essa patologia está associada à situação de estresse intenso como, por exemplo, a perda de um ente. Também a doença vasoespástica é mais frequente entre as mulheres e se justifica por contração involuntária e aparentemente inexplicável da artéria coronária, provocando uma falta de irrigação do músculo cardíaco naquela região. Outra patologia associada ao gênero feminino é a doença microvascular, em que pequenos vasos (menores do que as coronárias) são acometidos por lesões.
Para dificultar ainda mais a identificação da doença, o IAM constantemente é considerado uma patologia inerente ao sexo masculino e, portanto, não presente entre as mulheres. Esse erro de avaliação conduz a um comportamento prejudicial: as próprias mulheres acabam dando pouca importância ao coração.
Além disso, as mulheres podem ter sintomas típicos do IAM, como os homens, mas também e muito frequentemente, atípicos.
Sintomas do infarto nas mulheres
Sintomas típicos – Dor ou desconforto na região do tórax em forma de aperto, podendo irradiar para o braço esquerdo, as costas e o rosto. A dores ocorrem acompanhadas de suor frio, palidez, falta de ar e sensação de desmaio.
Sintomas atípicos – Cansaço excessivo, sem causa aparente a pequenos esforços e às vezes até em repouso, dor na região dorsal, mal-estar geral, dor abdominal alta, semelhante à dor de uma gastrite ou esofagite de refluxo, enjoo. Além disso, um fator importante na interpretação dos sintomas nas mulheres: a probabilidade de tais sinais serem induzidos no repouso, sono e estresse mental, além do esforço físico, é maior.
Os sintomas podem surgir esporadicamente até um ano antes do infarto.
Contudo, como muitas vezes os sinais se apresentam distintos dos sintomas clássicos, as mulheres acabam associando-os a problemas ortopédicos ou gástricos, tornando a procura pelo cardiologista mais demorada. Também a busca pela assistência de pronto atendimento diante do quadro de IAM é observada como mais demorada para o grupo feminino, fazendo com as mulheres demorem cerca de 1 a 2 horas a mais do que os homens para procurarem o serviço de emergência. O tempo de demora é semelhante ao encontrado no grupo dos idosos. Como sabemos, o pronto atendimento ao IAM pode significar a diferença entre a vida e a morte, pois os recursos clínicos e invasivos são mais eficazes quanto mais precoce forem instaurados.
Com essa percepção, vários escores para fatores de risco para IAM foram desenvolvidos. O mais conhecido estudo estimador é o de Framingham. Contudo, muitos estudiosos apontaram que esse escore não incluía informações suficientemente pertinentes ao sexo feminino e surgiu, então, um novo escore de risco específico para as mulheres: escore de Reynolds (2008). Isso demonstra que houve um atraso no mundo científico para entender a manifestação das DCV nas mulheres.
Portanto, precisamos estar atentas aos sinais emitidos pelo nosso corpo e observar principalmente quem faz parte do grupo de risco, que são :
- Fumantes;
- Quem tem histórico familiar de doença cardiovascular;
- Idade (principalmente acima dos 60 anos);
- Quem tem colesterol alto;
- Hipertensas;
- Diabéticas;
- Quem tem sobrepeso;
- Sedentárias.
Portanto, fazer check-up cardiológico anual após os 48 anos é fundamental para a mulher contemporânea minimizar seu risco potencial.
Fontes
a) AMI – JW , University of Calgary ( 2016)
b) Framingham Study – Statistics in Medicine – Framingham
Lisa M. Sullivan , Joseph M. Massaro, Ralph B. D’Agostino Sr.
c) (J Am Heart Assoc. 2019;8:e011433. DOI: 10.1161/JAHA.118.011433
d) Circulation: 2008; 117( 6) : 743
*As informações e opiniões dadas nesta coluna são de responsabilidade da autora