Educação sexual ajuda a diminuir vulnerabilidades das mulheres | Coluna

Mulheres que recebem educação sexual estão menos vulneráveis a ISTs, gravidez indesejada e violência. O contrário também é verdadeiro. Leia a coluna.

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Mulheres que recebem educação sexual estão menos vulneráveis a IST, gravidez precoce e indesejada e violência.

 

Uma das melhores lembranças que tenho da época da escola fundamental envolvem a professora de Ciências Laura. Foi ela quem me ensinou as belezas do funcionamento do corpo humano, em especial do sistema reprodutor. Ela também foi responsável por desfazer, com informações científicas, as ideias preconceituosas e erradas sobre sexo e reprodução que eu ouvira de colegas mais velhos.

Hoje atribuo à Laura e aos demais professores que, juntamente com meus pais, me instruíram a respeito de questões relacionadas à sexualidade e ao funcionamento biológico do organismo, o fato de não ter engravidado na adolescência, de ter conhecimento sobre meu próprio corpo e sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST). Fiquei, sem dúvida nenhuma, menos vulnerável durante o início da minha vida sexual.

 

Veja também: Desigualdade social e gravidez na adolescência

 

Essa não é, no entanto, a realidade da maioria das brasileiras. Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) mostram que dos quase 3 milhões de nascidos em 2016, 480 mil eram filhos de mães entre 15 e 19 anos, o que representa 16% de todos os nascimentos do país. Apesar de o índice de gravidez na adolescência ter caído nos últimos dez anos, ainda temos 68 bebês de mães adolescentes para cada mil meninas entre 15 e 19 anos, enquanto a taxa mundial de gravidez nessa faixa etária é estimada em 46 para cada mil meninas.

Não são apenas as mulheres jovens que carecem de informações sobre o funcionamento do próprio corpo e da sua sexualidade. É comum recebermos neste Portal dúvidas a respeito das mudanças físicas que interferem no sexo depois da menopausa.

Luísa*, que passou por terapia hormonal quando teve câncer de mama aos 42 anos, demorou para compreender o impacto que a tratamento teve em sua vida sexual. A secretária diz que se tivesse aprendido sobre como seu corpo funcionava e sido orientada a respeito dos efeitos adversos dos medicamentos, não teria demorado tanto tempo para entender que as alterações que sentia eram hormonais. “Eu me culpei por não conseguir corresponder ao que meu marido esperava, achava que estava sem interesse por causa de tudo pelo que tinha passado. Só depois de me consultar com dois médicos soube que minha falta de libido era fruto dos remédios que tomei.”

Nesse sentido, são preocupantes as sinalizações do governo federal sobre a relevância da educação sexual nas escolas. No dia 9/2/19, o ministro da Educação Ricardo Vélez Rodrigues afirmou que o programa “Saúde nas Escolas” poderá ser alterado para não ofender famílias conservadoras, sem, no entanto, explicar quais mudanças pretende realizar.

Já no dia de ontem (07/03/2019), o presidente Jair Bolsonaro revelou em sua rede social que pretende alterar a “Caderneta Saúde do Adolescente”, do Ministério da Saúde, cujo público-alvo são jovens de 10 a 19 anos e que contém informações sobre saúde, incluindo a sexual. No trecho citado por Bolsonaro, há informações sobre anatomia e fisiologia e sobre como colocar o preservativo masculino, comuns em materiais instrutivos e didáticos.

Para o infectologista da Universidade de São Paulo (USP) Rico Vasconcelos, “sexo e sexualidade fazem parte da humanidade e da vida das pessoas, e negá-las ou ignorá-las traz consequências para a saúde pública. Esses são temas de saúde, como a amamentação e a alimentação saudável.”

O médico lembra que deixar populações fora do discurso de saúde pública as torna mais vulneráveis. No caso das mulheres, isso significa dizer que não ensiná-las a usar preservativos, a conhecer as IST a que estão expostas e não tratar da sexualidade como tema de saúde e educação as deixa mais suscetíveis a gravidez indesejada, infecções como HIV e sífilis e até violências.

De fato, essa não é uma tarefa que possa ficar restrita a pais e familiares, principalmente se considerarmos que a maioria dos estupros e abusos de crianças e adolescentes ocorre dentro de casa.  Segundo levantamento de 2014 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), há pelo menos 527 mil estupros por ano no Brasil, sendo 70% das vítimas crianças e adolescentes. Em 24,1% dos casos, o agressor é o próprio pai ou padrasto, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima.

Os estabelecimentos educacionais e de saúde devem estar preparados para atuar na prevenção e no acolhimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Assim, um ambiente escolar em que a sexualidade seja discutida com seriedade e informações de saúde ajuda nesses objetivos.

Para que as mulheres tenham acesso pleno a direitos sexuais e reprodutivos, é preciso que recebam educação sexual e sobre saúde. Só assim terão mais autonomia para desempenharem sua sexualidade de forma segura e satisfatória.

 

* a entrevistada pediu para não revelar seu nome

 

Agradecimentos à jornalista Juliana Conte e ao infectologista Rico Vasconcelos pela colaboração.

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